domingo, 31 de dezembro de 2017

O maior vendedor do mundo parte 3

Três  No inverno, o frio era cruel no Monte das Oliveiras. De Jerusalém,
pela estreita abertura do Vale Kidrom, vinha o cheiro de fumaça, incenso
e carne queimada do Templo, e esse ar impuro misturava-se com o
odor resinoso dos terebintos da montanha.
Num declive descampado, a curta distancia da aldeia de Bethpage,
dormitava a imensa caravana de mercadorias de Pathros de Palmira. Já
era bem tarde e até os garanhões favoritos dos grandes mercadores
tinham parado de pastar nos ralos arbustos de pistáceas e deitavam
junto a uma macia cerca de louros.
Para além das longas filas de tendas em silêncio, grossos cipós
de cânhamo se enrolavam em quatro oliveiras antigas. Elas formavam
um curral esquadrejado, cercando confusas formas de camelos e burros
amontoados para se aquecerem uns nos outros. Exceto por dois vigias,
que rondavam próximos aos carros de bagagem, o único movimento
no campo era o da alta e móvel sombra delineada na grande tenda de
pele de cabra de Pathros.
No seu interior, Pathros passeava de um lado para outro, parando

ocasionalmente, quando então franzia a testa e balançava a cabeça para
o jovem ajoelhado timidamente próximo à entrada da tenda. Finalmente
assentou o corpo aflito no tapete bordado a ouro e acenou para o rapaz
se aproximar.
– Hafid, você sempre foi como de minha família. Estou perplexo
e embaraçado com o seu estranho pedido. Você não está contente com
o seu serviço?
Os olhos do rapaz estavam fixos no tapete.
– Não, senhor.
– Talvez o tamanho sempre crescente da nossa caravana tenha
feito a sua tarefa de tratar dos camelos e dos burros grande demais. É
isso?
– Não, senhor.
– Então, por favor, repita o seu pedido. Inclua também, em suas
palavras, a razão de tão incomum pedido.
– É meu desejo tornar-me um vendedor de suas mercadorias,
meu senhor, em vez de guardador de camelos. Desejo ser como Hadad,
Simon, Caleb e outros, que partem de nosso carro de bagagem com
animais quase a rastejar com o peso de suas mercadorias e regressam
com ouro para o senhor, meu amo, e para eles também. Desejo melhorar
minha baixa posição na vida. Como guardador de camelos não sou
nada, enquanto como um vendedor para o senhor posso adquirir riqueza
e êxito.
– O que lhe da essa certeza?
– Tenho ouvido freqüentemente o senhor dizer que nenhum outro
negócio ou ofício oferece mais oportunidades para uma pessoa se erguer
da pobreza para a grande riqueza do que o de vendedor.
Pathros pôs-se a assentir com a cabeça mas pensou um pouco e
continuou a perguntar ao jovem:
– Crê você que é capaz de desempenhar suas funções como
Hadad e outros vendedores?
Hafid mirou atentamente o ancião e replicou:
– Muitas vezes ouvi, por acaso, Caleb queixar-se com o senhor

dos azares que explicam sua falta de vendas e muitas vezes ouvi o
senhor lembrar-lhe que qualquer um seria capaz de vender todas as
mercadorias de seu depósito, meu senhor, em pouco tempo, se se
dedicasse a aprender os princípios e leis de venda. Se o senhor crê que
Caleb, a quem todos chamam tolo, pode aprender esses princípios,
não posso eu também adquirir essa sabedoria especial?
– Se você dominasse estes princípios, qual seria o grande sonho
de sua vida?
Hafid hesitou e depois respondeu:
– Tem-se repetido pela terra que o senhor é um grande vendedor.
O mundo jamais viu um império comercial tão grande como o que o
senhor construiu com o domínio da arte de vender. Minha ambição é
tornar-me maior que o senhor, o maior mercador, o homem mais rico,
o maior vendedor de todo o mundo!
Pathros recuou e estudou aquele rosto jovem e escuro. O cheiro
dos animais estava em suas roupas, mas o jovem demonstrava pouca
humildade nas maneiras.
– E o que fará com essa grande riqueza e espantoso poder que
certamente o acompanharão?
– Farei como o senhor. Minha família será provida com os
melhores bens mundanos, e o resto dividirei com aqueles em privação.
Pathros balançou a cabeça.
– Riqueza, meu filho, não devia nunca ser seu grande sonho.
Suas palavras são eloqüentes, mas são meras palavras. A verdadeira
riqueza é a do coração, não a da bolsa.
Hafid hesitou.
– Não é o senhor rico, meu amo?
O ancião sorriu da ousadia de Hafid.
– Hafid, no que toca à riqueza material, há apenas uma diferença
entre mim e o mais baixo mendigo que ronda o palácio de Herodes. O
mendigo pensa apenas em seu próximo prato de comida e eu penso
apenas naquele que será o meu último prato de comida. Não, meu
filho, não aspire a riqueza e ao trabalho apenas para ser rico. Esforce-

se, em vez disso, pela felicidade, para ser amado e amar, e, mais importante, para adquirir paz de espírito e serenidade.
Hafid persistia:
- Mas essas coisas são impossíveis sem ouro. Quem pode viver,
na pobreza, com paz de espírito? Como se pode demonstrar amor por
uma família se se é incapaz de alimentá-la, vesti-la e dar-lhe casa para
morar? O senhor mesmo diz que a riqueza é boa quando traz alegria
aos outros. Por que então não é boa para a minha ambição de ser rico?
A pobreza pode ser um privilégio e até uma maneira de vida para o
monge no deserto, pois ele tem apenas a si mesmo para sustentar e
ninguém, senão a seu Deus, para agradar, mas eu a considero como a
marca de uma falta de capacidade ou de ambição. Eu não sou deficiente
em nenhuma dessas qualidades.
Pathros franziu a testa:
– O que lhe causou este súbito acesso de ambição? Você fala em
prover uma família, mas não tem família alguma, pois fui eu que o
adotei, desde a peste que levou seus pais.
A pele bronzeada de Hafid não pôde esconder-lhe o súbito rubor
das faces.
Enquanto acampamos em Hebrom, antes de viajarmos para cá,
eu conheci a filha de Calneh. Ela... ela...
– Oh, oh, agora a verdade aparece. O amor, não nobres ideais,
fez de meu guardador de camelos um poderoso soldado pronto a
enfrentar o mundo. Calneh é homem muito rico. Sua filha e um
guardador de camelos? Nunca! Mas sua filha e um rico, jovem e
simpático mercador... ah, essa é outra história. Muito bem, meu jovem
soldado, eu o ajudarei a iniciar a sua carreira de vendedor.
O rapaz caiu de joelhos e agarrou-se às vestes de Pathros.
– Senhor, senhor! Como posso mostrar-lhe minha gratidão?
Pathros esquivou-se do aperto de Hafid e recuou.
– Eu sugeriria que suspendesse sua gratidão por enquanto.
Qualquer ajuda que lhe dê será como um grão de areia comparado às
montanhas que você deve mover em seu próprio benefício.

A alegria de Hafid imediatamente se amainou ao perguntar:
– O senhor vai ensinar-me os princípios e leis que me
transformarão em um grande vendedor?
– Não ensinarei, como não tornei sua infância branda e fácil pelo
mimo. Tenho sido criticado freqüentemente por condenar meu filho
adotivo à vida de guardador de camelos, mas confiei que, se o fogo
bom queimasse por dentro, ele finalmente emergiria... e quando tal
ocorresse você seria mais homem para seus anos de árdua labuta. Esta
noite, seu pedido deixou-me feliz, pois o fogo da ambição reluz em
seus olhos e sua face brilha com ardente desejo. Isto é bom e minha
suposição sustentou-se, mas você deve ainda provar que há mais em
suas palavras do que simplesmente ar.
Hafid permaneceu silencioso e o ancião prosseguiu:
– Primeiro, você deve provar-me e, mais importante, a si mesmo,
que pode suportar a vida de vendedor, pois não é destino fácil o que
escolheu. Verdadeiramente, muitas vezes você me ouviu dizer que as
recompensas são grandes se se tem êxito, mas apenas porque
pouquíssimos têm êxito. Muitos sucumbem ao desespero e falham
sem perceber que já possuem todos os instrumentos necessários para
adquirir grande riqueza. Muitos outros enfrentam os obstáculos do caminho com medo e dúvida e os consideram inimigos, quando, em
verdade, esses empecilhos são amigos e colaboradores. Os obstáculos
são necessários para o êxito, pois em venda, como em todas as carreiras
de importância, a vitória só vem apenas após muitas lutas e inúmeras
derrotas. Contudo, cada luta, cada derrota, aguça suas técnicas e forças,
sua coragem e persistência, sua capacidade e confiança e, assim, cada
obstáculo é um companheiro de armas forçando-o a melhorar... ou
desistir. Cada malogro é uma oportunidade para seguir avante. Desviese deles, evite-os, e você desperdiça seu futuro.
O jovem assentiu com a cabeça e ameaçou falar, mas o ancião
ergueu a mão e prosseguiu:
– Ademais, você está se aventurando na mais solitária profissão
do mundo. Até os desprezados coletores de impostos regressam aos
lares ao pôr-do-sol e as legiões de Roma têm um quartel a que

denominam lar. Mas você testemunhará muitos pores-do-sol distante
dos amigos e dos entes queridos. Nada traz a dor da solidão a um
homem tão rapidamente quanto passar por uma casa estranha e
testemunhar, à luz do lampião, uma família partindo o pão ao anoitecer
no aconchego do lar.
“Será nesses períodos de solidão que as tentações o afrontarão.
A maneira como você enfrentará essas tentações afetará grandemente
sua carreira. Estar-se na estrada apenas com o animal é uma sensação
estranha e freqüentemente assustadora. Muitas vezes esquecemos
nossas perspectivas e nossos valores e nos sentimos como crianças,
ansiando por nossa própria segurança e amor. O que achamos como
substituto já encerrou a carreira de muitos, inclusive milhares que eram
considerados de grande potencial na arte de vender. Ademais, não
haverá ninguém para distraí-lo ou consolá-lo quando não vender
nenhuma mercadoria; ninguém, exceto aqueles que procuram separá-
lo de sua algibeira.
– Eu serei cuidadoso e seguirei à risca o seu conselho, meu senhor.
– Então, vamos começar. Por enquanto você não receberá mais
nenhum conselho. Coloque-se diante de mim como um figo verde.
Até que o figo amadureça não pode ser chamado de figo e até que você
não se tenha exposto ao conhecimento e à experiência não pode ser
chamado de vendedor.
– Como começarei?
– Pela manhã, você irá falar com Sílvio, no carro de bagagem.
Ele deixará aos seus cuidados uma das nossas melhores e mais novas
túnicas. É tecida com pêlo de cabra e resistirá até à chuva mais pesada.
É tingida com o vermelho das raízes da garança, para que a cor não se
solte. Próximo à bainha você encontrará bordada, pelo lado de dentro,
uma pequena estrela. É o símbolo de Tola, cuja fábrica faz as melhores
túnicas do mundo. Já próximo à estrela está o meu símbolo, um círculo
dentro de um quadrado. Ambos os símbolos são conhecidos e
respeitados por todo o país e vendemos inúmeros milhares de túnicas.
Tenho negociado com os judeus por tanto tempo que apenas sei seus
nomes por um vestuário como esse. E chamado de
abeyah.
“Pegue a túnica e uma mula e parta ao amanhecer para Belém, a
aldeia pela qual nossa caravana passou antes de chegar aqui. Nenhum
de nossos vendedores jamais a visitou. Dizem que é uma perda de
tempo, porque o povo é muito pobre, mas há muitos anos atrás vendi
cem túnicas entre os pastores de lá. Permaneça em Belém até vender
uma túnica.
Hafid assentiu com a cabeça, tentando em vão ocultar a emoção.
– A que preço devo vender a túnica, meu amo?
– Debitarei um denário de prata em seu nome no meu livro. Ao
voltar, você me devolverá um denário de prata. Guarde o que receber a
mais como comissão e assim, realmente, você próprio vai determinar o
preço da túnica. Pode visitar a feira que fica no portão Leste ou oferecer
em cada porta da cidade, a qual, estou certo, tem cerca de mil.
Certamente, é concebível que uma túnica seja vendida lá, não acha?
Hafid assentiu de novo, já pensando no dia seguinte.
Pathros colocou a mão gentilmente no ombro do rapaz.
– Não colocarei ninguém em seu serviço até que volte. Se
descobrir que seu estômago não é para esta profissão, eu entenderei, e
você não precisará se considerar em desfavor. Nunca se envergonhe de
tentar e fracassar, pois se alguém nunca fracassou é porque nunca
tentou. Quando voltar, perguntarei detidamente a respeito de suas
experiências. Só então decidirei como proceder para ajudá-lo a fazer
com que seus vagos sonhos se concretizem.
Hafid curvou-se e virou para sair, mas o ancião ainda prosseguiu:
– Filho, há um preceito que você deve guardar ao começar essa
nova vida. Tenha-o sempre presente e vencerá obstáculos aparentemente impossíveis, que com certeza encontrará, como todos aqueles
que têm ambição.
Hafid esperou.
– Sim, senhor?
– O fracasso jamais o surpreenderá se sua decisão de vencer
for suficientemente forte.
Pathros adiantou-se para o jovem.
– Você compreende todo o significado de minhas palavras?

– Sim, senhor.
– Repita-as então para mim.
– O fracasso jamais me surpreenderá, se minha decisão de
vencer for suficientemente forte.
  

Nenhum comentário:

Postar um comentário