19 - O ORÁCULO DIFERENTE
—Meu feiticeiro do Velabro — informava Túlia Prisca à mulher de Cusa, em Cafarnaum—
é prodigioso. Imagina que venho à Judéia a conselho dele, interessado em minha
felicidade. É oráculo dos melhores! Trouxemo-lo da Acaia, na derradeira viagem que meu
tio, o procurador Amiano, por lá realizou em missão administrativa. Lê os presságios e
sabe, antecipadamente, quem vencerá em qualquer dos jogos no circo. Descobre
criminosos e indica, com absoluta precisão, o local a que se acolhem objetos perdidos.
Joana, que a ouvia, atenciosa, mostrava singular estranheza na expressão fisionômica.
Após ligeira pausa, continuou a patrícia, piscando os olhos:
—Druso, meu marido, apaixonou-se por Mécia, a esposa de Flácus. O crime
estrangulava-me o coração. Tentei abrir as veias e morrer, mas Tissafernes, o meu mago,
resolveu o problema. Aconselhou-me a viagem de recreio e assegurou-me que outros
homens simpatizariam comigo, como vem acontecendo. Deixei os filhinhos com as velhas
escravas e a galera solucionou o resto. Tenho gozado bastante e, quando voltar, se
Mécia insistir na intromissão, o encantador fabricar-me-á decisivo ungüento. Ficará mais
feia que as bruxas do Esquilino.
Logo intervalo caiu sobre a conversação. Contudo, a ilustre forasteira prosseguiu:
—Joana, talvez não me conheças suficientemente Devo confessar-te, porém, que gosto
de consultar os feiticeiros de qualquer condição. Ouvi falar de um deles, que se torna
famoso nesta província. Sei que lhe freqüentas a roda.
Não poderás conduzir-me ao mago nazareno ?
A interpelada fez o possível por esquivar-se. Não lhe cabia perturbar o Mestre com visitas
levianas e inúteis. No entanto, a insistência venceu a relutância. E, em breves minutos,
Jesus recebia-as na modesta residência de Pedro.
No olhar dEle pairava a melancolia sublime de quase sempre. A jovem matrona intimidou-
se. Aquele homem não se nivelava aos vulgares ledores de sorte. De sua fronte partiam
forças incompreensíveis que lhe impunham respeito. E não soube tratá-lo senso por
"Senhor", copiando a reverente atitude da amiga. Não conseguia dissimular o próprio
assombro. O Nazareno parecia ignorar-lhe a elevada posição hierárquica. Não se
biografava. Não comentava os êxitos que lhe assinalavam a passagem junto do povo.
Encarava-a, de frente, sem falsa superioridade e sem servilismo. E como o trabalhador
seguro de si, atento ao quadro das próprias obrigações, esperou que a visitante
declinasse os motivos que a traziam.
Constrangida pelo inesperado, indagou com desapontamento:
—Senhor, conheceis o mago Tissafernes, que nos serve a casa ?
Jesus entreabriu os lábios, num sorriso amoroso" e respondeu:
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—Existem adivinhos em toda parte...
Confundida pela observação inteligente, Túlia receou novo mergulho no silêncio e
acrescentou:
—Venho até aqui, buscando-vos o concurso...
—Que deseja de mim?—perguntou o Mestre, sem afetação.
—Meu marido desviou-se do meu devotamento. Tenho sofrido amarguras que os servos
mais desprezíveis não conhecem. Que dizeis a isto, Senhor ?
—Que a dor bem compreendida é uma luz para o coração. . .
—Oh! mesmo quando somos ofendidos?
—Sim.
—Não deveremos revidar?
—Nunca.
—E a justiça?
—A justiça é uma árvore estéril se não pode produzir frutos de amor para a vida eterna.
—Desejais dizer que, se meu esposo desvaira, cumpre-me pagar por ele?
—Não tanto. A felicidade é impraticável onde não haja esquecimento das culpas.
—Insinuais que devo perdoar a meu esposo?
—Tantas vezes, quantas forem necessárias.
Túlia, irritada, descontrolou-se e observou:
—Druso é um devasso. Tem sido implacável algoz. Compete-me respeitá-lo e amá-lo,
mesmo assim ?
—Por que não? — tornou o Mestre —quem não sabe renunciar aos próprios desejos,
dificilmente receberá o dom divino da alegria imperecível.
—Cabe-me, então, voltar, reassumir a governança doméstica e retomar a
responsabilidade da educação de meus filhos, como o animal que se deixa atrelar ao
carro insuportável ?
—No sacrifício reside a verdadeira glória—disse Jesus, imperturbável.
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