quinta-feira, 18 de outubro de 2018

36 - NAS HESITAÇÕES DE PEDRO - IRMÃO X

36 - NAS HESITAÇÕES DE PEDRO
Logo depois de se estabelecerem os apóstolos em Jerusalém, em seguida às revelações
do Pentecostes, ia o serviço de assistência social maravilhosamente organizado, não
obstante as perseguições que se esboçavam, quando a casa acolhedora, dirigida por
Simão Pedro, foi procurada por infeliz mulher. Trazia consigo todos os estigmas das
pecadoras. Fora lapidada e exibia manchas sanguinolentas na roupa em frangalhos.
Pronunciava palavras torpes. Revelava-se semilouca e doente.
As senhoras do reduto cristão retraíram-se, alarmadas. E o próprio Pedro, que recebera
preciosas lições do Senhor, vacilou quanto à atitude que lhe seria adequada.
Como haver-se nas circunstâncias? Destinava-se aquele abrigo ao recolhimento de
criaturas desventuradas; entretanto, como classificar a triste posição daquela mulher que,
naturalmente, buscara o vaso da angústia nos excessivos gozos da vida? Não estaria a
sofredora resgatando os próprios débitos? Se bebera com loucura na taça dos prazeres,
não lhe caberia o fel da aflição?
Dispunha-se a rogar-lhe que se afastasse do asilo, quando recordou a necessidade de
orar. Se o caso era omisso nas disposições que regiam o instituto fraterno, tornava-se
imperioso consultar a inspiração do Messias.
O Mestre lhe ditaria o recurso. Buscar-lhe-ia, por isso, o conselho na prece ardente.
Enquanto a infortunada aguardava resposta, sob o apupo de pequena multidão que lhe
contemplava as feridas, o apostolo buscou a solidão do santuário doméstico, e exorou a
proteção do Amigo Divino, que fora crucificado.
Em breves instantes viu Jesus, nimbado de claridade resplandecente, não longe de suas
mãos, que se estenderam suplicantes:
- Mestre - rogou Pedro, atacando diretamente o assunto, como quem sabia da brevidade
daqueles momentos inesquecíveis -, temos à entrada uma pecadora reconhecidamente
entregue ao mal! Ajuda-me, inspira-me!... que farei?!...
O Salvador entreabriu os lábios sublimes e falou:
- Pedro, eu não vim curar os sãos...
O discípulo entendeu a referência, mas, ponderando a grave responsabilidade de quem
administra, acentuou:
- Senhor, estamos agora sem tua orientação direta e visível. Recebê-la-emos neste lar,
para que? A fim de julgá-la?
Com o mesmo olhar sereno, Jesus replicou:
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- Nesse mister permanecem na Terra numerosos juizes.
- Para fazer-lhe sentir a extensão dos erros? - indagou Simão, em lágrimas.
- Não, Pedro - tornou o Mestre -, para dar-lhe conhecimento da penúria em que vive,
conta nossa irmã, nas vias públicas, milhares de bocas que amaldiçoam e outras tantas
mãos que apedrejam.
- Para conferir-lhe a noção do padecimento em que se mergulhou por si mesma?
- Também não. Em tarefa ingrata como essa, vivem aqueles que a exploram, dando-lhe
fome e sede, pranto e aflição...
- Para dizer-lhe das penas que a esperam neste e no “outro mundo”?
- Ainda não. Nesse labor terrível respiram os espíritos acusadores, que não hesitam na
condenação em nome do Pai, olvidando as próprias faltas...
O ex-pescador de Cafarnaum, então, chorou, súplice, porque no íntimo desejava
conformar-se com os ditames da justiça, exemplificando, simultaneamente, com o amor
que o Cristo lhe havia legado. Arquejava, soluçante, ignorando como prosseguir nas
indagações, mas Jesus dele se acercou, iluminado e benevolente... Enxugou-lhe as
lagrimas que corriam abundantes e esclareceu:
- Pedro, para ferir e amaldiçoar, sentenciar e punir, a cidade e o campo estão cheios de
maus servidores. Nosso ministério ultrapassa a própria justiça. O Evangelho, para ser
realizado, reclama o concurso de quem ampara e educa, edifica e salva, consola e
renuncia, ama e perdoa... Abre acesso à nossa irmã transviada e auxilia-a no
reerguimento. Não a precipites em despenhadeiros mais fundos... Arranca-a da morte e
traze-a para a vida... Não te esqueças de que somos portadores da Boa Nova da
Salvação!...
Logo após, entrou em silêncio, diluindo-se-lhe a figura irradiante na claridade evanescente
da hora vespertina...
O apóstolo levantou-se, deu alguns passos, atravessou extensa fileira de irmãos
espantados, abriu, de manso, a porta e dirigiu-se à mulher, acolhedor:
- Entre, a casa é sua!
- Quem sois? - interrogou a infeliz, assombrada.
-Eu? - falou Pedro, com os olhos empapuçados de chorar.
E concluiu:
- Sou seu irmão.

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