sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

o maior vendedor do mundo n.1


Hafid demorou-se ante o espelho de bronze e estudou sua imagem
refletida no metal polido.
“Apenas os olhos continuaram jovens”, murmurou ao virar se e
atravessar devagar o espaçoso piso de mármore. Passou por entre as
negras colunas de ônix que se erguiam para sustentar o teto brunido de
prata e ouro e suas pernas envelhecidas transportaram-no pelas mesas
esculpidas do ciprus e do marfim.
Carapaças de tartarugas reluziam dos canapés e divãs e as paredes,
marchetadas de gemas, cintilavam com brocados do mais esmerado
desenho. Enormes palmeiras cresciam placidamente em vasos de bronze
formando uma fonte de ninfas de alabastro, enquanto caixas de flores,
com gemas incrustadas, competiam, em atenção, com o seu conteúdo.
Nenhum visitante do palácio podia duvidar de que Hafid fosse realmente
senhor de grande riqueza.
O ancião passou por um jardim murado e entrou no depósito
que se estendia além da mansão por quinhentos passos de distância.
Erasmo, seu guarda-livros chefe, esperava, incerto, logo depois da
Um
entrada.
– Saudações, senhor.
Hafid assentiu com a cabeça e prosseguiu em silêncio. Erasmo o
seguiu, o semblante incapaz de esconder a preocupação com o pedido
incomum do amo, de uma reunião naquele local. Próximo à plataforma
de carga, Hafid parou para observar as mercadorias sendo removidas
dos carros de bagagem e contadas ao entrar em barracas separadas.
Havia lãs, bons linhos, pergaminhos, mel, tapetes e óleo da Ásia
Menor; vidros, figos, nozes e bálsamo de seu próprio país; tecidos e
drogas de Palmira; gengibre, canela e pedras preciosas da Arábia; milho,
papel, granito, alabastro e basalto do Egito; tapeçarias da Babilônia;
pinturas de Roma; e estátuas da Grécia. O cheiro de bálsamo pesava no
ar e o sensível e velho nariz de Hafid percebia a presença de doces,
ameixas, maçãs, queijos e gengibre.
Finalmente ele se voltou para Erasmo.
– Velho amigo, quanta riqueza ha agora acumulada em nosso
tesouro?
Erasmo empalideceu:
– Tudo, meu amo?
– Tudo.
– Não estudei os números recentemente, mas calcularia que há
um saldo de sete milhões de talentos de ouro.
– E se todas as mercadorias dos meus depósitos e empórios
fossem convertidas em ouro, qual seria o resultado?
– Nosso inventário ainda não esta completo para esta temporada,
meu senhor, mas calcularia um mínimo de outros três milhões de
talentos.
Hafid assentiu com a cabeça.
– Basta de compras de mercadorias. Trace imediatamente planos,
seja lá quais forem, para vender tudo que é meu, e converta o total em
ouro.
O guarda-livros abriu a boca, mas nenhum som saiu. Recuou
como que assustado e, quando finalmente pôde falar, as palavras vieram
com esforço.
– Eu não entendo, senhor. Este tem sido nosso ano mais lucrativo.
Todos os empórios acusam aumentos nas vendas sobre as do ano
anterior. Até as legiões romanas são agora nossos fregueses, pois não
vendeu o senhor ao Procurador de Jerusalém duzentos garanhões árabes
nesta quinzena? Perdoe-me a ousadia, pois raramente discuto suas
determinações, meu senhor, mas esta ordem eu não posso
compreender...
Hafid sorriu gentilmente e apertou a mão de Erasmo.
– Meu companheiro de confiança, tem sua memória suficiente
força para recordar a primeira ordem recebida de mim, quando entrou
neste emprego, muitos anos arras?
Erasmo franziu a testa momentaneamente e então sua face
iluminou-se.
– Fui encarregado pelo senhor de retirar, todo ano, a metade do
lucro de nosso tesouro e distribui-la aos pobres.
– Não me considerou você, naquela época, um insensato homem
de negócios?
– Eu tinha grandes pressentimentos, senhor.
Hafid assentiu e estendeu os braços para as plataformas de carga.
– Admite, agora, que sua preocupação era sem fundamento?
– Sim, senhor.
– Então deixe-me encorajá-lo a ter fé nesta decisão, até que
explique os meus planos. Eu sou agora um velho e minhas necessidades
são simples. Desde que minha adorada Lisha foi há muito retirada de
mim após tantos anos de felicidade, é meu desejo distribuir toda a minha
riqueza com os pobres desta cidade. Guardarei comigo apenas o
suficiente para completar minha vida sem desconforto. Além de fazer
nosso inventário, desejo que você providencie os documentos
necessários que transferirão a propriedade de todo empório àquele que
o dirige para mim. Desejo também que você distribua cinco mil talentos
de ouro entre esses administradores, como recompensa por seus anos
de lealdade e para que eles possam reabastecer suas prateleiras da
maneira que lhes agradar.
Erasmo começou a falar, mas a mão erguida de Hafid o silenciou.
A tarefa parece-lhe desagradável?
O guarda-livros balançou a cabeça e tentou sorrir.
– Não, meu senhor, apenas não posso entender seu raciocínio.
Suas palavras são as de um homem cujos dias estão contados.
– É do seu caráter, Erasmo, que sua preocupação deva ser por
mim, ao invés de por você próprio. Não cogita você de algo para seu
futuro, quando nosso império comercial for dispersado?
– Temos sido companheiros por muitos anos. Como posso, agora,
pensar somente em mim?
Hafid abraçou seu velho amigo e replicou:
– Não é necessário. Peço-lhe que transfira imediatamente
cinqüenta mil talentos de ouro para seu nome, e suplico-lhe que
permaneça comigo até que uma promessa que fiz, há muito tempo,
seja cumprida. Observada a promessa, legarei este palácio e depósito a
você, pois então estarei pronto para reunir-me a Lisha.
O velho guarda-livros fitou o amo, incapaz de compreender as
palavras que ouvira,
– Cinqüenta mil talentos de ouro, o palácio, o depósito... não
faço por merecer...
Hafid assentiu com a cabeça.
– Sempre contei sua amizade como meu maior bem. O que agora
entrego a você é de pouca importância, comparado à sua infindável
lealdade. Você dominou a arte de viver não para si exclusivamente,
mas para os outros, e essa preocupação timbrou-o acima de tudo como
um homem entre os homens. Agora eu o incito a apressar a consumação
dos meus planos. O tempo é o que de mais precioso eu possuo e a taça
do tempo de minha vida está quase cheia.
Erasmo voltou o rosto para ocultar as lágrimas.
Sua voz embargou, ao perguntar:
– E o que é a promessa, ainda por cumprir? Conquanto tenhamos
sido como irmãos, nunca ouvi o senhor falar de tal coisa.
Hafid cruzou os braços e sorriu.
– Encontrá-lo-ei de novo ao desincumbir-se de minhas ordens
desta manhã. Revelar-lhe-ei, então, um segredo que não partilhei com
ninguém, exceto minha adorada esposa, por cerca de trinta anos.
Do  

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