CAPÍTULO 14
Quando a luz branca tomou conta do ambiente, voei como um raio para cima de Ferfelin
e lancei minhas mãos em seu rosto. Ele não conseguiu impedir meu ataque inesperado. O
mago começou a gemer e se contorcer de dor antes de cair desacordado aos meus pés. Por
um instante, fiquei assustada com a força em minhas mãos. Não hesitei e, antes que os
soldados magos se lançassem sobre mim, avancei sobre eles da mesma forma que havia feito
com Ferfelin e o resultado se repetiu. Eles apagaram aos meus pés. Atingi a parede de
energia do pequeno casulo, concentrei todas as minhas forças e ela se desmanchou ao toque
dos meus dedos. Olhei para trás uma última vez e vi a expressão de assombro no rosto de
Richard. Visivelmente em choque, ele não saiu do lugar, mas balançou mais uma vez a cabeça,
implorando agora para eu não ir. Ele tinha feito sua opção. Eu também. Senti meu coração
comprimir dentro do peito e, de repente, mãos gorduchas agarrarem meu braço.
— Sinto muito, Sra. Brit — empurrei-a para o lado. A Sra. Brit caiu, mas de alguma forma
conseguiu segurar as minhas pernas.
— Não faça isso, Nina! — ela implorava em pânico. — Você vai morrer do lado de fora!
As bestas irão matá-la assim que sair do campo de força principal!
— Veremos — respondi. Ela gritou e levou as mãos à frente, protegendo seu rosto do
meu ataque. Tentei não usar força exagerada, mas ainda assim ela desacordou em meus
braços. — Desculpe por isso. Mas acabei de salvar a sua vida, Sra. Brit — disse e saí
acelerada.
Corri como um raio e, sem olhar para os lados, passei pelos casulos de energia de
Shakur e Kevin, pela grande tenda azul dos magos e cheguei à grande parede de energia que
nos protegia da noite de Zyrk. Não existiam soldados vigiando o lugar. O Grande Conselho
confiava plenamente em sua poderosa magia. Minha pele arrepiou e meu corpo estremeceu
com o silêncio esmagador. A quietude começou a me afligir. Existiriam feras do lado de fora?
Senti minha energia titubear por um instante. Tornei a me concentrar, mas minhas mãos não
reagiram como antes. Apavorada, comecei a socar a grande muralha. Ela não me repeliu, mas
também não permitiu passagem. Desatei a bater com mais força. Não. Não. Não. Deus! Eu
estava enfraquecendo ou esse campo de força era muito mais potente que os demais?
Passos acelerados me despertaram.
Três soldados de branco corriam em minha direção. Ferfelin vinha logo atrás.
— Não façam barulho ou utilizem magia. Serão seriamente punidos caso usem seus
poderes. A força está nas mãos da híbrida. Segurem-na, mas não a deixem tocar em vocês!
— comandou ele.
Pelo visto, o mago não desejava receber uma repreensão do Grande Conselho por ter
me deixado escapar.
— Não se aproximem! — avisei com uma mão apontada para eles e a outra encostada
no campo energético.
As pontas dos meus dedos tornaram a esquentar e, inesperadamente, o campo de
energia cedeu sob meu contato e começou a vibrar. Precisaria da outra mão para rompê-lo,
mas não podia virar as costas para os soldados. Se o fizesse, eles iriam me imobilizar
utilizando-se de força bruta e eu não teria como enfrentá-los.
— Não quero machucá-los. Estou avisando! — ameacei quando os homens começaram a
me cercar de maneira lenta e silenciosa. A situação em que me encontrava era decisiva e
sabia que, caso eles conseguissem me aprisionar novamente, eu não teria outra chance.
Eles riram entre si e, indiferentes, estreitaram a distância entre nós. Nervosa, consegui
aumentar minha concentração e o campo de força se rompeu em um pequeno ponto do
tamanho de uma moeda. Uma lufada de um vento quente entrou rasgando através do orifício
que havia acabado de criar e lambeu meu rosto. Fechei os olhos em reflexo. No instante
seguinte, senti minha perna desequilibrar com um chute violento e fui de boca no chão. Rolei
para o lado quando a sombra de outro deles cresceu sobre mim. Consegui me livrar dele
também, mas Ferfelin e um terceiro soldado me surpreenderam, puxando-me pelos pés e
arrastando minhas costas pelo terreno acidentado. Tentei fincar as unhas no chão e me
agarrar do jeito que era possível, mas a força dos dois era bem maior que a minha e só
consegui esfolar os braços na tentativa. Respirei fundo e, sem que eles pudessem esperar, dei
um impulso, flexionando o corpo para a frente, e segurei a panturrilha de Ferfelin.
— Bruxa! — Abismado, ele emitiu um ganido rouco e me soltou para checar os danos em
sua perna. — Segure-a e não a deixe tocar em você! — ordenou ao soldado que ainda me
mantinha presa.
— Me solta! — esbravejei com fúria, contorcendo-me feito uma louca. Meu vestido se
enroscou em uma pedra e impediu que o sujeito continuasse a me puxar. Forcei uma das
pontas do tecido, rasgando-o, e, quando estava quase conseguindo escapar, fui atingida por
um golpe na cabeça. A dor lancinante fez o mundo rodar e meus músculos afrouxarem. Depois
de um momento, a terra voltou a estabilizar, mas era tarde demais. Os três homens de branco
estavam sobre mim e amarravam minhas mãos com uma corda larga, resistente como nylon, e
que emitia um brilho azul esverdeado. Astutos, eles haviam deixado as palmas unidas uma
contra a outra. — Covardes!
Com a visão ainda turva, custei a compreender as maldosas intenções de Ferfelin. Ele
segurava uma vara de metal e, com um sorriso demoníaco no rosto, caminhava em minha
direção. Meu corpo estremeceu em resposta. Os três soldados me seguraram com mais
força. Um deles cobriu minha boca. Tentei me mover, mas estava presa, imobilizada por todas
as partes. O mago crescia à minha frente, suas pupilas assumindo a posição vertical enquanto
esfregava a arma nas mãos. Ele estudava como ia me espancar. Mais do que isso, pretendia
me torturar. Quis berrar. Entrei em desespero quando seu braço se levantou para tomar
impulso. Trinquei os dentes e abaixei a cabeça ao ver a vara se aproximar com violência do
meu rosto. De repente, escutei dois urros: um de dor e outro de cólera extrema. Reabri os
olhos e vi Richard surrando Ferfelin com a própria vara de metal.
— Ninguém! Toca! Nela! — Richard rugia, destacando cada palavra como o ganido de
um bicho enfurecido enquanto lhe acertava golpes atrás de golpes e o fazia desfalecer. O
rosto vermelho e deformado de raiva confirmava sua fúria. Num piscar de olhos, Richard já
havia partido para cima do sujeito que cobria a minha boca, puxando-o bruscamente pelo
pescoço enquanto o esmurrava com força e velocidade assustadoras. Um dos soldados de
branco me largou e correu em auxílio do companheiro que estava sendo surrado por Richard,
mas meu salvador tinha um reflexo incrível e sua força física era absurdamente maior que a
dos adversários. Em questão de segundos, Rick o eliminava com a precisão dos seus golpes.
Vê-lo lutar era algo realmente extraordinário. Eu achava que sua capacidade estava no manejo
de uma espada, mas Richard era habilidoso em todos os quesitos, um guerreiro fenomenal.
Seus golpes não tinham apenas força, mas eram rápidos e eficientes. Trajando apenas a calça
cinza, suas cicatrizes se destacavam sobre seus músculos que pareciam ter dobrado de
tamanho devido à força que empregava e ele ficava ainda mais viril e assustador. Em toda a
minha vida, nunca fiquei tão satisfeita em ver sangue jorrar para todos os lados.
De repente um uivo, um estrondo colossal e um grito de dor excruciante. Um solavanco
violento. Senti meu corpo ser arremessado para a frente antes de ser tragado de volta no ar.
Meus ouvidos estouraram e meu berro sufocou pelo sangue quente que explodiu em minha
face. Não senti dor.
— Não! — Ainda zonza, escutei o bramido altíssimo de Richard. Ele corria como um
louco em minha direção. Suas pupilas verticais denunciavam o perigo iminente. Meu corpo
arrepiou por inteiro e finalmente compreendi o que acabava de acontecer: a besta da noite
havia conseguido alargar o orifício que eu havia feito no campo energético e enfiar uma garra
através dele, encravando-a nas costas do soldado que me segurava por trás e agora o puxava
de volta. Quase tive uma síncope nervosa ao compreender a terrível situação em que me
encontrava: eu tinha as mãos amarradas por uma corda que, para a minha infelicidade, havia
se enroscado na perna do soldado quando seu corpo sem vida foi bruscamente lançado no ar.
A fera me tragava juntamente com ele.
— Rick! Socorro! — berrei descontrolada e comecei a me debater quando o cadáver do
homem se chocou contra o campo de força. No instante seguinte escutei outro uivo da besta e,
por sobre os ombros, vi a cabeça do soldado ser arrancada de seu pescoço e desaparecer
pela abertura atrás de mim. A fera conseguira dilatar o pequeno buraco que eu mesma havia
criado! — Jesus! Rick!
— Merda! — Richard xingou alto, não conseguindo ocultar o pavor que o tomava
enquanto enfiava os dentes no nó da corda que me unia ao corpo decapitado. Seria fácil se ele
tivesse uma espada ou punhal, mas rasgá-la apenas com os dentes se transformara em uma
missão impossível. A besta continuava a ganir e tragar o corpo sem vida do soldado pelo
orifício. Como o infeliz tinha a estrutura larga, escutei seus ossos sendo quebrados enquanto o
monstro o puxava com força assombrosa. — Eu não consigo, porra! Essa corda está
enfeitiçada! — berrou tentando, de qualquer maneira, enfiar as unhas no nó apertado.
Claro! Por isso o brilho anormal da maldita corda!
Novos estalidos altos. Fiz a asneira de olhar por cima do ombro. Blocos de ácido sulfúrico
derreteram dentro de mim, fazendo meu estômago queimar em agonia. Formigamento
generalizado. Pane cerebral ao visualizar o tórax e os braços do soldado sendo triturados e
desaparecendo às minhas costas. As cenas chocantes se atropelavam, rápidas demais para
processar. Richard bradava alto e mordia a maldita corda. Vislumbrei comovida a força
absurda que o coitado empreendia. Havia sangue escorrendo pelas palmas de suas mãos e
pela sua boca.
— Não! — ele berrou nervoso quando se deu conta de que o restante do corpo
esfacelado e sem resistência do soldado começava a passar pelo buraco, agora um pouco
maior. A garra parecia brilhar ainda mais sob a ação dos nossos berros de pavor, sua lâmina
impiedosa dilacerando o corpo inerte e, prazerosamente, reduzindo-o a tristes migalhas. Em
alguns segundos ela concluiria o serviço e partiria para cima de mim.
— Corte as minhas mãos, Rick! — ordenei com firmeza assustadora. Não acreditei no
que acabava de dizer e sabia que não podia voltar atrás. Eram elas ou a minha vida. E eu não
podia morrer. Não naquele momento.
— Hã? — Richard congelou no lugar e me encarou desorientado. O sangue que escorria
de sua boca fez um trajeto sinuoso em seus lábios trêmulos. Ele também não acreditava no
que tinha acabado de escutar, mas era um guerreiro e havia compreendido: não havia saída
para mim. A corda era enfeitiçada e ele não tinha armas contra ela.
— Use a garra afiada da besta para isso! — tornei a ordenar quando meu corpo
começou a ser comprimido contra a parede de energia. Não havia mais tempo e nós dois
sabíamos que essa era minha única chance de sair viva.
— Não, porra! Não posso fazer isso! Nina, eu não... — A face de Richard perdeu
completamente a cor. Suas pupilas ultraverticais confirmavam seu desespero.
— Pode sim! Coloque meus braços na direção da garra! — soltei um grito de pavor no
momento em que um novo solavanco me lançou no ar e me puxou de encontro ao campo
magnético. A besta me chocava violentamente contra a bolha, querendo de qualquer maneira
fazer meu corpo passar pelo buraco. Fisgadas horrorosas alastraram por minhas costas e
minha cabeça começou a latejar. Compreendi o que havia acabado de acontecer: ela
finalmente conseguiu tragar o corpo do soldado. Eu seria a próxima!
Meu tempo acabara.
— Rick! — pedi num misto de certeza e horror. — Corte-as!
— Não! Por Tyron! — atordoado e tremendo como nunca, Richard encarava minhas
mãos sem nada conseguir fazer. A besta tornou a atacar, lançando a garra pelo orifício.
Richard ainda conseguiu se jogar entre mim e o animal, protegendo-me com a vara metálica de
Ferfelin. A garra de mais de um metro de comprimento do animal revidou o golpe, lançando-o
no ar com violência. Richard caiu de costas e sua cabeça foi de encontro ao chão, fazendo-o
fechar os olhos e franzir a testa. Ele se esforçou para se levantar, mas seu corpo não
respondeu. A pancada deve ter sido forte demais. A garra voltou a desaparecer pelo orifício. A
pressão em minhas mãos diminuiu repentinamente. Custei a entender que o animal havia
acabado de devorar o pobre soldado e, no processo, tinha cortado a corda que me unia ao
infeliz. Apesar de ter as mãos amarradas, meu corpo estava livre pela primeira vez! Sem
acreditar na minha sorte, levantei-me o mais rápido que pude e, quando desatei a correr e me
afastar da bolha maldita, fui nocauteada por um novo golpe. Desequilibrei-me e, sem as mãos
para me amparar, bati de boca no chão. Completamente zonza, girei e tentei arrastar meu
corpo para trás, mas o maldito bicho conseguiu enfiar sua garra no tecido esvoaçante do meu
vestido e me puxava com fúria e rapidez em direção ao orifício. O pavor se agigantou dentro
do meu espírito quando uma lufada de ar quente lambeu meu rosto com calor e odor
insuportáveis. O orifício crescia em meu campo de visão e não havia onde me segurar. Em
seguida, escutei um estrondoso ranger de dentes. Deus! Era o fim! Eu seria devorada assim
que saísse por aquele buraco! Em desespero máximo, levei as mãos presas à face,
encobrindo-a. Escutei o berro de pavor de Richard ficando para trás, detectei um vulto negro
bramindo e xingando alto e ainda captei uivos estarrecedores da besta. Em seguida senti novo
solavanco e meu corpo era puxado às pressas dali.
— Você?!
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