segunda-feira, 17 de setembro de 2018

5 - A MISSÃO - Irmão X

5 - A MISSÃO
Quando Pacheco foi à reunião de intercâmbio espiritual pela primeira vez, Ricardo,
devotado benfeitor do Além, anunciou-lhe preciosa missão que teria a cumprir. Havia
renascido entre os homens para atender a elevado ministério. Cultivaria bênçãos de
Jesus, seria uma claridade viva nas sombras do mundo.
Pacheco regozijou-se. Chorou de jubilo. Viu-se, por antecipação, à frente de grandes
massas de sofredores, dispensando graças do Altíssimo. E, desde então, passou a
esperar a ordem direta do Céu, para execução do sublime mandato de que era portador.
Afeiçoado à Consoladora Doutrina dos Espíritos, revelou, em breve, adiantadas
possibilidades mediúnicas, que mobilizou, um tanto constrangido, a serviço do bem. Não
se achava muito disposto ao contato permanente com infortunados e indagadores,
sempre férteis entre os vivos e os mortos. No entanto, tentaria. Aguardava a missão
prometida, repleta dos galardões da evidência. Recebê-la-ia confiante.
Dentro de alguns meses, contudo, o rapaz denunciava imensa fadiga e, ao termo de
apenas dois anos, o soldado arriava mochila. Afastou-se do grupo que freqüentava.
Silenciou. Recolheu-se à vida pacata, onde lhe não surgiam aborrecimentos. Para que
outro mundo, além do oásis que a esposa querida e os filhos carinhosos lhe ofereciam?
para que outra ambição, além daquela de assegurar no “pé de meia” o futuro da família?
Lia notícias do movimento que o interessara antes e amava a boa palestra de gabinete.
De quando em quando, lá surgia um amigo a pedir-lhe opinião, com referência à
mediunidade e ao Espiritismo. Pacheco catequizava, solene, sobre a imortalidade da
alma. Relacionava as próprias experiências e rematava sempre:
– Os Espíritos Protetores, certa feita, chegaram a declarar que tenho grande missão a
cumprir.
– Oh! e porque se afastou assim?! – era a pergunta invariável que lhe desfechavam à
queima roupa.
Cruzava os braços e informava em tom superior:
– As idéias são respeitáveis, mas as criaturas... Imaginem que minhas faculdades eram
consultadas a propósito dos mais rasteiros problema da vida. Muitos desejavam saber por
meu intermédio em que zona comercial estariam situados os negócios mais lucrativos,
outros buscavam informações alusivas a tesouros enterrados. Inúmeras pessoas
procuravam comigo recursos para ocultar delitos graves ou tentavam converter entidades
espirituais em agentes comunas de polícia barata. Era eu assediado impiedosamente
para esconder crimes ou desvendá-los. Devia funcionar como medianeiro entre maridos e
mulheres briguentos, consertar existências fracassadas por desídia dos próprios
interessados. De outras vezes, freqüentadores de minha roda exigiam que eu desse conta
de seus parentes desencarnados. Perdi o sossego em casa e na rua. Os amigos e
familiares conspiravam amorosamente contra minha paz, a título de praticarmos a
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caridade e, nas ruas, fileira crescente de necessitados e curiosos se punha
invariavelmente à minha espera.
Pacheco interrompia-se, pigarreava, e prosseguia:
– E na associação dos próprios companheiros? a vaidade acendia fogueiras difíceis de
tolerar.
A discórdia lavrava entre todos. Ninguém pretendia servir. Todos buscavam mandar e
controlar. A obediência a Jesus e aos Bons Espíritos era mandamento para a boca. O
coração andava longe. Os diretores indispunham-se reciprocamente, por questões
mínimas, os irmãos abusavam da faculdade de analisar. Como ser útil a organizações de
semelhante jaez? Ninguém buscava a verdade cristalina.
Os ignorantes e os instruídos rogavam para que a verdade se adaptasse a eles, às suas
necessidades, aos seus casos... Diante de tudo isto...
O narrador silenciava, reticencioso, e a conversação se reajustava noutro rumo, porque,
efetivamente, a exposição de Pacheco oferecia valioso alicerce na lógica.
A vida, contudo, seguiu o tempo, renovando-se dia a dia, e o inteligente desertor jamais
esqueceu a missão que o generoso Ricardo lhe havia prometido.
As experiências nevaram-lhe os cabelos, os invernos vencidos enrugaram-lhe a face. A
morte arrebatou-lhe a companheira. O mundo pediu-lhe os filhos.
Sozinho agora, de quando em vez procurava antigos companheiros de fé e perguntava ao
fim de longa palestra:
– E a missão? Aguardei-a com tanta esperança...
Correram os dias, até que o nosso amigo foi igualmente obrigado a largar o corpo,
premido pela angina.
Desencarnado, lutou intensamente para restabelecer a visão e a audição singularmente
enfraquecidas.
Cambaleava, hesitante, até que, um dia, viu Ricardo à frente dele.
Ajoelhou-se, confrangido, e indagou, em lágrimas:
– Oh! meu benfeitor, e a missão que me prometestes?
O interpelado sorriu, triste, e exclamou :
– Pudera! fugiste no instante preciso...
– Quê?! – fez o infeliz, apalermado.
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– Sim, – tornou o amigo –, a possibilidade de auxiliar os semelhantes foi a missão que
menosprezaste.
Pacheco pranteou, referindo-se à incompreensão dos homens e às infindáveis querelas
dos companheiros.
Ricardo, porém, revidou, sereno :
– Jesus não precisaria, desenvolver o apostolado que exerceu entre nós, se a Terra já
congregasse anjos e santos. Em verdade, a maioria das criaturas humanas padece de
inqualificável cegueira do coração, diante da Revelação Divina; entretanto, como realizar
a obra do aperfeiçoamento geral, se alguém não contribuir no áspero serviço dm
iniciação? que seria, de nós, Pacheco, se o Cristo não se dispusesse a sofrer pra ensinar-
nos o caminho do bem e da vida, eterna? A missão da lua é espancar as trevas, a glória
do bem, é vencer o mal com amor.
O infeliz gritou, em soluços:
– Porque teria de compreender somente agora?
Ricardo, imperturbável, informou :
– Não desesperes, Suporte as conseqüências do erro e aguarda, o porvir infinito.
Regressaras mais tarde à escola do mundo, e, quando estiveres no círculo da, carne,
novamente, nunca te eSqueças de que as missões salvadoras na Terra, quase sempre,
chegam vestidas de avental ou de macacão.

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