quarta-feira, 2 de maio de 2018

CAPÍTULO 5 – NãoFuja

CAPÍTULO 5 –
 Aproximadamente 17 anos atrás
— Vá, Ismael, meu querido! Não posso deixar Sânsalun e você é o único que tem
condições de averiguar os estranhos acontecimentos em andamento. — Meu líder me pede.
— Mas, Sertolin, eu não sei se sou capaz, você viu... — estremeço com a ideia de
retornar à segunda dimensão.
— Não se preocupe — ele segura minha mão e olha bem dentro dos meus olhos.
Droga! Agora tenho vergonha de mim. Sei que ele tem o poder de ver através de nós
mesmos. Meu mestre é muito poderoso e me lança um sorriso cúmplice.
— Você superará suas dificuldades. Não vai acontecer novamente. Quantas vezes já lhe
disse que a culpa não foi sua, mas apenas minha. Não estava preparado para sair de forma
ilesa. As emoções humanas são muito traiçoeiras e você ainda era um iniciante.
— E se eu não conseguir resistir? — rebato agitado. — E se resolver agir da única forma
que sei?
— Você não é mais um resgatador, Ismael. Sua impulsividade está controlada.
— Não tenho tanta certeza disso, magnânimo. Eu mal entrei na segunda dimensão e tive
de ser retirado às pressas da vez anterior. Se não fosse por Guimlel, teria causado grande
vergonha ao Grande Conselho.
A velha intuição está de volta e me alerta para não ir. Não me deparava com ela há anos,
desde o imperdoável fracasso que macula até hoje o meu espírito. Ninguém soube sobre ele
além de Sertolin e Guimlel e vejo que é a oportunidade perfeita de apagar o antigo episódio da
minha mente e fortalecer minha autoestima.
— Guimlel tem mais poderes do que eu, meu senhor — tento argumentar e fazer meu
mestre mudar de ideia. — Ele seria o mais indicado.
— Você tem aptidões perfeitas para o caso e carrega sentimentos mais desenvolvidos
dentro do peito do que Guimlel, meu querido. Suas emoções são melhores, mais positivas.
Não foi à toa que Prylur, o líder do seu antigo clã, ficou extremamente aborrecido quando fui
buscá-lo. Ele sabia que estava perdendo seu melhor resgatador.
Por que Sertolin tinha sempre que me lembrar de Thron, o reino que fui obrigado a
abandonar? Ainda não havia conseguido virar aquela página da minha existência. Eu era um
guerreiro e amava ser um guerreiro. Até hoje não me adaptei completamente às terras do
Grande Conselho. Apesar de todos dizerem o contrário, sinto-me um impostor nesse local, e
não um mago.
— Shakur é um ótimo guerreiro, milorde — afirmo.
— Sim, mas Shakur tem índole ruim. Todos sabem que ele é o resgatador principal de
Thron por ser filho de Prylur. Você sempre foi muito superior a ele em todos os quesitos,
Ismael.
— Já se passaram sete anos que estou aqui, Sertolin, e ainda não sou nada. Estou
enferrujado como resgatador e Guimlel... Bem, ele é bem melhor do que eu como mago e...
— Guimlel é mais dedicado que você, apenas isso. No dia em que você conseguir ter
disciplina e controlar sua energia instável, será o mais virtuoso dos nossos magos. Quando
aperfeiçoar esse poder que carrega dentro de si, será sem sombra de dúvida o mais justo e
poderoso mago de Zyrk, o maior líder que o Grande Conselho já teve.
— Eu?! Você quer dizer que...
— Isso que ouviu. Aja de acordo e planejo fazer de você o meu sucessor.
— Mas e Guimlel? Não posso fazer isso com ele, Sertolin! Ele anseia por isso há anos!
— Eu sei, mas existem emoções estranhas dentro dele, Ismael. Energias que não
consegui mapear e não posso arriscar.
— Mas... — Sertolin realmente tem uma paciência incrível comigo. Cada argumento meu
indo contra sua inesperada resolução é rebatido de forma gentil e serena.
— Fique tranquilo. Vou conversar com ele, mas agora não é o melhor momento. Ele
ainda não está preparado. Tenho convicção de que, sendo você o eleito, ele entenderá.
Guimlel tem estima por você — Sertolin solta um suspiro longo. — Além do mais, teremos
muito tempo até essa conversa definitiva. Não pretendo abandonar meu posto tão cedo.
Meus ombros pesam toneladas.
— Como desejar, meu senhor — digo por fim.
— Vá, Ismael, mas tenha muito cuidado. Toda informação que posso lhe fornecer no
momento vem dos rumores a que tive acesso e das fracas previsões de Trytarus. Tentei
captar, mas trata-se de uma energia insondável daqui de Zyrk. Há uma barreira muito potente
a envolvendo. Tão forte que meus poderes foram repelidos sem sequer fazê-la vibrar — ele
arfa. — Avalie essa energia pulsante e em expansão na segunda dimensão e, havendo
qualquer sombra escura em sua aura, aniquile-a imediatamente. Caberá a você julgar — pede
com rara ansiedade em seu tom de voz.
— Sim, magnânimo.
— Lembre-se, Ismael, a força em expansão não é humana, muito menos zirquiniana.
Pressinto que se trata de uma energia perigosa, ameaçadora, mas não posso afirmar. Aja de
acordo com seus instintos, mas não se esqueça de que nossa missão é manter o equilíbrio
entre a segunda e terceira dimensões. Não podemos arriscar a existência de tantos. —
Sertolin fica pensativo por um instante, arruma a cabeleira branca e então coloca sua
pequenina mão em meu ombro: — Vá, meu querido! E que Tyron esteja com você.
#
— Ismael! — Trytarus vem acelerado em minha direção. Ele é gordo e uma mínima
corrida é capaz de deixá-lo ofegante. — Preciso lhe falar!
— Pois não.
— Sei que está de partida — ele se adianta em dizer e eu confirmo com um balançar de
cabeça. Já devia ter imaginado que ele apareceria. Trytarus tem o dom da clarividência. —
Vim lhe dar um aviso que julgo ser muito importante.
— Eu lhe agradeço então.
— Você sabe que eu apenas consigo ver com precisão o futuro de eventos que ocorram
com zirquinianos. — Ele enxuga a testa suada com as próprias mãos. — Esse dom é limitado
quando se refere aos humanos e, nesse caso, acho que estamos diante de algo
tremendamente perigoso porque não enxergo nada.
— Estou ciente, caro colega.
— Vejo uma áurea negra, uma energia maligna envolvendo a humana. Você deverá
aniquilá-la.
— Então é certo que devo eliminá-la? Sertolin lhe ordenou que me dissesse isso?
— É certo, meu caro, mas ainda não tive tempo de avisar ao nosso magnânimo. Sabia
que estava de partida e, como ninguém mais tem conhecimento dessa missão, vim correndo
lhe interceptar assim que tive a visão. Coisas terríveis acontecerão, Ismael. Eu consigo captar
agora. Ele está presente. Malazar!
— Malazar?! — indago de sobressalto. Minha maldita intuição pode estar certa em me
alertar a não retornar à segunda dimensão.
— O que mais poderia justificar um escudo de tamanho poder? Há algo muito errado
acontecendo e precisava lhe alertar para o perigo à espreita. Será muito mais arriscado do
que imagina. Tenha cuidado.
— Eu terei.
— Você é muito novo para uma missão tão complexa quanto essa e... Bom, Sertolin deve
ter suas razões para enviá-lo. Ele é sábio. — Trytarus franze a testa e repuxa os lábios
gordos. — Mas nunca se esqueça do conselho que vou lhe dar: não dê chances para o mal e
elimine essa energia o mais rapidamente possível. Se for o que estou imaginando, Malazar vai
tentá-lo de várias formas. Não converse com a humana em hipótese alguma e jamais ceda à
tentação de tocá-la.
— Obrigado, caro Trytarus — respondo com firmeza. — Mas sua preocupação é sem
fundamento. Meu passado como resgatador fala por si próprio. Sempre tive aversão pelos
humanos.
— Será? — Acho ter escutado uma risadinha escapar de sua garganta, mas não tenho
certeza. O mago vidente está de cabeça baixa, seus olhos focados no chão de pedras abaixo
de nós. Não gosto de sua gracinha e fecho a cara. Estaria gozando de minha fracassada
tentativa na segunda dimensão anos atrás? Ele também tinha conhecimento sobre o
vergonhoso episódio por que passei além de Sertolin e Guimlel?
— Preciso ir — digo e me desvencilho rapidamente dele.
— Eu vi, Ismael. — Eu travo no meio do caminho. Sinto um calafrio gelado arrepiar minha
nuca e olho sobre os ombros. Trytarus me encara de um jeito estranho, um misto entre o
sombrio e o aéreo.
Por Tyron! Ele teve uma premonição comigo?
— O que você viu? — pergunto com o coração agitado no peito.
— Escuridão — ele arfa. — Escuridão no seu futuro.

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