sexta-feira, 19 de outubro de 2018

37 - CANDIDATO IMPEDIDO - IRMÃO X

37 - CANDIDATO IMPEDIDO
Quando o Mestre iniciou os serviços do Reino Celeste, em torno das águas do Genesaré,
assinalando-se por indiscutíveis triunfos no socorro aos aflitos e comentando-se-lhe as
disposições de receber companheiros e aprendizes, muita gente apareceu ávida de
novidade, pretendendo o discipulado. Não seria agradável seguir aquele homem divino,
que restaurava a saúde dos paralíticos e abria novos horizontes à fé? A palavra d’Ele,
represada de amor, falava de um reino porvindouro, onde os aflitos seriam consolados.
Suas mãos, como que tocadas de luz sublime, distribuíam paz e bem-aventurança, bom
ânimo e alegria. Acompanhá-lo seria serviço tentador.
Em razão disso, muito grande era o número de mulheres e homens que o buscavam
diariamente.
Acreditava-se em nova ordem política na província. Sobrariam talvez posições
importantes e remunerações expressivas.
Mães esperançadas procuravam confiar os filhos ao Messias Nazareno. Jovens e velhos
entusiastas vinham, de longe, de modo a se colocarem na dependência d’Ele. Para
quantos que se lhe apresentavam, voluntariamente, pronunciava uma frase amiga,
mostrava um sorriso benévolo, fixava um gesto confortador.
Foi assim que, em radiosa manhã, quando o Senhor descansava na residência de Levi,
por alguns minutos, apeou de uma liteira adornada certo cavalheiro a caracterizar-se pelo
extremo apuro.
O recém-chegado tratou, célere, do objetivo que o trazia. Interpelou o Cristo, diretamente.
Queria o discipulado. Ouvira comentários ao novo reino e desejava candidatar-se a ele.
Sobretudo – esclareceu, fluente –, honrar-se-ia acompanhando o Mestre, ao longo de
todas as suas pregações e ensinamentos.
O Profeta contemplou-lhe a indumentária brilhante e perguntou:
– Em verdade, aceitas os testemunhos do apostolado?
– Perfeitamente – replicou o moço, cortês.
– Hoje – disse o Mestre, após longa, pausa –, temos em Cafarnaum dois loucos
agonizantes, num telheiro junto à casa de Pedro, reclamando
cooperação fraternal. Poderás ajudar-nos a socorrê-los?
O rapaz franziu a testa e acentuou:
– Não hesitaria. Entretanto, sou armeiro de Fassur, principal da casa de Herodes e
guardo esse título com veneração. A um pajem de minha, estirpe, não ficaria adequado
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semelhante serviço. Os nobres da raça poderiam identificar-me. A crítica não me
perdoaria e talvez não pudesse satisfazer a incumbência...
Jesus não se irritou.
Contemplando o interlocutor surpreendido, propôs, bondosamente:
– Duas órfãs estão em casa de Joana, aguardando mão carinhosa que as ampare quem
sabe? Dispondo de tantas relações prestigiosas, não conseguirias encaminhá-las a
destino edificante? São meninas necessitadas de proteção sadia.
– Oh! não posso! – exclamou o noviço, escandalizado – sou explicador dos textos de
Ezequiel e nos trenos de Jeremias, fora de Jerusalém.
Documentação de sacerdotes ilustres aprova-me a cultura sagrada. A um intérprete do
Testamento, de minha condição, não quadraria a oferta de crianças desprezadas... Como
vemos...
Sem alterar-se, o Mestre lembrou:
– Um paralítico moribundo foi recolhido á casa de Filipe. Veio transportado de grande
distância, pleiteando a cura impossível. Está cansado; aflito, e Filipe permanece ausente
em missão de socorro... Se lhe desses dois dias de assistência piedosa, praticarias nobre
ação...
– É impraticável! – tornou o rapaz – sou fiscal das disposições do Levítico e, nessa
função, provavelmente seria compelido a isolar o enfermo no vale dos imundo ... A
medida é imperiosa se ele houver ingerido carnes impuras.
O Senhor esboçou um sorriso e agradeceu.
Insistindo, porém, o interlocutor, Jesus indagou:
– Que pretendes, enfim?
– Garantir futura representação do reino que se aproxima...
O Nazareno fitou nele o olhar translúcido e redargüiu:
– Erraste o caminho. Naturalmente o teu carro deve seguir para Jerusalém, onde se
concentram todos aqueles que distribuem cargos bem pagos.
– Mas, reitero a solicitação – disse o armeiro de Fassur, – quero colocar-me dentro da
nova ordem!...
Apesar do imperativo que transparecia daquela voz, o Mestre finalizou, muito calmo:
– Prossegue em teu caminho e não teimes.
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Realmente, reclamamos companheiros para o ministério. Já possuis, todavia, muitos
títulos de inibição e o Evangelho precisa justamente de corações desembaraçados que
estejam prontos ao necessário auxílio em nome de Nosso Pai.
O explicador dos textos de Ezequiel deu uma gargalhada, olhou para o Messias
evidenciando inexcedível sarcasmo, qual se houvera defrontado um louco, e partiu sem
compreender.

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