domingo, 30 de setembro de 2018

18 - O DEVOTO INCOMPREENSÍVEL - IRMÃO X

18 - O DEVOTO INCOMPREENSIVEL
Ante o céu claro-escuro do crepúsculo, o devoto extasiado rogava ao Altíssimo:
– Senhor, abri-me os celeiros da prosperidade espiritual! Preciso crescer mentalmente,
para servir-vos. Sinto, Pai, que minhas forças jazem adormecidas... Que fazer por elevar-
me? Disponho de elementos materiais suficientes com que prover às exigências da vida.
No entanto, no fundo, reconheço-me desalentado e abatido... Quero vibrar em vosso
infinito amor, dedicar-me à procura infatigável de vossos dons de sabedoria; contudo,
intimamente, demoro-me na indecisão do viajante que se vê desamparado sob a neblina
espessa... Ó Magnânimo Pai, não me deixeis dormitar à margem do caminho... Não sou
ignorante das coisas sagradas. Sei que é imprescindível trabalhar na iluminação de nós
mesmos para que o mundo seja finalmente redimido... Estou informado de que a vossa
vontade impera sobre a nossa, mas aprendi, desde muito tempo, que a nossa
colaboração individual é indispensável na execução dos programas salvadores. Todavia,
como avançar se me faltam recursos ao espírito? Ajudai-me na superação de mim
mesmo; auxiliai-me a rasgar a venda que me impede a contemplação de vossa gloriosa
luz, impressa em todos os quadros da vida. Não me desampareis. Sou vosso. Pertenço-
vos. Dilatai-me o entendimento, dai-me ocasião de revelar o aproveitamento das bênçãos
que já me concedeste, facilitai-me a demonstração das dádivas com que me
aquinhoastes. Aguardo-vos a manifestação paternal, descerrai para mim as fontes da
graça, ao cansado genitor que, de há muito, lutava e a fim de que minha compreensão,o
se expanda e cresça. Sejam executados os vossos desígnios!...
Recordando a saudação do anjo, na formosa narrativa do Evangelho de Lucas, repetiu o
pensamento de Maria:
– Cumpra-se no escravo a vontade do Senhor!...
Depois da prece, levou o lenço aos olhos e enxugou as lágrimas que a contrição lhe
trouxera.
A noite começava a enfileirar constelações no campo celeste.
Retomou, então, o caminho do lar, reconfortado. Orara com fervor e aguardava a bênção
divina para o próprio engrandecimento.
Antes, porém, de transpor o jardim doméstico, eis que a esposa, aflita, vem ao encontro
dele.
Um dos filhos, molestado por estranha cólica e atendido pelo médico, submeter-se-ia a
delicada intervenção cirúrgica, em breves horas.
Atordoado, como se alguém lhe houvesse desfechado tremendo golpe no crânio, não
voltara ainda a si, quando um servidor de confiança, palidíssimo, se lhe gostou à frente,
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notificando que o maior depósito de algodão de sua propriedade fora inexplicavelmente
incendiado. Não puderam situar a procedência do fogo que lavrara, implacável, enquanto
encontrou combustível.
O devoto fez força para não cair. O sangue concentrava-se-lhe no cérebro, aos
borbotões. Estava muito distante do próprio domínio. A mente vagueante parecia incapaz
de exercer qualquer direção construtiva sobre o pequeno mundo fisiológico...
Contudo, não movera os pés. Nesse comenos chega, suarenta, velha tia, excessivamente
nervosa, comunicando-lhe que o pai agonizava em cidade próxima...
O devoto esqueceu que a Bondade Divina podia curar-lhe o filho, conferir-lhe novo
algodoal mais rico e mais extenso e proporcionar merecido repouso ao cansado genitor
que, de há muito, lutava e padecia na Terra. Num minuto aquele homem se transformou.
Ele que rogara aos céus recursos para iluminar-se, para dilatar-se mentalmente, para
crescer em conhecimento e virtude e engrandecer-se para a vida imperecível, ao invés de
receber os testes divinos, com fortaleza e serenidade, a fim de melhor e mais plenamente
aproveitar a oportunidade de elevação, gritou, acabrunhado :
– Onde está Deus que me não ouve as orações Sou um desventurado, o mais infeliz dos
homens!...
E caiu no leito vencido, quando a luta apenas começava, fugindo às possibilidades de
crescimento espiritual para cair nos sedativos dum médico.
Registrando-lhe a experiência, de perto, na condição de amigo desencarnado, reconheci
que quase todos os crentes, ao suplicarem a Proteção do Céu, não pretendem, no fundo,
respirar o clima superior da verdade e da luz... O que pleiteiam, sem dúvida é a posição
de orquídeas na estufa celeste

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