22 - ALEGAÇÃO JUSTA
O grande orientador espiritual, de palestra com alguns amigos, enunciava expressivas
considerações.
– Como vocês todos sabem – alegou, justiceiro –, os companheiros encarnados, desde
tempos imemoriais, vêm à nossa esfera, à procura de modelos para as atividades na
Crosta do Mundo. A massa preguiçosa, exclusivamente interessada no câmbio das
emoções físicas, jamais se moveu nesse sentido, porque recebe sem discutir as medidas
que lhe são impostas. Todavia, os homens ativos e inteligentes, sempre que podem,
largam envoltórios pesados e reclamam-nos a colaboração. Estudam-nos os serviços,
quanto lhes é possível e examinam-nos os institutos evolutivos. Aliás, possuímos
instruções especiais para facilitar-lhes semelhante acesso, tanto quanto somos
autorizados a subir, mais além, buscando a inspiração de nossos Maiores.
Revelando infinita benevolência no olhar, fez longa pausa e prosseguiu :
– Ministros da fé, administradores de bens públicos, cientistas e artistas, condutores do
pensamento e da cultura da Humanidade encarnada, sequiosos de renovação em
benefício dos contemporâneos, toda vez que se mostram à altura dos títulos de que são
detentores, apressam-se em granjear-nos o concurso espiritual. Nem sempre sabem o
que desejam e somos compelidos a agir com eles à moda dos professores de primeiras
letras nos jardins da infância. Suportamos-lhes os impulsos intempestivos, sem dar-lhes
tabefes, e determinamos horas adequadas para as lições. Logo que se afastam do corpo,
em desligamento provisório pela influência do sono, congregamos os mais aptos ao
progresso intelectual, no serviço de preparação desejável. Usualmente descobrem
inúmeras dificuldades para compreender-nos, apontando contínuos obstáculos a fim de
manobrarem convenientemente com a memória. Muitos recebem colaboração nossa
durante vinte, trinta, cinqüenta anos, e acabam surpreendidos pela morte, sem cumprirem
um só item das compridas promessas que nos hipotecam. Alguns, contudo, bem
intencionados e persistentes, atravessam óbices, ultrapassam fronteiras, quebram
cadeias e nos fixam os ensinamentos, convertendo-se em vanguardeiros do tempo em
que se fazem visíveis na Crosta Planetária. Tornam-se, via de regra, combatidos pelos
irmãos ociosos, porque os indolentes hostilizam os servidores leais, em todas as épocas.
Muitos desses amigos perseverantes acabam martirizados, conforme aconteceu ao
próprio Cristo, Nosso Senhor; todavia, chega a ocasião em que as idéias deles se fazem
louvadas e aproveitadas, Para companheiros dessa qualidade, nossas portas vivem
abertas. Estudam conosco, desde o problema do alimento ao da mais alta distribuição de
.justiça. Carreiam daqui para a Terra todas as migalhas de luz que podem arquivar no
campo mental, medianamente evolvido, como ocorre às abelhas operosas que
transportam para a colméia a quantidade de essências, segundo a capacidade que lhes é
própria, É assim que, observando-nos os códigos de direito, por lá fizeram leis de acordo
com as suas inclinações pessoais, instituições casas que vão progredindo gradativamente
na direção da Justiça Universal. Esses bandeirantes do idealismo superior, em moldes
idênticos, erguermos templos religiosos, aprimoraram a ciência, iluminaram a filosofia,
instalaram a indústria e aperfeiçoaram o comércio. De quando em quando, as massas
recordam a animalidade primitiva, regridem nos impulsos, abrem-se aos gênios satânicos
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da destruição e atiram-se umas contra as outras, através de embates sanguinolentos;
mas, dominadas pelos homens superiores que nos visitam, acabam sempre por ensarilhar
as armas, reconstruindo as cidades, recompondo a economia e reajustando raciocínios,
atraídas novamente para os nossos círculos de ação. Entrementes, os vanguardeiros do
progresso se reúnem por intermédio de acordos e conferências, para novos juramentos a
Deus, exaltando os mais elevados símbolos da dignidade humana e buscando-nos,
incessantemente, os serviços. Raros perguntam de onde lhes vêm os valores da intuição
e a maioria costuma classificar de fantasia a nossa colaboração.
O elucidador fixou significativa expressão fisionômica e aduziu:
– Colocavam-nos, antigamente, na galeria dos deuses, e éramos conhecidos por Musas.
A verdade é que, desde os primórdios da vida planetária, trabalham na cópia geral dos
nossos modelos. Jamais conseguem imitar-nos convenientemente. Admiram-nos as
torres luminosas e constroem edifícios escuros a que chamam arranha-céus. Observam-
nos os caminhos floridos e brilhantes e traçam duro leito de pedras no chão, a fim de
cuidarem da fraternidade. Contemplam-nos as utilidades graciosas e leves e improvisam
máquinas pesadas, a exsudarem combustível malcheiroso e a lhes ameaçarem a vida
corporal a cada momento. Semelhante situação, porém, é justificável. O escultor poderá
guardar maravilhosa ideação, mas, para exteriorizá-la, dependerá do material acessível
às suas mãos e convenhamos que a condensação de fluidos na Crosta da Terra se
caracteriza por aflitiva dureza.
O orientador parou, movimentou a cabeça expressivamente e concluiu:
– Até aqui, tudo lógico, tudo razoável...
Acontece, porém, que nos últimos tempos alguns de nossos companheiros deram noticias
de nossas organizações aos homens encarnados. E sabem o que se verificou? Há grande
barulho, em torno de nossos correios. Os próprios copistas de nosso esforço respiram
imensa revolta. Dizem que não temos personalidade, que os “mortos” são plagiadores dos
“vivos”, que nossas cidades, leis, instituições e equipamentos, que toda a nossa
multimilenária estrutura de ordem e trabalho não passa de reflexo da cultura deles. Se
pudessem, moveriam ação judicial contra nós, junto aos gabinetes da engenharia divina...
Não julgam tudo isso espantoso e incompreensível?
Ninguém respondeu; mas, porque o nobre instrutor sorrisse francamente, a nossa
gargalhada geral se espalhou, envolvente e cristalina.
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23 - CARTA DESPRETENSIOSA
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