segunda-feira, 21 de maio de 2018

CAPÍTULO 22 - Não Fuja

CAPÍTULO 22
Concentrado e carregando mamãe em seus braços, Shakur caminhava à frente do
pequeno grupo, eu vinha no meio e Richard dava-nos cobertura, posicionando-se logo atrás.
Começamos a subida dos desnivelados degraus ao lado do abismo de forma atenta e
cadenciada. Não seria necessário um exército para nos eliminar. Qualquer descuido ali seria
fatal. Por sinal essa ideia começou a crescer em minha mente à medida que avançávamos.
Caso tudo desse errado, se eu os perdesse, mergulhar para sempre naquele precipício surgia
como uma alternativa inesperadamente interessante... E viável.
— Como você vai lutar sem uma espada, Rick? — inquiri preocupada à medida que
chegávamos ao ponto mais alto do lugar. Só então havia me dado conta de que eles não
tinham armas.
— Quem disse que vou lutar sem uma espada? — Pude escutar sua risadinha logo atrás
de mim.
Que ótimo! Seu convencimento estava de volta!
— Ah! Pelo visto o maldito escaravelho afetou seu juízo também.
— Está preocupada comigo, Tesouro?
— Você é um inconsequente, isso sim! — retruquei e ele riu ainda mais, mas me segurou
pela cintura e me puxou para junto de si antes que eu desse o passo seguinte. Quando me
virei, Richard estava sério e me encarava com vontade. Um misto de desejo e carinho se
mesclavam no azul-turquesa derretido de seus olhos.
— Não poderia partir sem ver seu rostinho bravo uma última vez. Não tem ideia de como
fica linda quando se zanga comigo. Acho até que isso me faz implicar mais do que deveria com
você, minha pequena.
Meu coração deu um pulo no peito. “Minha pequena”?
Olhei rapidamente por cima do ombro e vi o corpo de Shakur enrijecer. Ele nos
observava de soslaio. Era essa a forma como ele carinhosamente chamava mamãe.
— Nós não vamos morrer — assegurei hesitante.
— Nós vamos partir sim, mas algo me diz que não será hoje.
— Como lutará sem espada? — insisti.
— Terei que ter mais cuidado com os primeiros soldados — explicou. — Precisarei
eliminá-los e pegar suas armas sem me colocar em risco. A partir daí será fácil acabar com os
demais, até porque, além de eu estar em posição superior, esses degraus estreitos foram de
grande ajuda. Lutarei, no máximo, contra dois de cada vez. Isso é moleza — piscou
convencido, mas então seu rosto se fechou, sombrio. — Não é isso o que me preocupa, Nina.
Ele não precisaria dizer. Conhecia sua força em batalha, mas não havia armas que o
livrassem dos malditos Escaravelhos de Hao.
— Então não temos saída, Rick. A escada acaba aqui e não temos para onde ir —
sentenciei.
— Tyron vai iluminá-lo — sussurrou e olhou para alguns degraus acima, onde Shakur e
Stela estavam. O líder de negro havia colocado o corpo desacordado de mamãe de encontro
ao paredão rochoso, posicionando-se à sua frente enquanto estendia os braços no ar em
diversas posições. Ele parecia estudar o vento e as pequenas faixas de luz no distante teto
negro acima de nós.
— Você confia cegamente nele, não?
— Shakur é excepcional em seus estratagemas. Nunca errou, mas... — O orgulho na
resposta de Rick vinha impregnado de preocupação.
— Mas?
— Ele está diferente. Tudo isso acontecendo... — ponderou. — Pode prejudicar suas
decisões.
— Você escutou a nossa conversa?
— Principalmente a parte final. Achei que havia pirado de vez — confessou. — Agora
tudo faz sentindo, mas...
— Não é nada educado sair sem se despedir de seu anfitrião!
Fomos interrompidos por uma voz ácida e afeminada: Von der Hess! Ele surgia na
entrada do calabouço, em uma posição bem abaixo de onde estávamos. Um grupo de dez
soldados fortemente armados lhe dava cobertura. Eles tinham a pele muito branca,
provavelmente por viverem longe dos raios solares naquele mundo subterrâneo. Curiosamente
todos eles eram loiros e bonitos, assim como Kevin. Estremeci ao me recordar o quanto
aquele crápula era semelhante ao mago. Seriam os homens de Von der Hess tão traiçoeiros
quanto o mago?
O médium cochichou algo entre eles e, em seguida, os soldados partiram para cima de
nós, subindo os degraus em fileira, um atrás do outro.
— Fique atrás de mim, Nina! — Richard colocou-se rapidamente à minha frente e, num
piscar de olhos já tinha as pupilas verticais, as mãos fechadas em punho e seus músculos
pareciam ter triplicado de tamanho.
— Pegue os capacetes deles, Rick! — ordenou Shakur com a voz baixa a alguns degraus
acima de mim.
— Capacetes?! — Richard olhou para trás, certificando-se de que havia compreendido
corretamente a ordem.
— Pegue-os e os jogue para mim! — repetiu o líder.
Cristo Deus! Do que nos adiantariam capacetes? E como se isso fosse fácil em meio a
uma luta com um precipício abaixo de nós!
— Ok! — Foi a resposta determinada de Richard, aguardando no nível superior o ataque
do primeiro adversário que avançava sobre ele. O rapaz abandonou o escudo para poder se
apoiar na parede de pedra com a mão esquerda enquanto segurava a espada com a direita.
Atrás dele, outro soldado havia feito o oposto, dispensando a espada e segurando o escudo à
frente do parceiro para lhe dar cobertura. Qualquer passo em falso e os três cairiam nos
braços escancarados do imenso precipício. Até ganhar ritmo, a luta começou de forma lenta,
com os três estudando os passos, cientes do terrível perigo à espreita, a garganta aberta,
pronta para engoli-los a qualquer instante. Ainda assim a destreza e a velocidade dos
movimentos de Rick me impressionavam. Ele conseguia escapar com facilidade dos golpes do
adversário. Aproveitando-se do fato de que o segundo soldado não tinha uma arma em mãos,
em uma investida impensável Rick avançou sobre o primeiro, segurando o braço armado do
inimigo em uma luta corpo a corpo. O homem resistiu ao ataque e sua espada fez letais
movimentos a esmo no ar. Gelei quando Rick arriscou a vida ficando de costas para o abismo,
com uma das mãos imobilizando o braço que tinha a espada enquanto a outra segurava com
força o corpo do adversário. Se o homem se desequilibrasse, os dois cairiam. Em uma luta
corpo a corpo, Richard fez o adversário girar no próprio eixo e, perigosamente assumindo uma
posição entre os dois inimigos, utilizou-se da força oponente a seu favor. Num movimento
rápido e inesperado, deixou de fazer força e jogou o corpo para o lado. Na ausência de
resistência, o soldado voou para a frente e, para seu infortúnio, acabou acertando o ombro do
próprio companheiro, que se contorceu, urrando de dor. Sem perder tempo, Richard deu um
golpe nas pernas do inimigo armado que perdeu o equilíbrio e despencou, fazendo seu
derradeiro berro ecoar morbidamente em direção ao precipício. Rick tentou pegar a espada
que serpenteou no ar, mas deixou a ideia de lado quando uma flecha passou a centímetros de
deu crânio.
— Nina, abaixe-se! — berrou.
— Estou bem — assegurei e, com semblante aliviado, ele deu um voo rasante sobre o
outro sujeito ferido, arrancando abruptamente seu capacete e lhe desferindo uma sequência de
socos violentos. Richard ainda conseguiu sacar o escudo do adversário antes que ele
tombasse desacordado e fosse chutado para o abismo pelos próprios companheiros. Apesar
de Richard conseguir eliminar os adversários, o abismo a poucos centímetros de distância
tornava as lutas rápidas e desajeitadas. Sem contar que o fato de ele não ter conseguido
obter uma espada até então começava a me preocupar.
— Aqui, Nina! — Rick aproveitou o momento para jogar o escudo em minha direção.
Apesar de mais pesado do que poderia imaginar, segurei-o com força e me senti melhor por
ter algo com que me proteger. — Shakur! — Em meio à confusão, Richard lançou o capacete
para o líder de negro que o agarrou no ar. Sem perder tempo, o líder rodopiou o braço,
tomando impulso, e o lançou com força para o alto. O objeto voou em meio aos olhares
atordoados, em especial, o de Von der Hess. Um baque surdo seguido de um ruído forte
vibrou pelo lugar e um discreto filete de luz rasgou a penumbra onipresente. O capacete havia
atravessado o teto falso fazendo um buraco nele, mas, pela forma como Shakur socou o ar,
praguejando alto e deixando evidente sua frustração, ficava claro que o resultado foi aquém
das suas expectativas. Rick xingou ao perceber que o plano do seu líder tinha ido por água
abaixo. Von der Hess respirou aliviado e uma pitada de cor retornara ao seu rosto ainda mais
pálido que o usual.
— Joguem seus capacetes no cânion! — ordenou o bruxo ao grupamento. Ele havia
compreendido o plano de Shakur, mas eu não. De que adiantaria o líder de Thron fazer uma
abertura maior no teto falso de Marmon se não possuíamos corda ou alguém que pudesse
nos puxar? Mas, por outro lado, Von der Hess não teria ordenado seus homens a se livrarem
dos capacetes se não tivesse ficado preocupado com aquela tentativa...
— Não faça besteira, Ismael! — advertiu o bruxo de branco pedindo aos seus soldados
que recuassem por um momento.
— Esqueceu-se de que sou mestre nesse quesito? — Foi a resposta atrevida de Shakur.
— Por que arriscar a vida dos quatro? — Von der Hess gesticulava exageradamente.
Sua voz conseguia ser ainda mais falsa do que me recordava.
— Quantas eu poderia poupar se escutasse seus sábios conselhos?
— Boa pergunta. Deixe-me ver... — O bruxo batia os dedos nos lábios sem cor. — Três.
— Três?! Que bondade a sua! — O líder de negro liberou uma risada sarcástica, para
então rebater de forma afiada: — Por quanto tempo? Poucos dias? Ou seriam apenas
segundos?
— Como você se prende a detalhes, Ismael! — Von der Hess disfarçou o sorriso ofídico.
— Vejo que mudou muito pouco nesses anos de desaparecimento, querido amigo.
— Você nunca teve amigos.
— É verdade. — O mago de Marmon ruminava as palavras, pensativo. — Você sabe que
sempre dei valor ao tempo. Amigos gastam muito dos nossos preciosos minutos.
— Avalie bem a sua estratégia, Hess, porque estamos dispostos a morrer os quatro.
Perderá tudo.
O bruxo enrijeceu com aquela afirmação inesperada e seu maxilar trepidou. Ele tentou
esconder seu nervosismo em ascensão, ocultando parte do rosto com a manta branca.
— O que quer negociar? — questionou Von der Hess por fim, o tom rouco surpreendendo
a todos. Seria aquela a sua voz verdadeira?
— Retire a cobertura.
— Passe-me a híbrida primeiro.
— Negativo — Shakur gargalhou alto, mas levou as mãos à máscara e iniciou seu
cacoete de nervosismo. A situação era ruim. — Achou que eu abriria mão da híbrida? Ela é a
única garantia de que sairei vivo daqui.
— Pensei que tivesse apreço pela humana e pelo seu resgatador, Ismael.
Shakur permanecia com um sorriso de descaso frente à sutil ameaça e tornou a balançar
a cabeça, como se estivesse decepcionado com a atitude de Von der Hess.
— Você me conhece muito bem para saber que não gasto palavras à toa. Eu já disse: ou
sobreviveremos os quatro ou morreremos todos.
— Idiota! — esbravejou o mago de Marmon e, tornando a olhar para seus homens,
comandou com ira mortal: — Peguem a híbrida e matem os demais!
Em fila de subida nos degraus desnivelados, os soldados retornaram ao ataque com
força total. Trocando de posições, eles faziam investidas velozes, lançando e puxando suas
espadas rapidamente de volta, impossibilitando Rick de agarrar uma delas em meio aos
ataques. Richard, por sua vez, defendia-se, mas suas ações pareciam travadas e eu
imaginava o motivo: Por que lutar se o plano do seu líder havia ido por água abaixo? De que
adiantaria manter a disposição se suas chances de fuga foram aniquiladas?
Segurei a angústia que começava a crescer dentro de mim e, sem me dar conta do que
procurava, olhei para cima e acabei vendo o que não deveria: Shakur estava ajoelhado,
cabisbaixo, em frente ao corpo inerte de mamãe e, com o olhar sombrio, acariciava seu rosto
com ternura incomparável. O aperto no meu peito começou a me queimar de dentro para fora.
Meu corpo se arrepiou e, agoniado, pareceu querer expulsar meu espírito.
Não podia ser... Aquilo era uma despedida?
Minha cabeça girava, perdida em meio ao caos da situação. A parte final de um filme
sendo exibida em fragmentos impregnados de entrega e tristeza: Rick em sua luta perdida,
mamãe em péssimo estado, Shakur desolado, o abismo. Perdi o ar, catatônica. Uma
sensação ruim, como um sentimento de perda e desesperança, estremeceu minhas certezas,
abalou minha fé e me fez cair, prostrada no chão.
Um som abafado, ritmado como as batidas de um coração, começou reverberar de
repente em meus tímpanos. O ruído ganhou intensidade, ficando dolorosamente estridente.
Larguei o escudo e, desorientada, levei as mãos aos ouvidos, procurando me proteger daquele
mal-estar inesperado. Sem que desse por mim, eu estava toda encolhida e, tremendo, tinha a
cabeça entre os joelhos. O mundo perdeu a cor e me vi num gélido mar de escuridão.
— Nina?! O que está havendo? Nina, fale comigo! — escutei os berros abafados de
Richard ao longe, como se ele estivesse a quilômetros de distância. Algo agradável e
repentino anulou os efeitos do desamparo que me consumia e me atraiu em outra direção.
Levantei-me e, muito lentamente, dei os primeiros passos de encontro àquela sensação
arrebatadora que me invadia sem cerimônia. Havia um magnetismo no ar, uma energia
pulsante que ardia em meu sangue e bombeava meu coração de uma forma diferente. Uma
voz melodiosa, etérea, ganhou espaço em minha mente. Ela entoava um cântico suave, quase
uma canção de ninar, e embalava minhas pernas. Uma emoção inigualável me preencheu, um
sentimento de felicidade extrema se espalhava por minha pele, e uma palavra vibrou, única e
poderosa, em minha mente: Filha.
— Nina! — Mais berros abafados ao fundo. — Segure-a, Shakur!
— Filha. — A voz angelical me chamava, nítida e gentil.
— Não consigo! Há uma força agindo nela! Eu não entendo... Por Tyron! — Escutei o
bramido tenso do líder de Thron ficando para trás também. Pouco importava agora.
— Ninaaaaa!
Algo em mim quis responder aos berros desesperados de Rick, mas então um convite
inusitado arrancou minha atenção:
— Venha para casa, filha — pedia carinhosamente a voz suave em minha mente.
“Casa”? Voltar para casa...
— Nina, por favor, não perca a sua fé! O que quer que seja, essa força se alimenta
disso! — Shakur implorava ao longe.
— Senti tanto a sua falta — confessou a voz gentil.
Sentiu falta de mim...
— Nina, não! — Novo grito de pavor ao longe. Agora ele arranhava um choro de dor e
aflição. Sons de metais se chocando com fúria reverberavam em minha cabeça. — Pelo amor
de Tyron! Não a deixe cair, Shakur!
— Nina, sua mãe a ama! — bradou Shakur. Aquela mensagem gerou um novo circuito de
sensações em minhas artérias. Quis reabrir os olhos, mas não consegui. A canção de ninar
ficou ainda mais alta.
— Venha, filha. Venha para onde sempre foi o seu lugar.
Meu lugar...
— Não, Pequenina! Não faça isso. Não dê ouvidos ao demônio. E-eu... — a voz grave do
líder saía rouca. — Eu sempre te amei.
Pequenina? Apenas uma pessoa me chamava daquela maneira e ela... Ela me amava!
Nova avalanche de sensações. Meu corpo reagiu àquela informação com um estremecer
furioso e um estrondo alto, como o de um trovão, estourou em meus ouvidos, destruindo a
bolha que me envolvia e aniquilando a voz gentil. Meu corpo ficou em brasas, reagindo contra a
força que me puxava para baixo. Por alguma razão, eu sabia que ainda não era a hora de me
encontrar com a voz suave que me chamava. Não ainda.
— Oh! — Tentei pisar firme, mas meus pés não encontraram o chão e eu caí,
mergulhando com força no precipício. Joguei os braços no ar, nadando no nada.
— Nãoooooo! — O grito de pavor de Richard ricocheteou em todas as paredes daquele
lugar sombrio.
— Argh! — Shakur arfou alto. Senti um solavanco brusco, algo trombar em mim, agarrar
meu braço de qualquer jeito e, em seguida, meu corpo bater contra uma superfície dura e
áspera.
Desorientada, reabri os olhos e quase desmaiei com o que vi: eu estava pendurada no
precipício! Segura apenas por uma das mãos de Shakur, minhas pernas pedalavam
desajeitadamente no ar procurando alguma saliência na qual pudessem se apoiar. O líder de
negro também estava pendurado e sua outra mão era a responsável por segurar o peso de
nós dois juntos! O abismo negro crescia à medida que as forças de Shakur cediam,
escorregando cânion abaixo sob a ação do meu peso. Apesar de ser incrivelmente forte, o
coitado fazia esforço sobre-humano para conseguir suportar os nossos corpos
simultaneamente.
O que havia acabado de acontecer? Eu havia caído? Ele havia se jogado para me
salvar?
— Está tudo bem, Pequenina — ele tentou me acalmar, mas tinha a respiração
acelerada. — Eu nunca irei te soltar. Nunca — ele olhou para mim, a hemiface sã também
enrugada pela força colossal que realizava.
Nunca.
Aquela resposta...
Um feixe de luz, da pequena fenda que ele fez no teto do lugar, incidiu sobre nossos
rostos e iluminou meu espírito. A certeza contida dentro do lampejo de um sorriso triste que lhe
escapava: ele nunca me abandonaria! Shakur estava abrindo mão da própria vida para ficar
junto de mim. Não haveria no mundo prova de sentimento maior que aquela. Ele realmente me
amava!
Engasguei de emoção. Nem mesmo o medo do que poderia acontecer nos segundos
seguintes conseguiu sobrepujar a felicidade em seu estado mais puro, a compreensão em
forma de lágrimas que acabava de fechar a minha garganta, deixando-me sem voz.
— Meus homens podem ajudar! — bradou Von der Hess verdadeiramente solícito, vindo
logo atrás de seu grupamento. Todos nós sabíamos que ele estava apavorado com a
possibilidade de me perder.
— Não os deixem se aproximar de nós, Rick! — Shakur comandou, mas suas forças
começavam a falhar. — Argh!
— Porra! Você não vai conseguir aguentar por muito tempo! — esbravejou Richard. Sem
a mim para proteger, ele lutava como um louco suicida e, com várias feridas nos braços e
mãos, já havia conseguido pegar uma espada para si. Com a arma em punho, Rick fazia seu
estrago, eliminando os inimigos com velocidade absurda, mas novos soldados surgiam do
nada, consumindo seu tempo e impedindo que ele pudesse parar para nos ajudar. Ele sabia
também que seria alvejado caso lhes desse as costas. Von der Hess queria apenas a mim,
todos os demais eram descartáveis.
A respiração de Shakur assumira níveis perigosos, meus braços tremiam pelo esforço e
Rick travava sua luta inglória quando fomos surpreendidos por algo ainda mais inusitado: dois
soldados fugiram do confronto direto e, presos por cordas, escalavam as paredes das
margens internas do cânion e vinham em minha direção.
— Shakur! — apontei para o horror em andamento e o escutei praguejar alto.
Richard não teria como se abaixar para tentar impedir o ataque daqueles dois sem ser
alvejado. A distância diminuía e, em questão de segundos, aqueles sujeitos me alcançariam.
Minhas forças chegavam ao fim. O momento derradeiro estava próximo. Fechei os olhos e
respirei fundo. E se eu simplesmente me soltasse? Pouparia ao menos a vida de Shakur? Eu
sabia que não. Sabia que no instante em que meus dedos se abrissem os soldados do mago
não apenas matariam o rei de Thron, como dariam um fim imediato a Richard e à minha mãe.
— Pequenina! — Shakur pressentiu o perigo iminente. Eu não aguentaria muito tempo
mais.
— Mamãe, Rick... — pedi sem forças. — S-Sem dor... Peça a ele.
Shakur fez um imperceptível movimento de cabeça. Ele havia compreendido.
— Acabou. Recuar, Richard — soltou o líder de negro com a voz rouca para seu bravo
resgatador. — Rápido! Leve a humana consigo.
Richard contraiu as sobrancelhas fortemente, mas, para a minha surpresa, não xingou ou
contestou. Ele era um soldado e, mesmo acostumado às vitórias, reconhecia o momento de
recuar e experimentava, pela primeira vez, o gosto amargo da derrota.
— Pois partiremos juntos! Os quatro! — bradou meu amado em alto e bom som.
Então tudo aconteceu ao mesmo tempo: Rick girou nos calcanhares e voou em direção a
minha mãe, Von der Hess vociferou algo em estado de desespero, seus homens correndo em
direção a Richard, os soldados na parede interna do precipício agarrando a minha perna, eu
os chutando com o meu restante de forças, Shakur bradando alto e avisando a Rick que não
suportaria mais, novos urros de dor e, de repente...
Novo estrondo altíssimo, como de uma explosão, seguido de uma rajada de vento
quente. Um clarão ofuscante lavou a penumbra do local sombrio. O teto tinha sido varrido num
piscar de olhos e os raios solares mergulhavam sobre nossas cabeças! Em meio à cegueira
momentânea, uma nova comoção reverberou no lugar, alarmes apavorados e ordens berradas
às pressas aconteciam ao mesmo tempo em que um ataque ininterrupto de flechas passava
rasgando por nossas cabeças, alvejando nossos inimigos sem piedade. Desorientado, Von der
Hess lançava ordens atrás de ordens, mas seus homens recuavam. Perdi a respiração e todos
os meus músculos reagiram ao escutar uma voz que faria o meu coração trepidar em absoluto
júbilo.
— Ninaaaa!
Era John!

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