domingo, 23 de setembro de 2018

11 - ESCLARECIMENTO - Irmão X

11 - ESCLARECIMENTO
Você pergunta, meu amigo, pelas razões que nos levam a escrever tanto.
Não deveríamos procurar a Corte Celestial para repouso? Teríamos tamanha saudasse
da tarefa humana, a ponto de reabsorver-lhe, voluntariamente, as angústias? A seu ver, o
sepulcro seria o caminho ideal para o esquecimento absoluto.
Até aí, sua indagação se perde no domínio das comum, quanto aos motivos que o
compelem a trabalhar pela garantia da própria felicidade.
Seu inquérito, contudo, vai mais além. Deseja saber porque nos dedicamos ao assunto
religioso.
– “Todos os espíritos desencarnados – alega espantadiço – se empenham na difusão dos
princípios de fé e caridade. Emparelham-se com os pregadores insistentes do alto dos
púlpitos. Não possuiremos suficiente número de ministros e padres no mundo?”
Equivoca-se em semelhante generalização. Nem todos os desencarnados se consagram,
ainda, a serviço tão nobre. Milhões deles permanecem imantados à Crosta do Mundo,
impedindo o progresso mental das criaturas que lhes são afins. Preferem a discórdia e a
malícia, como autênticos demônios soltos, e, quando podem, chegam a destilar venenos
cruéis, através de escritores invigilantes. Mantêm a ignorância de muita gente, a respeito
da eternidade, para melhor se acomodarem às reclamações da inferioridade em que se
comprazem.
No entanto, não é para comentar as perturbações da nossa esfera de ação que lhe
escrevo esta carta.
Refere-se você à religião, como se a fé representasse bolorento asilo para espíritos
inválidos. Certamente envolvido na onda turbilhonaria que agita o oceano de nossa
civilização decadente, também você penhorou o raciocínio nas ilusões do homem
econômico. Crê possível a regeneração do mundo, de fora para dentro, e dar-se-ia,
talvez, de bom grado, a qualquer renovador sedento de sangue que prometesse um
mundo reformado por decretos que se vão caducando, de cinco em cinco anos.
Dentro de tal clima, não pode compreender o serviço religioso.
Admite que um pomar se mantenha e produza sem a sementeira? Persistiria a vida
humana sem o altar da maternidade?
O castelo teórico e o campo da experimentação pratica, em que se assentam os
princípios filosóficos e científicos da Terra, não se sustentariam sem a fonte oculta e
invisível da mística religiosa.
Somente o ser privado de razão consegue movimentar-se sem raízes na espiritualidade
superior.
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Os grandes escritores, supostamente materialistas, que você menciona com indisfarçável
prazer, não foram senão atletas do pensamento em conflito com as imposições do
sacerdócio organizado. Não hostilizavam Deus, objeto sagrado de seus estudos e
cogitações. Combatiam os processos infelizes, muita vez usados pelos homens de má fé,
para situarem o Eterno e Supremo Senhor na ordem política. No fundo, identificavam a
luz divina, na própria lâmpada de intelectualidade que lhes aclarava a mente.
A religião é chama sublime, congênita na criatura. Todas as noções de direito no mundo
nasceram à sua claridade e todas as secretarias de justiça, nos mais diversos países do
Globo, devem a ela, sua procedência.
Quando o primeiro selvagem compreendeu que lhe competia respeitar a taba do irmão, tal
entendimento ter-lhe-ia surgido, à face da gloriosa visão do céu, recolhendo, através da
contemplação do Sol e das estrelas, da sombra e da tempestade, a primitiva idéia de
Deus.
Subtrair o pensamento religioso da experiência humana seria o mesmo que desidratar o
corpo da Terra. Sem a água divina da espiritualidade, qualquer construção planetária se
destina a irremediável secura.
Conseguiria você viver exclusivamente no deserto?
O homem poderá rir com Voltaire, estudar com Darwin, filosofar com Spinoza, conquistar
com Napoleão, teorizar com Einstein, ou mesmo fazer teologia com São Tomás;
entretanto, para viver a existência digna, há que alimentar-se intimamente de princípios
santificantes, tanto, quanto entretém o corpo à custa de pão. Quem não dispõe do divino
combustível para uso próprio, recorre inconscientemente às reservas alheias, porquanto,
não existe idealismo superior que não tenha nascido da atividade espiritual e, sem ele, o
conceito de civilização redunda em grossa mentira.
Não sorria, pois, usando o sarcasmo, perante aqueles que consagram o tempo ao
ministério religioso.
Com os cientistas modernos, vocês poderão entrevistar o átomo, fotografar a célula e
positivar a curvatura do espaço... Há muita gente na América que já pensa em pedir às
autoridades administrativas da política dominante a reserva de terrenos na Lua,
considerando o desenvolvimento dos veículos a jato...
Poderão cogitar de tudo isto, mas não deslocarão a idéia religiosa em um milímetro,
sequer, de rota. A fé representa claridade de um sol que ilumina o espírito humano, por
dentro, e, sem essa claridade no caminho, o Planeta poderia perder, em definitivo, a
esperança num futuro melhor.
Quanto ao fato de demorar-me, por algum tempo, na atualidade, entre admiráveis amigos
que cogitam de servir, depois da morte, ao Cristianismo renascente, creia que isto ocorre
por gentileza deles e não por merecimento de minha parte. Não sou nenhum Livingstone
em Áfricas do “outro mundo”. Quem define o meu caso, com paciência, é o nosso velho
sábio Shakespeare. Disse ele, certa vez, que “quando Deus nos vê endurecidos no mal,
cerra-nos os olhos para a imundície e nos obscurece o juízo, de modo que chegamos a
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adorar os nossos desvarios e a zombar de nós mesmos, caminhando, cheios de cegueira
e de orgulho, para a perdição”. Segundo depreende, sou um enfermo à procura de
melhoras.
Embora desencarnado, não posso saber se você guarda saúde integral. Creio, porém,
que, se algum dia atingir a infelicidade a que cheguei, não deixará de fazer conforme
estou fazendo.

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