terça-feira, 2 de janeiro de 2018

o maior vendedor do mundo parte 5

CincoHafid seguiu devagar, a cabeça caída para não mais notar a estrela
espalhando seu caminho de luz diante dele. Por que cometera um ato
tão tolo? Não conhecia aquelas pessoas na gruta. Por que não tentara
vender-lhes a túnica? O que diria Pathros? E os outros? Eles rolariam
no chão, quando soubessem que dera de graça a túnica que se incumbira
de vender. E para um menino desconhecido, numa gruta. Rebuscou na
cabeça uma história que pudesse contar a Pathros. Talvez pudesse dizer
que a túnica fora roubada de seu animal, enquanto estava no refeitório.
Creria Pathros em tal história? Afinal de contas, havia muitos bandidos
na terra. E se Pathros acreditasse, não seria, então, culpado de desleixo?
Logo alcançou o caminho que levava ao Jardim de Getsêmane.
Desmontou e encaminhou-se cansadamente à frente da mula, até chegar
à caravana. A luz do céu parecia a luz do dia, e o momento que temia
rapidamente se avizinhou, assim que viu seu amo Pathros, do lado de
fora da tenda, fitando os céus. Hafid permaneceu inerte, mas o ancião
notou-o quase imediatamente.
Havia pavor na voz de Pathros, quando se aproximou do jovem
e perguntou:

– Você veio diretamente de Belém?
– Sim, meu amo.
– Não está alarmado por essa estrela o acompanhar?
– Não notei, senhor.
– Não notou? Senti-me incapaz de sair deste lugar, logo que a vi
erguer-se sobre Belém, há quase duas horas. Nunca vi estrela com mais
cor e brilho. Logo que a vi, ela começou a mover-se e aproximar-se de
nossa caravana. Agora que está bem em cima, você aparece, e, pelos
deuses, ela não se move mais.
Pathros acercou-se de Hafid e examinou a face do jovem,
enquanto perguntava:
– Você participou de algum fato extraordinário lá em Belém?
– Não, senhor.
O ancião franziu a testa, como a pensar profundamente:
– Nunca conheci uma noite ou experiência tão grandiosa como
esta.
Hafid hesitou:
– Eu também jamais esquecerei esta noite, meu senhor.
– Oh, oh, então alguma coisa realmente aconteceu. Como é que
você voltou em hora tão tardia?
Hafid ficou em silêncio enquanto o ancião soltava, apalpando-o,
o embrulho do lombo da mula.
– Está vazio! Êxito, finalmente! Venha à minha tenda e conte-me
o que se passou. Já que os deuses transformaram a noite em dia, eu
não posso dormir, e talvez suas palavras forneçam alguma pista quanto
à razão de uma estrela seguir um guardador de camelos.
Pathros reclinou-se na cama e ouviu de olhos fechados a longa
história de Hafid em Belém, de infindáveis recusas, malogros e insultos.
Vez por outra, assentia com a cabeça, como quando Hafid descreveu o
mercador de cerâmica que o expulsara corporalmente de sua loja, e
sorriu ao ouvir que um soldado romano lhe atirara a túnica ao rosto
quando o jovem vendedor se recusara a baixar o preço.
Finalmente, Hafid, com a voz áspera e velada, descrevia as dúvidas
que o haviam assaltado na hospedaria, naquela mesma noite. Pathros

o interrompeu:
– Conte-me, Hafid, as dúvidas, uma por uma, o que lhe passou
pela cabeça quando se sentou lamentando a sorte.
Após Hafid nomeá-las todas, dando o melhor de sua memória, o
ancião perguntou:
– Agora, que pensamento finalmente entrou-lhe pela cabeça e
expulsou as dúvidas, dando-lhe nova coragem para se decidir a tentar
de novo vender a túnica no dia seguinte?
Hafid ponderou sua resposta por um momento e então disse:
– Eu pensei apenas na filha de Calneh. Mesmo naquela imunda
hospedaria, eu sabia que jamais poderia vê-la outra vez se fracassasse
– e então a voz de Hafid faltou. – Mas eu falhei a ela, de qualquer
forma.
– Falhou? Não entendo! Você não voltou com a túnica!
Em voz tão baixa que Pathros teve de se curvar à frente para
ouvir, Hafid contou-lhe o incidente da gruta, o menino, a túnica.
Enquanto o jovem falava, Pathros relanceava os olhos repetidamente
pela entrada aberta da tenda e pelo brilho além, que ainda iluminava o
chão do campo. Um sorriso ganhou forma em seu rosto perplexo e ele
não notou que o rapaz interrompera a história e soluçava.
Logo os soluços amainaram e houve apenas silêncio na grande
tenda. Hafid não ousava fitar o amo. Fracassara e provara que não estava
em condições de ser mais que um simples guardador de camelos.
Combateu a ânsia de virar-se, de um salto, e fugir da tenda. Sentiu,
então, a mão do grande vendedor no ombro e forçou-se a olhar o amo
nos olhos.
– Meu filho, esta viagem foi de muito lucro para você.
– Não, senhor.
– Para mim, foi. A estrela que o seguiu curou-me de uma cegueira
que ainda reluto em admitir. Explicar-lhe-ei isto depois que regressarmos
a Palmira. Agora, faço-lhe um pedido.
– Sim, meu amo.
– Nossos vendedores começarão a chegar à caravana amanhã
antes do pôr-do-sol e seus animais necessitarão de cuidado. Concorda

em reassumir as funções de guardador de camelos, por enquanto?
Hafid pôs-se de pé resignadamente e curvou-se ante seu benfeitor.
– O que o senhor quiser. Estarei às ordens... e lamento ter
fracassado ao senhor.
– Vá, então, e prepare o regresso de nossos homens; encontrarnos-emos em Palmira.
Assim que Hafid atravessou a entrada da tenda, a brilhante luz
do céu cegou-o momentaneamente. Esfregou os olhos e ouviu o seu
amo chamá-lo de dentro da tenda.
O jovem virou-se e voltou para dentro, esperando que o ancião
falasse. Então, Pathros apontou para ele e disse:
– Durma em paz, pois você não fracassou.
A estrela brilhante permaneceu no céu por toda a noite.
 

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