quinta-feira, 17 de maio de 2018

CAPÍTULO 19 - Não fuja

CAPÍTULO 19
— Interessante...
Despertei com toques gelados em minhas bochechas. Dedos pontudos passeavam por
ela e se fixaram em meu crânio, movimentando-o de um lado para o outro, estudando-o.
Tarefa estúpida. Nem eu mesma sabia como entender o torvelinho de emoções, o
atordoamento de mente e espírito que me assolava. A nova informação. A inesperada
descoberta.
Pequenina.
Aquele apelido...
Uma única pessoa o havia utilizado em toda a minha vida: o homem que eu chamava de
pai nos meus sonhos. O sujeito de postura altiva e sorriso estonteante que fazia os olhos da
minha mãe cintilarem, que cuidava de mim com carinho paternal e que em nada se
assemelhava àquele ser de feições monstruosas e temperamento hostil. Se de fato Shakur era
Ismael, o que havia lhe acontecido de tão terrível? Por que ficara daquela forma? Em que
momento assumira o lugar do meu verdadeiro pai?
Uma parte dentro de mim ordenava que eu me afastasse daquele líder de vestes negras,
alertava-me do perigo de tê-lo por perto. Se minha mãe havia fugido dele durante todas as
nossas vidas, era porque algo de ruim havia com a sua aproximação. O que Shakur poderia
ganhar mantendo-me viva? Teria o mesmo vil interesse que Von der Hess? Seria esse o
receio estampado nos olhos de Richard?
Mas também havia a outra parte.
Aquela que afirmava que o homem por detrás daquele ser repugnante já poderia ter me
usado ou eliminado em outras ocasiões se assim desejasse, que, de alguma forma, ele se
importava comigo, que a sensação de acolhimento e plenitude que experimentei com o seu
contato eram reais.
— Pena que não teremos tempo. Até que seria interessante entender seu mecanismo,
híbrida. Minhas belezinhas nunca falharam antes — suspirou Von der Hess. De olhos fechados,
poderia jurar que a voz pertencia a uma mulher.
Pisquei várias vezes até conseguir me situar. Minhas mãos e pés estavam amarrados a
argolas de ferro fincadas em uma pilastra de pedra. O aposento em que me encontrava era
amplo e com paredes esculpidas na rocha calcária, provavelmente dentro de um dos grandes
cânions subterrâneos onde Von der Hess havia criado o novo reino de Marmon. O lugar se
assemelhava a um laboratório de ciências dada a grande quantidade de tubos de ensaio sobre
as bancadas de pedra branca e potes de vidro cheios de um líquido de cor âmbar, dispostos
em prateleiras de madeira presas às paredes rochosas. Eles continham toda a sorte de coisas
nojentas, como insetos de diversos tamanhos, que julguei serem os temidos Escaravelhos de
Hao, assim como uma enorme variedade de órgãos de animais e de pessoas, em especial
orelhas e cérebros.
— Seus escaravelhos não conseguiram ler a minha mente? — inquiri, perfurando-o com o
olhar. Seu maxilar tremeu.
— Por enquanto — acrescentou de forma áspera. — Como se sente?
— Muito bem — sorri desafiadoramente, tornando a vasculhar o lugar à procura de
alguma pista ou saída.
— Não encontrará nada do seu interesse por aqui, híbrida.
— Engana-se redondamente — rebati. — Onde está minha mãe?
— Ah! Acho que travaremos um diálogo interessante... — Ele abriu um sorrisinho falso e
perturbador. Por alguma razão, eu ficava com os pensamentos lentos na sua presença. — Por
que acha que ela estaria aqui em Marmon, híbrida? — fez graça da situação, mas as pupilas
permaneciam verticais.
— Eu vi a mecha de cabelo e a foto.
— Hum — mordiscou o lábio inferior. — Já cogitou a hipótese de ser uma montagem
fotográfica?
— Sim — rosnei, sem deixar de encará-lo. — Mas também vi a comoção que ela
provocou e sei que você lida com magia negra, então...
Ele me olhou com mais interesse do que antes.
— É uma conclusão razoável, garota. Adoraria ter tempo para estudar você.
Meu estômago revirou só em imaginar o que ele queria dizer por “estudar”.
— Onde ela está? — insisti, mas ele apenas ficou de costas para mim e nada respondeu.
— Eu sei que minha mãe foi apenas a isca. Era a mim que você queria desde o início.
— Vou responder porque gostei da sua postura. Em geral os humanos são tão covardes
diante da morte... — Ajeitou as vestes brancas e, com as mãos entrelaçadas, começou a
andar lentamente pelo lugar. — Sua mãe foi muito mais que uma isca para chegar a você,
garota. Ela esclareceu lacunas do meu passado.
— Onde ela está? — repeti engolindo em seco e segurando a onda de preocupação que
se agigantava em minhas veias. Ele estava demorando demais a responder.
— Descansando — disse de maneira enigmática.
Stela descansando? O que ele queria dizer com aquilo? Pairava uma aura de desafio no
ar. O bruxo albino queria me testar e estava claro que não seria suplicando ou deixando
transparecer meu medo que obteria algum resultado. Eu não precisava temer pela minha vida.
Não ainda. Ele precisava de mim para um objetivo maior. Respirei fundo e coloquei meu
cérebro para funcionar. Sentia que precisava levar Von der Hess aos seus limites e talvez
assim obtivesse as respostas de que tanto necessitava. Naquele momento não havia uma
única gota de medo dentro de mim.
— Há quanto tempo?
— Pergunta inteligente, híbrida. Gostei. — Ele deu batidinhas com a ponta dos dedos nos
lábios sem cor. — Digamos que desde que ela chegou a Zyrk.
— Que foi...?
— Assim que senti a sua presença nessa dimensão — esquivou-se ele, sem parar de
analisar meu comportamento. — Atirei no que vi e acertei no que não vi. Adoro esse ditado
humano — soltou animado.
— O que você não tinha visto?
— Ismael! — Repentinamente um sorriso de satisfação quase rasgou o rosto do bruxo ao
meio. — Foi tido como morto há mais de uma década. Uma morte súbita e incomum para um
mago do porte dele. Mas, no momento em que você entrou em Zyrk, levei um choque
inesperado ao detectar a energia dele reaparecer e, ainda por cima, em Thron! Não sei como,
mas ele conseguiu se esconder de mim por todo esse tempo.
— Se esconder? Como assim?
— Meus poderes para captação de energia são os melhores da segunda e terceira
dimensões. Assim que detectei a energia vibrante de Ismael em Thron e depois a senti
novamente naquela bolha do Grande Conselho eu tive a confirmação na hora: Ismael passarase
por Shakur! — vibrou.
— Por que não o denunciou ao Grande Conselho?
— E perder esse inesperado trunfo? — repuxou os lábios. — Apesar de não entender o
motivo, foi um golpe ousado, devo admitir. Ele eliminou o verdadeiro Shakur, o filho
destemperado de Prylur, e assumiu sua posição. Isso não seria difícil porque Shakur tinha o
hábito de cobrir o rosto e o corpo desde a infância devido a um defeito de nascença. Acho que
só os mais íntimos perceberiam a falcatrua, mas Ismael deve ter se encarregado de calar
esses infelizes também. Foi facílimo enganar até mesmo Collin, o herdeiro de Shakur. O
imbecil era uma criança na época e nunca teve cérebro mesmo — soltou uma risadinha falsa.
— É claro que eu não podia afirmar nada até sentir sua pungente energia dentro da bolha.
Como ter certeza se minhas teorias eram verdadeiras se Ismael permanecia enclausurado em
Thron? Como fazê-lo sair de sua fortaleza se ele já tinha a híbrida em seu poder? — O mago
gesticulava de maneira teatral.
— Minha mãe — as palavras me escaparam.
— Um pedaço dela — sorriu.
— A mecha de cabelo.
Seu sorriso se alargou.
— O meu poder criou o único convite que o faria sair de Thron! — Von der Hess bradou
com efusão. — O poder que o Grande Conselho e seus estúpidos integrantes ignoraram. Eu,
Von der Hess, o único mago de Zyrk capaz de transplantar uma humana para a nossa
dimensão. Um feito único e extraordinário!
Estremeci ao me recordar da reação de Shakur naquela noite em que invadi seu quarto
sorrateiramente. Lembrava-me perfeitamente bem do momento em que ele pegou o pequeno
embrulho das mãos do soldado e o abriu. A expressão mais que aturdida em sua hemiface.
Havia um misto de euforia e horror.
— Minha moeda de troca seria a humana que o enfeitiçou, que o fez se transformar
naquilo que ele é hoje. Pobre criatura... — ressaltou com asco. — E teria dado certo não
fosse você ter fugido para Storm.
— Ele ia me trocar por minha mãe?
— Ainda não percebeu que você é a carta mais valiosa do jogo, garota? Você poderia
ser trocada por qualquer coisa, dependendo apenas do interesse do jogador — ele repuxou os
lábios, segurando o sorriso de malícia.
Seria esse o motivo de Shakur querer me manter viva? Para me trocar?
— Dei mais sorte que o colega da rodada anterior.
— “Rodada anterior”? Quem foi a outra pessoa que tentou me trocar? — tentei parecer
indiferente à terrível descoberta, mas não tive êxito.
— Você não sabe?! — Von der Hess exclamou e, sem conseguir conter o sorriso de
satisfação, balançou o indicador no ar. — Ah... Não vou estragar a surpresa! Mas posso te dar
uma pista. Você só adquire uma pedra-bloqueio após algum acordo com Malazar.
Engoli em seco, o coração dando outra descarga elétrica dentro do peito. Richard havia
me dado duas pedras-bloqueio! Não. Não. Não. Pare de pensar besteira, Nina! Richard não
seria capaz, ele não...
— Pela lógica, um mago poderoso como Ismael jamais cometeria o estúpido erro
novamente, mas lógica nunca foi o forte dele mesmo. Só um louco para abandonar seu
importante posto, quiçá o mais poderoso de todos os postos — ele continuava seu
bombardeio sobre mim —, para viver com duas humanas.
Hã? Tentei impedir a máscara de confusão que cobriu minha face, mas não consegui.
Von der Hess não perdeu tempo.
— Ah! Também não sabia que você e sua mãe foram a desgraça dele desde o início? —
indagou com maquiavélica satisfação. — Ismael é um covarde e um tolo! Covarde porque se
escondeu atrás das vestes de um homem morto durante todo esse tempo. Tolo porque deixou
duas humanas se transformarem na sua fraqueza. Aliás, todos os magos do Grande Conselho
são tolos. Deve ser pré-requisito obrigatório. Bando de hipócritas estúpidos! Quero ver a cara
de Sertolin quando descobrir que seu adorado pupilo está vivo, se é que aquele amontoado de
carne queimada pode ser considerado ser vivo — fez uma careta. — Saber que seu idolatrado
Ismael, o discípulo que o fez ficar de luto por todos esses anos, abandonou o cargo que
deveria pertencer a mim para usufruir uma vida mundana ridícula com uma humana e sua filha
híbrida amaldiçoada.
Mas que droga! Quem havia aniquilado todos os caminhos da previsibilidade quando eu
nasci? Por que nada podia ser conforme eu imaginava?
— Então já o eliminou? — Teria de suportar aquela avalanche de informações e focar no
meu objetivo maior: minha mãe.
— Uma coisa que aprendi com a vida é ter paciência e esperar a hora certa para usar as
armas corretas. Não jogo fora aquilo que ainda poderá ter serventia.
— De que lhe servirá manter Shakur e seu resgatador vivos?
Ele sorriu.
— Ôoo! Não simpatiza com eles, híbrida? — indagou com curiosidade. — Hmmm. Tive a
impressão de que era justamente o contrário... — soltou outra risadinha infame. — Sua
pergunta procede, mas acho que você ainda não entendeu o X da questão. Ismael tem
poderes e isso é, de fato, um perigo para Marmon. Mas, como sei que ele tentará de tudo
para “salvar” a sua querida mãe, haverei de me aproveitar dos ventos favoráveis. Ele não fará
besteira por medo de perdê-la. Pode até me ajudar... — ruminava as palavras. — Além do
mais, Ismael também se importa com o resgatador condenado ao Vértice. O líder de Thron
deixou seu cérebro exposto para proteger o rapaz do ataque dos meus escaravelhos. Ele fez
Richard entrar em sono profundo no exato momento em que minhas belezinhas fariam a leitura
da sua mente. Muito estranho, não?
— E por que ele se importaria com um mero resgatador?
— Richard não é um mero resgatador. Ele será o procriador do grande descendente de
Zyrk — rebateu com desdém. — O rapaz tem dons, haja vista seu contato com o demônio.
— C-Com Malazar? — senti minha voz falhar.
— Por que se espanta, híbrida? Por acaso não conhece o apelido dele? — perscrutoume
com um sorriso ardiloso.
Não podia ser! Perdi a cor ao relembrar como John o havia chamado: “Filho do
demônio”! Não podia ser verdade! Ele não...
— De fato eu ia matar Richard, mas, antes de ele cair desacordado, vi a imagem vívida
de Malazar através dos seus impressionantes olhos azuis. Foi isso o que me impediu — o
bruxo fitava o nada. — Poderia jurar que Ismael estava tentando esconder algum segredo
perturbador que aquele rapaz carrega consigo. Portanto, preciso avaliar a situação mais uma
vez antes de tomar uma atitude irreversível.
O que haveria de tão importante na mente de Richard para que Shakur o protegesse da
leitura de Von der Hess? O que ele escondia a sete chaves? Richard estava envolvido com
Malazar? Teria realmente tentado me trocar? Fechei os olhos com força e fúria, e rechacei
aquela ideia absurda da minha mente. Na certa, aquela víbora estava executando o que
sabia fazer de melhor: envenenar.
Três batidas fortes seguidas por uma batida de leve na porta.
— Entre, Truman.
— Nosso líder o convoca ao salão principal com urgência, senhor — adiantou-se um
sujeito de maxilares pronunciados. Ele tinha uma franja comprida que tampava parte dos seus
olhos. Ainda assim foi facílimo distinguir o brilho de maldade refletido neles ao se depararem
comigo. — O medicamento está perdendo o efeito e a humana está berrando sem parar.
Decidi evacuar o lugar, antecipando o intervalo de descanso. Foi preciso senão os homens de
Leônidas poderiam desconfiar.
Nova descarga de emoção: Humana?! Era sobre Stela que falavam!
— Merda! — Foi a resposta azeda do bruxo. — Pois ganhe tempo. Diga-lhe que estou
em uma experiência importante.
— Nosso rei está inflexível, senhor. Ordenou que paralisasse tudo e fosse ao seu
encontro.
— Preciso ir até a humana antes e resolver a questão — rebateu o bruxo albino com
impaciência e, de repente, sua fisionomia ficou ainda mais pálida e sua testa lotou de vincos. A
expressão sombria confirmava que ele havia pressentido algo. — O que está havendo com
Shakur?
— E-Eu também precisava lhe contar, meu senhor. Está acontecendo algum problema
com o quadro de hibernação.
— Ele não está inconsciente?
— O resgatador sim, mas Shakur está diferente.
— Diferente como?
— Tem momentos em que ele parece estar acordado e, quando vamos checar, ele entra
em um estado de transe diferente do normal, está respirando, mas sem batimentos
perceptíveis. E, durante esse tempo, tenho a impressão de que eu também fico estranho,
esquecido, como se tivessem apagado parte da minha memória. Não acho que seja normal.
Aliás, nada naquele homem parece normal.
— Não se preocupe. O lugar não permite. Shakur nada poderá fazer sem a energia solar
— afirmou o médium e pude captar uma pitada de alívio entremeada à sua observação.
— Mas coisas ficarão complicadas para o nosso lado se Leônidas e o nosso povo
desconfiarem que temos essas visitas por aqui. Meus homens não serão suficientes para
conter uma rebelião de grande porte.
— Tenho uma boa quantidade de escaravelhos em estágio adequado para o ataque.
— Eu sei, mas ainda assim...
— Não me faça perder a calma. Falta muito pouco — Von der Hess bramia, andando de
um lado para o outro.
— Acho melhor não arriscar, senhor. Vá falar com Leônidas.
— Só mais essa noite e meus dias de tormento e bajulação terão acabado!
Só mais essa noite?
— Você fará o serviço — finalmente determinou Von der Hess, estendendo um frasco de
vidro ao subalterno. Dentro dele avistei uma seringa de metal contendo um líquido marromescuro.
— Silencie a humana enquanto trabalho a fraca psique do nosso líder. Leônidas não
tem andado muito receptivo às minhas orientações desde o encontro com o Grande Conselho.
— Eu sei, meu senhor — concordou o soldado, prendendo o frasco de vidro à cintura. —
Ele não para de falar no filho póstumo.
— Tolices! Daniel está morto há mais de treze anos — soltou o mago e, agitado, apontou
para mim: — Amordace-a antes de sair e me espere na cela de Shakur.
Tão logo o mago virou-lhe as costas, o brilho de maldade nos olhos do tal Truman se
acentuou. Ele queria muito mais coisas de mim do que apenas me amordaçar.
— Espere! — berrei assim que Von der Hess atingiu a porta de saída. — Eu tenho algo
do seu interesse. Podemos fazer uma troca.
Ele se virou na minha direção e um sorriso de desdém se estampou no rosto ofídico.
— Obrigado, mas você é tudo em que tenho interesse, híbrida. Amordace-a, Truman.
O homem não perdeu tempo e veio rapidamente para cima de mim. Suas mãos pesadas
forçando um pedaço de pano imundo em minha boca.
— Eu sei onde estão as pedras-bloqueio! Você poderá utilizá-las se algo der errado! —
gritei, fazendo força descomunal para me livrar do ataque do subalterno.
— Espere! — ordenou Von der Hess ao soldado. O interesse faiscava em sua fisionomia
arrepiante. — Você...? — engoliu em seco. — Você sabe onde elas estão?
— Sei. E não me importo em lhe dizer o paradeiro caso você permita que eu fale com a
minha mãe. Seu soldado poderá me levar até ela.
Von der Hess me estudava.
— Onde elas estão? — indagou sem demora.
— Solte-me e eu lhe direi.
— Nada feito, híbrida — repuxou os lábios e se virou em direção à porta.
— Tudo bem — assenti com calma. — Se eu deixar um escaravelho ver através da minha
mente, você me dá a sua permissão?
— Um escaravelho? — Ele parou e me olhou por cima do ombro. — Na sua mente?
— Isso mesmo — respondi com firmeza, tentando camuflar a preocupação que me
consumia: e se a minha ideia fosse uma grande estupidez? Como confiar naquele ser sem
escrúpulos?
Teria de arriscar.
— O senhor não pode perder mais tempo — alertou o soldado. — Leônidas irá
desconfiar.
— Mas se colocar a minha mãe para dormir, perderá a chance de saber se o que tenho
a lhe mostrar é verdade ou não. Estará descartando outro grande trunfo — frisei.
— Truman, diga a Leônidas que estou a caminho e retorne imediatamente. — Havia um
brilho malévolo nos olhos do bruxo.
— Mas...
— Vá agora! — bradou intolerante e o soldado assentiu sem olhar para trás. — Muito
bem, híbrida — foi direto ao ponto. — Se o que me oferece é verdade, asseguro-lhe que
falará com a sua mãe ainda hoje. — Ele removeu a tampa de um vidro e um inseto semelhante
a um besouro preto cheio de espinhos pousou em sua mão. — Vamos trabalhar, belezinha?
Meu corpo reagiu àquele comando, arrepiando-se por inteiro. O inseto asqueroso ganhou
voo e veio na minha direção. Fechei os olhos instantaneamente. Ouvi um zunido alto em meu
ouvido direito e uma rajada de calor e agonia percorrer minhas veias. O chão desatou a girar e
os pensamentos fugiram de mim. O som se foi. Droga! O inseto ganhava espaço e eu não
podia permitir. Fechei os olhos com mais força ainda, respirei fundo e, assim como Shakur
havia me orientado, concentrei-me no branco. Minha ideia era manter minhas memórias
protegidas, abrir meu pensamento aos poucos e permitir que Von der Hess visualizasse
somente o que eu lhe permitisse. Foquei toda a minha energia para o lugar onde eu havia me
deparado com as malditas pedras pela última vez e escondi o entorno, embaçando tudo ao
redor em uma névoa branca e intransponível. Sons altos e incomodativos, como se estivessem
arranhando incessantemente uma superfície dura com pregos, perfuravam meus tímpanos.
Pancadas fortes e ininterruptas, como uma britadeira enlouquecida, atingiam meu crânio. Von
der Hess tentava de tudo para entrar em minha mente, mas minha visão era única e imutável.
Mantive-me firme e, a despeito do cansaço que me abatia, não cedi.
— Engenhoso, híbrida — finalizou ele e minha energia se restaurou instantaneamente.
Graças aos céus Von der Hess tinha pressa! Não sei por quanto tempo conseguiria suportar
seu ataque! — Mostrou-me o necessário e camuflou tudo ao redor. Eu vi as pedras-bloqueio
com perfeição, mas não consegui identificar o lugar — murmurou num misto de ira e surpresa.
— Mostrarei quando cumprir sua parte no acordo. Primeiro quero estar com minha mãe
— rebati de estalo. Não era só ele que sabia jogar.
— É melhor correr, senhor. Nunca vi Leônidas tão nervoso assim. Está gritando como um
louco e deixando a guarda em estado de alerta máximo — Truman nos interrompia,
reaparecendo no aposento com a expressão tensa.
— Vá Truman. Leve a híbrida com você e a deixe falar cinco minutos com a mãe —
determinou o mago, lançando-me um olhar desafiador, mas igualmente intrigado.
— Levá-la comigo?!
— Faça o que eu digo — ralhou o bruxo. — Amordace-a durante o caminho para que ela
não apronte qualquer gracinha e mantenha suas mãos amarradas. — Von der Hess abriu um
sorriso presunçoso em minha direção, como se tivesse lido meus pensamentos. Ajeitou o
capuz e se foi.
Droga!

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