CAPÍTULO 40
Havia um zirquiniano em meio àquele amontoado de gente!
Levantei-me com rapidez e desatei a correr atrás daquelas pessoas. O grupo de onde
vinha a suspeita sensação foi se dispersando e ao longe detectei três sombras dobrando uma
esquina à direita. Corri o mais rápido que pude, meus passos acelerados explodindo com força
nas poças d´água que se acumulavam pelo caminho e encharcando ainda mais meus tênis e
calça jeans. Embrenhei-me por ruas estreitas, vazias e escuras. Amsterdã se recolhera mais
cedo. Eu sabia que era uma atitude insana, que corria perigo. Eu ia de encontro a um deles e
fazia exatamente o oposto ao que vinha realizando há quatro anos, ao que Leila e Wangor
haviam seriamente alertado. Mas havia algo diferente ali. Desde que retornara de Zyrk meu
corpo nunca reagiu tão fortemente à presença de algum deles como agora e uma parte
adormecida dentro de mim tinha sido bruscamente despertada. Corri muito, seguindo os
passos inconstantes que chegavam cada vez mais abafados aos meus ouvidos. O temporal
não dava trégua. Em meio à corrida ensandecida, vi a sombra suspeita se afastar. Se ela
chegasse à encruzilhada, certamente eu a perderia de vez. Com a respiração ofegante, senti a
aflição dominar minhas pernas à medida que o calafrio escorregava pela minha pele e se
esvaía pelo caminho inundado de expectativas desintegradas. Coloquei todas as minhas forças
naquela corrida, como se dependesse dela para viver e, acelerando como nunca na vida,
alcancei o vulto que já estava a vários metros de distância.
— Pare! — berrei com estrondo e senti minha pulsação ultrapassar limites perigosos. —
Por que está fugindo de mim?
De costas, o vulto travou no lugar. O modo como ele respirava, como suas costas subiam
e desciam...
Perdi o chão de vez e congelei sob choque. Pernas, braços, mente, um amontoado de
partes inúteis naquele breve e infinito instante. O calafrio estava de volta e vinha com
proporções assustadoras. Dei alguns passos em sua direção.
E eu o vi.
Do outro lado da rua abandonada, no meio da penumbra, a sombra de um rapaz curvado
sobre o próprio abdome, com roupas encharcadas e fisionomia abatida, fez meu novo mundo
ruir e se reerguer.
Richard?!
Catatônica, minha mente não conseguia processar o que acabava de acontecer. Richard
estava vivo? Ele estava se escondendo de mim nos últimos quatro anos? Seria algum truque
de Von der Hess? Meu instinto de sobrevivência me ordenava a fugir, mas minha intuição
me obrigava a ficar. Ela afirmava que era ele mesmo e que precisava de mim. Pela primeira
vez na vida, eu podia senti-lo, conseguia captar sua energia, seu sofrimento, sua
expectativa.
Minhas pernas tremiam, o chão tremia, meu cérebro chacoalhava. Desorientada, eu o vi
mancar em minha direção e parar na metade do caminho, quando seu corpo começou a
estremecer com violência. Richard colocou as mãos repletas de cicatrizes na cintura e, ainda
sem me olhar, tombou de joelhos no chão e começou a balançar ombros e cabeça de maneira
desesperada.
Cristo! Aquilo estava mesmo acontecendo?
Um único som se destacava no ruído de fundo e maculava a sinfonia da chuva torrencial e
das minhas frágeis certezas: os ecos das pancadas frenéticas do meu coração. A barreira de
dúvidas, medo e expectativa tão paralisante quanto a besta da noite de Zyrk agigantava-se à
minha frente.
— V-Você...?! — Fui eu a primeira a romper a muralha.
Sem resposta.
— Todo esse tempo eu achei que o tivesse perdido, tão sozinha, e... — Minha voz era
um lamento desesperado, um murmúrio impregnado de pavor e desejo. Precisava
ardentemente escutar sua voz grave e ter a certeza de que não estava enlouquecendo de vez.
Deus! Não podia ser outra peça do meu subconsciente.
A cabeça do vulto tombou ainda mais.
— Por que só agora? Eu não entendo, eu...
Silêncio.
— Responda, Richard!
— E-eu sinto muito, Tesouro — arfou e confessou com a voz falhando: — Queria que
você tivesse a chance de reconstruir sua vida, de encontrar alguém que a fizesse feliz. Não
quis... interferir.
— Interferir... — balbuciei apática, incapaz de encontrar as palavras enquanto afundava
em uma poça de emoção.
— Achei que me esqueceria, que seria o melhor para nós dois, mas...
— Mas?
— Não tenho suportado sentir a tristeza que vem escurecendo sua energia a cada dia,
vê-la chorar e não poder consolá-la, escutá-la dizer meu nome enquanto dorme e não poder te
tocar... Eu não aguento mais ficar longe de você. Fui fraco — explicou com a voz rouca, ainda
encarando o chão. Os cabelos negros grudados no rosto camuflavam sua expressão de dor e
faziam o sangue entrar em ebulição em minhas veias. — Perdoe-me pelo que lhe fiz... A
punhalada... E-eu nunca quis ferir você, Tesouro. Nunca! Acredite, eu... — Ele não conseguiu
concluir a frase e seu corpo começou a tremer com violência.
Richard estava sendo acometido por uma crise de choro, de remorso e de medo da
minha reação! O coitado ainda achava que eu estava magoada por ele ter me ferido com o
punhal! Seus soluços altos me comoveram profundamente e desintegraram qualquer sombra
de dúvida sobre a autenticidade daquela cena.
Entendi e o admirei ainda mais. Sua atitude foi nobre e altruísta. Ele quis me dar a
chance de ter um novo futuro e sabia que isso só seria possível se eu soubesse que o nosso
passado estava sepultado, que ele estava morto.
Soluçando alto, ele afastou os cabelos dos olhos e tentou enxugar o rosto com a parte de
trás das mãos trêmulas. Assim que as hipnotizantes cicatrizes saíram de vista, os olhos azuisturquesa
mais lindos do universo fulguraram nos meus. A luz da lua refletida no brilho deles
irradiava em minha pele e reacendia a vida apagada que fizera ninho em meu peito havia
quatro anos. Quando dei por mim, eu deixava toda a minha dor e meu orgulho para trás, corria
como um raio em sua direção e me jogava em seus braços.
— Oh, Tyron! — Richard gemeu e soluçou ainda mais alto, aninhando-me em seu peitoral
de aço. Tremendo muito, abraçou-me com vontade e desespero avassaladores, as mãos
enormes envolvendo cada centímetro do meu corpo. Ficamos um longo momento ali,
entrelaçados e caídos no chão, afogados dentro da emoção abrasadora do nosso complicado
amor. O entendimento de corpos, sangue e almas. Não havia senões ou necessidade de
explicações. Nosso pranto era o testamento da veracidade, a confissão de rendição. — Diga
que me perdoa, por favor — ele implorava nervoso. — Eu te amo demais. Te amo tanto,
Tesouro. Sempre te amei, desde o início. Você é a minha vida, o coração que bate dentro do
meu peito, meu flagelo, minha paz. Sem você vivo em guerra com o mundo, Nina. Se não lutar
por você, sou apenas um vazio, nada além de um amontoado de carne, ossos e tormento.
— Ah, Rick! Eu nunca deixei de te amar! Leila me contou tudo e já te perdoei há muito
tempo — arfei acelerada, permitindo que novas lágrimas lavassem meu rosto. Sorri
intimamente. Eram lágrimas de felicidade! — Pensei que estivesse morto.
— Não é tão fácil se livrar de mim, minha pequena. Não se esqueça de que sou a sua...
— A minha morte! — interrompi com um sorriso gigantesco no rosto.
— Isso mesmo. — Emocionado, ele arrumou meus cabelos molhados atrás da orelha e
segurou o sorriso, estreitando os lábios em uma linha fina. — Vou cuidar de você e nunca mais
vou te decepcionar, Nina — encarou-me com seu olhar felino e, tremendo ainda, curvou-se
sobre mim. Seu nariz deslizou pelo meu pescoço e minha pele queimava nos pontos onde seus
dedos passeavam pelo meu corpo, como se fossem feitos de brasas incandescentes. Soltei
um arquejo de prazer, incapaz de controlar o turbilhão de sensações que me dominavam. As
terminações nervosas da minha pele soltavam choques, sôfregas e desesperadas pelo seu
contato. Rick gemeu mais uma vez, quase tão enlouquecido de emoção quanto eu, mas
conseguiu se controlar e, respirando fundo, levantou-se e me puxou para junto de si. — Venha!
Vamos sair logo daqui.
— Como você sabia que eu estava aqui? Por que Wangor não apareceu? — questionei,
subitamente me dando conta da suspeita coincidência.
— Ele está bem. Disse que tinha assuntos urgentes e que precisava partir para
Windston.
— Como você soube disso?
— Seu avô me deu cobertura durante todo esse tempo, Nina. Ele e Zymir.
— Leila e a Sra. Brit não sabem que está vivo?
— Não. Os magos do Grande Conselho descobriram que Leila utilizou a Malis Vetis e ela
foi banida de entrar em Zyrk. Não está a par dos acontecimentos dos últimos anos —
suspirou. — E Wangor achou que não seria sensato contar a Brita porque, querendo ou não,
ela acabaria indo ao meu encontro. A coitada vem sendo muito requisitada desde o grande
confronto. Ela é única curandeira que restou em Zyrk.
— Ah, não!
Ele confirmou com pesar.
— Se ela desaparecesse por um tempo para me ajudar, alguém acabaria descobrindo
que eu sobrevivi. Seria um grande risco à vida dela, à sua e ao nosso plano — arfou e
acelerou em explicar: — Há muito tempo Shakur havia me dito que, quando morresse, gostaria
de ser enterrado nas Dunas de Vento. Então, quando achei que não havia mais chance para
nós dois, quando vi que você havia ficado mais tempo sobre o efeito daquela toxina do que o
suportável e que eu realmente a havia matado, resolvi que não queria mais prosseguir, que era
o momento de partir. Antes disso, entretanto, ia conceder um último pedido do meu antigo
líder.
— Mas Leila me contou que Wangor o viu morrer em uma luta com Kevin — acelerei em
dizer.
— Kevin continua preso no Grande Conselho, Nina. Wangor inventou essa história para
me dar cobertura — sorriu timidamente. — Seu avô foi o único a me ver entrar nas Dunas de
Vento com o corpo de Shakur. Com o péssimo estado da minha perna e a grave hemorragia,
não consegui ir muito longe, e nem seria preciso. Os zirquinianos não entrariam naquele lugar
de qualquer forma...
— Você pretendia morrer lá. — A afirmação saiu como um sopro baixo.
Richard assentiu sério.
— Eu delirava quando Zymir me encontrou, dois dias depois da grande batalha. Estava
entre a vida e a morte e já havia desistido de sobreviver — respondeu com a voz fria. — E
também não acreditei quando Zymir afirmou que você estava viva na segunda dimensão.
Precisou Wangor aparecer, deixar seu orgulho de lado e implorar para eu acreditar no que ele
dizia.
— Por que Wangor não me contou nada?
— Porque Wangor realmente se preocupa com você. Ele sabia da minha intenção de
mantê-la afastada, de querer te dar a chance de ter uma vida como uma humana, e
concordou. Acho que ele teve medo de que você fizesse alguma besteira e fosse atrás de mim
caso soubesse que eu estava vivo — confessou. — Seu avô queria redimir parte dos erros de
Dale e se sentia culpado pela vida triste e solitária que você seria obrigada a levar. Ele
acreditava que eu poderia lhe oferecer algo muito importante em troca: proteção. Wangor me
surpreendeu ao afirmar que não confiaria a sua vida a mais ninguém que não fosse a mim, que
gostaria que eu fosse o seu protetor a partir daquele momento — franziu as sobrancelhas. —
Foi quando finalmente acreditei, mas aí a ferida na perna esquerda já havia tomado
proporções indesejáveis. As artes médicas não eram o forte de Zymir. Minha perna quase
gangrenou e por muito pouco não teve de ser amputada. Tive febres altíssimas e demorou
meses até eu conseguir ficar de pé.
— Deus!
— Sim — ele sorriu e olhou para a perna esquerda escondida atrás da calça comprida
preta e encharcada. — A perna não está tão forte e ágil como antes, mas ainda serve. Acho
que seu Deus esteve comigo porque fui agraciado com outro milagre.
— E você vem me seguindo desde então?
Ele confirmou com um movimento imperceptível de cabeça.
— Venho mantendo sempre uma distância segura, o suficiente para intervir caso fosse
necessário. Assim eu manteria você protegida dos meus e você não conseguiria captar a
minha energia.
— Ah, Rick! — eu o abracei, toda a emoção jorrando em minhas veias.
— Mas não aguentei, não fui forte o suficiente. F-Fiquei nervoso ao ver aquele
exibicionista se aproximar de você — gaguejou. — Foi tudo tão semelhante ao daquela vez... E
eu... Fiquei assustado...
— Você me deixou em transe?
— Só um pouco — confessou sem graça. — Você está cada vez mais forte e conseguiu
se soltar de minha intervenção e...
— E aí você pensou em se esconder para que eu não o visse.
— Não foram apenas as minhas pernas que trapacearam, Nina — murmurou. — Passar
a existência vigiando-a e protegendo-a dos meus parecia um presente muito bom, mas bastou
ficar alguns instantes perto demais de você, sentir seu sofrimento, para jogar tudo por água
abaixo! Meu coração me deu uma rasteira e simplesmente não consegui.
— Ah, Rick! Você é um cabeça-dura incorrigível!
— Eu sei — ele apertou os lábios e me encarou com intensidade. — Você precisa me
ajudar. Sou um sujeito complicado, mas sempre fui seu. Só seu, Tesouro. — Seu pomo de
adão subia e descia rápido demais, suas mãos tremiam. — Acha que consegue dar um jeito
em mim?
— Humm... Depende... — brinquei em êxtase. — Quanto tempo acha que temos?
— Que tal uma existência toda? — indagou sem rodeios, a voz rouca e repleta de uma
ansiedade nada usual para ele.
— Vai ser apertado, mas acho que consigo.
— Jura? — perguntou visivelmente emocionado e o azul-turquesa em seus olhos cintilou
forte.
— Juro.
E o sonho se tornou realidade.
Sozinhos naquela rua escura e deserta, em meio à chuva torrencial, ele se ajoelhou
diante de mim, segurou minha mão esquerda e beijou meu dedo anelar com delicadeza.
Aquilo estava mesmo acontecendo? Havia música no ar?
— Nina Scott, você me aceita com todos os meus defeitos, na alegria e na tristeza, na
saúde e na doença, na dúvida e na certeza, na paz e nas batalhas, pulando de uma cidade
para outra, de um país para outro, amando-me e me permitindo amá-la, protegê-la e mimá-la
com toda a energia que existe em meu espírito a cada dia de sua existência, por todos os dias
da sua vida?
Procurei, mas não os encontrei. Onde estava o meu raciocínio? O chão? O oxigênio? A
minha voz?
— Nina? — insistiu com os olhos arregalados.
— I-Isso é um pedido de...? — engasguei em um atordoante estado de choque e
felicidade absoluta. — Você quer ficar... comigo... para sempre?
Ele assentiu sério.
— Só eu e você.
— Droga! Por que me fez esperar quatro anos? — estreitei os olhos e escondi o sorriso
maior que o mundo. — Claro que aceito, Rick!
— Ah, Tesouro! — soltou aliviado, levantou-se e me puxou para um abraço sufocante e
apaixonado. — Eu lutei tanto para não ceder, mas te desejo desde o dia em que pousei os
olhos em você. Você é a razão da minha existência, Nina. — Então a fisionomia emocionada
começou a ceder espaço para aquela maliciosa que fazia meu corpo ferver da cabeça aos
pés. Seu sorriso se alargou, radiante. — Eu preciso de você, meu amor, e estou louco para
recuperar o tempo perdido. — Pegando-me de surpresa, Richard segurou meu corpo em seus
braços. — É assim que os humanos machos fazem quando escolhem uma fêmea para si, não?
— indagou brincalhão.
— Humano macho? Fêmea? — repuxei os lábios. — Oh, céus! Terei um trabalho árduo
pela frente.
Rick gargalhou alto e estremeci de emoção ao vê-lo tão leve e feliz. Sorrindo como nunca
ele me colocou de volta ao chão.
— Eu te amo demais, Nina Scott. — Sua expressão ficou séria, o azul-turquesa em seus
olhos escureceu e, segurando meu rosto com ambas as mãos, afundou os lábios nos meus e
me presenteou com um beijo febril e enlouquecedor.
— Peraí! — afastei-me repentinamente dele e indaguei num misto de confusão e
entusiasmo. — Quem será a minha morte a partir de agora?
— O tempo — deu de ombros. — No que depender das minhas habilidades, você vai
morrer bem velhinha.
— Você vai matar todos os resgatadores que se aproximarem de mim?
— É o que faço de melhor, Tesouro — piscou convencido antes de me puxar para outro
beijo apaixonado e eu gargalhei, feliz. Plena.
E tudo fez sentido.
Eu fui a mola propulsora, mas não a peça chave da lenda de Zyrk. A salvação não partiu
de mim e agora estava claro e cristalino.
O milagre sempre pertenceu a Richard!
Sua provação, suas atitudes, a mudança interior de um ser teoricamente insensível e
incapaz de compreender o significado do sentimento avassalador que carregava no peito. Dar
a vida pela de outra pessoa de bom grado e sem hesitar...
Precisou alguém que não sabia o significado deste sentimento para me fazer entender a
grande charada a que fui submetida desde o início da minha jornada:
A importância que damos ao fator tempo...
Quanto tempo eu viveria? Quanto tempo ficaríamos juntos?
Pouco importava. O importante é o que faria com o milagre de piscar e continuar a
respirar.
Amar um dia de cada vez.
Viver um dia de cada vez.
Alegrar-me com o hoje, com o agora, como se fosse o último instante da minha vida.
Experimentar a felicidade, aceitá-la apaixonadamente e de braços abertos sem saber o que
será do amanhã. Viver o presente com alegria e esperança porque, como o próprio nome diz,
ele é um presente de Deus. O grande prêmio de despertar a cada manhã, de amar e ser
amado.
E foi assim que ali, com os nossos corpos entrelaçados e encharcados, fizemos nossos
votos, o juramento de união de duas espécies distintas, unidas pelo sentimento capaz de
romper qualquer obstáculo e atravessar todas as barreiras de espaço, raças ou dimensões.
O maior sinal de todos.
Em qualquer tempo ou lugar.
O início, o meio e o fim.
Nossa prisão e libertação.
O caminho.
A verdade.
A saída.
A vida dentro da vida.
O amor.
FIM
AGRADECIMENTO:
A vocês, queridos leitores,
Pelo entusiasmo arrebatador,
Pelo carinho incondicional,
Pelas incessantes palavras de incentivo,
Pelas broncas e ameaças diárias (que, por sinal, não foram poucas! rsrs),
E, principalmente,
Por existirem e, por consequência, permitirem que a criança com seu mundo fantástico
que vive dentro de mim pudesse ganhar vida, alçar voo e acreditar que o milagre será sempre
possível.
Se alguns infinitos são maiores do que outros, como diria meu adorado John Green,
podem apostar que os nossos são gigantescos. Afinal, como medir o tamanho dos sonhos?
A viagem não teria sido possível sem vocês. Obrigada por terem sido meu combustível.
Com carinho maior do mundo,
FML Pepper
A AUTORA
“Você já dormiu demais. Está na hora de começar a sonhar.”
Ser apaixonada por leitura não ia de encontro à minha origem. Vinda de uma família
humilde, eu não tive acesso a livros de ficção no decorrer de minha infância. Eles eram caros e
meus pais esforçavam-se por comprar os estritamente necessários (e chatos!), tais como:
matemática, física, química, etc.
Tive que deixar minha paixão pela leitura de lado e começar a trabalhar desde cedo. O
tempo se esvaía, como água entre os dedos, e não me sobravam minutos para os sonhos.
Porém, a mesma vida que me fez mudar de direção, deu uma guinada em sua trajetória e
me colocou face a face com meu antigo e fulminante amor: os Livros de Ficção, mais
especificamente, os livros infantojuvenis. Workaholic assumida, vi meu mundo ficar de cabeça
para baixo quando meu médico disse que estava grávida, mas que era uma gravidez de risco e
que teria que ficar de repouso durante os nove meses, caso realmente quisesse segurar o
bebê em meus braços. De início, achei o máximo ficar algumas semanas sem fazer nada, só
comendo besteiras e vendo todos os programas da televisão (que nunca tive a oportunidade
de assistir!). Mas, os dias foram passando e, com eles, a minha paciência se esgotando. Após
um mês deitada, comecei a ficar nervosa e estava a um passo da depressão quando meu
marido (e nas horas vagas, meu super-herói) entrou em ação. Vou me recordar até os últimos
dias de minha vida quando ele chegou em casa carregando um presente envolto num lindo
embrulho e disse com um sorriso travesso nos lábios:
"Você já dormiu demais. Está na hora de começar a sonhar."
Abri o pacote e lá estava o meu grande amor piscando para mim: um livro de ficção. E
era infantojuvenil!
Bom, dali em diante, devorei quantidades absurdas deles. Não sei se vale a pena dizer,
mas eu li quase 100 livros em menos de um ano. Loucura, não? Mas é a pura verdade. O
resto são detalhes. E aqui estou eu...
Eu adoraria ouvir seus comentários e sugestões. Envie um e-mail para:
fmlpepper@gmail.com
Se quiser saber um pouco mais sobre mim, assistir ao teaser do livro e participar de
promoções, visite o site http://www.fmlpepper.com.br ou a fanpage
https://www.facebook.com/fmlpepper
Ah! Uma última coisinha...
Quando você virar a página, o Kindle vai lhe dar a oportunidade de dizer o quanto gostou
deste livro e compartilhar seus comentários no Facebook, Twitter e Instagram. Se acredita que
o livro vale a pena, você se importaria em dizer aos seus amigos o que achou dele? Se eles
gostarem, com certeza ficarão agradecidos pela indicação. Assim como eu também. ;)
Mega beijos e até a próxima!
FML Pepper.
domingo, 10 de junho de 2018
Oração do dia 10 Palavras para afirmar a saúde perfeita.
Oração do dia 10
Palavras para afirmar a saúde perfeita.
A
vida que pulsa em mim é infinita; portanto, tenho saúde perfeita. O
amor que tenho dentro de mim é infinito; portanto, sou plenamente feliz.
A sabedoria que existe na minha mente é infinita, portanto, minha mente
é pacífica e harmoniosa. Sinto-me repleto de paz, segurança e vigor.
Vivo envolto pela vida infinita de Deus,pelo amor infinito de Deus e
pela sabedoria infinita de Deus. Agradeço a Deus por me vivificar com
Sabedoria infinita, amor infinito e vida infinita.
sábado, 9 de junho de 2018
63 - Valorização: Como manter o que você tem e receber mais - KAF NUN AYIN
63 - Valorização: Como manter o que você tem e receber mais - KAF NUN AYIN
Você descobriu que só valoriza as coisas depois que as perde!
Você olha para trás e vê que em alguns momentos de sua vida deveria ter valorizado e estimado as coisas que você perdeu?
REFLEXÂO:
Uma pergunta simples: você sente desejo de não estar com uma tremenda dor de dente?
É claro que sim.
Quem, em seu pleno juízo, deseja sentir dor de dente?
Mas, será que um instante antes de esta pergunta ter sido formulada você estava consciente deste desejo?
É claro que não! Você sabe por quê?
É porque seu desejo de não ter dor de dente estava completamente satisfeito.
Quer dizer, você não estava com dor de dente, por isso não havia necessidade de estar consciente de seu desejo inato de não ter essa dor.
Se, por outro lado, você estivesse agoniado com um abscesso no molar, rapidamente ficaria consciente do seu desejo de não ter dor de dente.
Temos muitas bênçãos em nossas vidas que preenchem nossa existência.
Entretanto, não estamos conscientes destes tesouros espirituais, porque nossa satisfação nos leva à com-placência.
Não damos o devido valor a coisas importantes.
Conseqüentemente, precisamos perdê-las para despertar nosso desejo por elas.
Lembre-se, a Luz quer nos dar tudo, mas temos que desejar.
Quando vivenciamos a dor de perder algo de que gostamos muito, um desejo aparece dentro de nós.
Existe, porém, uma maneira muito melhor de ativar todos os nossos desejos pela Luz, sem precisar perder nada.
É a valorização.
Quando valorizamos tudo verdadeiramente, sentimos como se tivéssemos tudo.
Então nos é realmente permitido ter tudo!
AÇÂO:
Valorização. Reconhecimento. Gratidão.
Estes nobres atributos são estimulados por este Nome.
Inspirado por esses atributos, você retém e desfruta de todas as bênçãos e tesouros em sua vida.
Seicho-No-Ie do Brasil - Mensagem Diária
Seicho-No-Ie do Brasil - Mensagem Diária
DIANTE DE UMA DETERMINAÇÃO JUSTA, NADA É IMPOSSÍVEL.
Uma vez que tiver determinado “Isto é bom, é preciso ser feito”, passe para a prática, com coragem, convicto de que essa é a sentença final de Deus que Se aloja dentro de você. Habitue-se a colocar em prática o que determinou, considerando que se deixar de fazê-lo prolongar-se-á o tempo de sofrimento nesta vida. Diante de uma firme determinação, todos os obstáculos desaparecem e o caminho se torna plano.
DIANTE DE UMA DETERMINAÇÃO JUSTA, NADA É IMPOSSÍVEL.
Uma vez que tiver determinado “Isto é bom, é preciso ser feito”, passe para a prática, com coragem, convicto de que essa é a sentença final de Deus que Se aloja dentro de você. Habitue-se a colocar em prática o que determinou, considerando que se deixar de fazê-lo prolongar-se-á o tempo de sofrimento nesta vida. Diante de uma firme determinação, todos os obstáculos desaparecem e o caminho se torna plano.
9º dia do mês - exercicios de concentração
9º dia do mês
1. No dia 9 do mês ocupar-se com a seguinte tarefa: concentração em elementos
maximamente distantes de sua consciência trazidos ao mais próximo dos pontos da
consciência. Isto significa que o foco consiste na transmutação de elementos
maximamente distantes em entes maximamente próximos. Esta transformação deve
ocorrer de tal forma como se sua percepção de elementos maximamente distantes de
sua consciência, bem como os pontos de maximamente próximos da consciência são
um e a mesma coisa. Esta técnica oferece-lhe a capacidade de infundir a composição
de qualquer elemento do mundo com um impulso unificador.
Assim que você puder fazer isso, você vai se tornar um adepto em manifestação. Você
então só vai precisar manter a atitude mental que tudo deve ser normal e tudo estará
normal.
É simplesmente o suficiente para fazer um desejo e as coisas vão acontecer
precisamente de acordo com seu desejo. O impulso unificador do qual falei cria um
estado mental especial. Esse estado não é inteiramente conectado com seus processos
de pensamento, porque você pode fazer isso sem pensar, ele pode simplesmente
consistir em estar em sintonia, por exemplo, o que é bom, para a criação de
harmonia. Sintonia com este estado de espírito leva em si a um desdobramento
favorável das circunstâncias.
Quero salientar que esta técnica de concentração enfatiza uma forma particular de
percepção. Esta percepção representa uma parcela especializada da sua
consciência. Você trabalha de tal maneira que funciona como eu descrevi. Este
exercício de concentração abarca aspectos mais profundos de usar sua mente para
influenciar os acontecimentos.
1. No dia 9 do mês ocupar-se com a seguinte tarefa: concentração em elementos
maximamente distantes de sua consciência trazidos ao mais próximo dos pontos da
consciência. Isto significa que o foco consiste na transmutação de elementos
maximamente distantes em entes maximamente próximos. Esta transformação deve
ocorrer de tal forma como se sua percepção de elementos maximamente distantes de
sua consciência, bem como os pontos de maximamente próximos da consciência são
um e a mesma coisa. Esta técnica oferece-lhe a capacidade de infundir a composição
de qualquer elemento do mundo com um impulso unificador.
Assim que você puder fazer isso, você vai se tornar um adepto em manifestação. Você
então só vai precisar manter a atitude mental que tudo deve ser normal e tudo estará
normal.
É simplesmente o suficiente para fazer um desejo e as coisas vão acontecer
precisamente de acordo com seu desejo. O impulso unificador do qual falei cria um
estado mental especial. Esse estado não é inteiramente conectado com seus processos
de pensamento, porque você pode fazer isso sem pensar, ele pode simplesmente
consistir em estar em sintonia, por exemplo, o que é bom, para a criação de
harmonia. Sintonia com este estado de espírito leva em si a um desdobramento
favorável das circunstâncias.
Quero salientar que esta técnica de concentração enfatiza uma forma particular de
percepção. Esta percepção representa uma parcela especializada da sua
consciência. Você trabalha de tal maneira que funciona como eu descrevi. Este
exercício de concentração abarca aspectos mais profundos de usar sua mente para
influenciar os acontecimentos.
2. Dígitos para Concentração
*Concentre-se intensamente na sequência de sete números: 1843210
*Concentre-se intensamente na sequência de nove números: 918921452
3. Quando você entender que seu mundo é uma parte muito essencial do universo, você
verá que tudo que existe na natureza, por exemplo, uma planta, uma pessoa, um animal,
cada molécula ou mesmo que ainda não foi criado - tudo isso tem uma base unificada
e divina, que segue o mecanismo de toda a criação. Quando você tiver visto uma vez,
como se cria, pode-se criar tudo e qualquer coisa.
Você chega a este ponto através das origens do seu próprio "Eu". Se você se move
através da profundidade de seu "eu", você vai ver como seu "eu" funciona e se
desenvolve em conjunto com todo o universo. Você é o mundo. Está realidade. Veja isso
com os olhos do mundo inteiro. Olhe para isto com os olhos de todo o mundo, olhar para
ele com os olhos de cada pessoa, olhar para ele com seus próprios olhos e você verá
que sua alma é o poder de sua visão. Olhe para o mundo com sua alma e você vai ver
o mundo como ele é e você vai fazer as correções que são necessárias e você vai ver o
mundo da maneira que você deve usá-lo, a fim de alcançar a vida eterna. Você
sempre saberá o caminho quando você olha para o mundo de dentro de si e de fora,
de todas as perspectivas.
(Dia 9: A distância máxima trazida ao mais perto dos pontos de consciência... ao mesmo
tempo... Parece-me que isto é o final dos 2 - pontos. E eu adoro subir com o "eu" e tomar
banho na sua presença, aos olhos do mundo inteiro. Alegria ilimitada, poder e
responsabilidade).
133 - Louise Hay
133- “Tenho um anjo da guarda especial. Estou sempre a receber orientação e proteção divina.”
CAPÍTULO 39 – 13 de maio - 4 anos depois - NAO FUJA
CAPÍTULO 39 – 13 de maio - 4 anos depois
— Bem-vinda à Holanda, Grace Andrews! — saudou-me pela segunda vez o fiscal da
barreira alfandegária após carimbar meu passaporte, trazendo-me de volta à terra. Agradeci
com um sorriso mais amarelo que a minha camiseta. Quatro anos se passaram e ainda não
me acostumara com aquele novo nome. Pior. Havia uma bola de tênis agarrada na boca do
meu estômago desde que soubera onde seria nosso encontro daquele ano.
Por que, dentre tantos lugares no mundo, meu avô decidira me encontrar logo ali?
Se meu coração já bombeava mais sangue que o normal devido à data mais aguardada
no ano, estremecia da cabeça aos pés com a incrível coincidência.
Se fosse apenas uma coincidência...
Há aproximadamente quatro anos, foi ali, em Amsterdã, onde tudo começou.
E acabou.
E recomeçou.
Amsterdã presenciou o fim daquela outra vida, o fim daquela Nina inocente e imatura. E
agora assistia ao ressurgimento de outra pessoa, determinada e resiliente.
— Praça Dam, por favor — pedi ao motorista do táxi.
Fazia calor e, presa num costumeiro engarrafamento da cidade, vi a multidão de ciclistas
cortando o nosso carro sem a menor cerimônia. Por um momento me arrependi de não ter
alugado uma bicicleta e feito o mesmo. Seria fácil com a única bagagem de mão: minha
mochila surrada. Mas meus nervos tinham vontade própria e me ordenavam a estar em
condições decentes e não fedendo a suor quando abraçasse Wangor, meu único parente vivo
e, fora Melly, a única pessoa que se importava comigo no mundo. Tentando controlar a
ansiedade a todo custo, abri a janela do carro e respirei fundo. Deixei o sol acariciar meu rosto
e aquecer minha pele e espírito congelados. O motorista não reclamou. Pelo contrário,
pareceu satisfeito em desligar o ar-condicionado do veículo e remover o casaco. Quando me
deparei com seus braços musculosos e lotados de tatuagens foi quase impossível não
compará-las às cicatrizes de Richard. Fechei os olhos por um momento e suspirei,
compreendendo o quanto eu havia ficado parecida com a pessoa que, a despeito de toda
força contrária, eu ainda amava. A diferença é que as minhas marcas eram internas, difíceis
de curar, disfarçáveis. Tatuadas na alma.
Meu celular tocou.
— Ainda faltam dez dias, Melly! — comecei ao reconhecer o número. — Estarei aí no dia
do seu aniversário. Prometo.
— Corrigindo: faltam apenas nove dias e vinte e duas horas! Não sei onde estava com a
cabeça para ter arrumado uma cigana ingrata como minha melhor amiga! — bufou ela do outro
lado da linha.
— Quem mais te aguentaria?
— Minha memória não está das melhores e esqueci a lista em casa — ela riu. — Onde
você está agora?
— Amsterdã.
— Pensei ter dito que ficaria em Versalhes.
— Pediram para que eu ciceroneasse um cliente aqui.
— Esse emprego de guia turístico que você arrumou é um horror! Estão explorando sua
boa vontade! Não para em lugar algum!
— Prefiro assim. Não saberia viver de maneira diferente, Melly.
— Eu sei. — Silêncio por um instante. De repente, soltou espevitada: — Sabe o que
encontrei num celular antigo? — e acrescentou antes que eu respondesse: — Uma foto da
nossa turma onde você estava! Foi uma que dona Nancy bateu sem querer com o meu celular!
Estava todo mundo lá, inclusive aqueles alunos de passagem meteórica pelo colégio.
Meu pulso deu um salto e me esqueci de como respirar. Era tudo que eu mais queria na
vida: uma recordação de Richard.
— T-Todos eles? — gaguejei.
— Sim... Hum... Mais ou menos.
— Como assim?
— Você acredita que os quatro estavam com as cabeças abaixadas? Inacreditável, né?
Mas estavam lá sim.
Nova apunhalada no peito. Recordei-me instantaneamente da única foto que possuía com
minha mãe e Ismael, aquela que Stela guardara como um tesouro entre as suas coisas. Ela
havia se transformado em um papel em branco, apagado pela bruxaria maldita de Von der
Hess. Não haveria nenhum registro da existência deles em minha vida.
— Nina?
Não consegui responder com a onda de desgosto que me invadia, entrando de rompante
por minha garganta adentro.
— Nina, tudo bem com você? — Melly percebeu minha reação.
— Tudo.
— Estou com saudades, amiga.
— Eu também — murmurei e tratei de melhorar meu ânimo. — Tenho novidades para lhe
contar.
— Rá! Novidades?! Cinco minutos vão sobrar se você resolver me contar tudo o que lhe
aconteceu nos últimos dois meses! — sua gargalhada foi subitamente interrompida. — Peraí!
Não acredito! Tá pegando alguém? É o Brat? Finalmente deu uma chance para o coitado?
— Não, Melly! Quantas vezes já lhe disse que o Brat é apenas um bom colega de
trabalho?
— Só porque você quer. O cara tá caidão na sua.
— Trinnnn! Fim de assunto.
— Você é um caso sem solução, Nina Scott! — reclamou. — Tem que aproveitar
enquanto ainda é gata. Depois a pele murcha e...
Encolhi de tristeza ao escutar meu verdadeiro nome. Minha melhor amiga não sabia que
Nina Scott havia morrido e dado lugar à Grace Andrews.
— Acabou, mamãe? — interrompi antes que ela resolvesse me dar seus conselhos
intermináveis e ultra sem pé nem cabeça.
— Desperdício... — escutei seu resmungar baixinho, mas acatou meu pedido. — Vê se
chega antes, tá? As aulas acabam na sexta-feira.
— Uau! Dra. Melanie Baylor! Minha melhor amiga será uma advogada!
— Pra te livrar da garra desses patrões escravocratas!
Foi a minha vez de gargalhar alto. Eu amava Melly do fundo do meu coração. Só ela
conseguia a façanha de me deixar leve daquele jeito.
— Chegamos — avisou o motorista.
— Vou ter que desligar.
— Êpa! Que voz máscula é essa aí?
— Melly, você vive no cio!
— Talvez — escutei sua risadinha ao fundo. — Tchau.
— Até, amiga!
Quando dei por mim, fui surpreendida por novo jorro de emoção. Minha vida havia se
transformado, eu não era mais a Nina e, ainda assim, naquele piscar de olhos, os quatro anos
de luto e recordações se desintegraram diante de mim. Tudo parecia ter voltado no tempo e
acontecido no dia anterior. Olhei pela janela da Mercedes prata e um show de malabarismos
com facas, semelhante ao que eu havia presenciado no dia onde tudo começou, desenrolavase
bem à minha frente. Engoli em seco, paguei e saí do carro com o coração trepidando como
uma britadeira enlouquecida dentro do peito. Virei o rosto e acelerei as passadas, sem
coragem de assistir ao espetáculo em andamento. Senti-me covarde ao perceber que ainda
não conseguia encarar meu passado e caminhei em direção oposta. Olhei ao redor, conferi as
horas e estranhei. Como nos anos anteriores, Wangor já deveria estar me aguardando com
seu largo sorriso no rosto. O programado seria ele me encontrar na parte da manhã para
podermos passar mais tempo juntos e, por questões de segurança, meu avô retornaria a Zyrk
ainda no mesmo dia. Chequei mais uma vez as redondezas, mas nada.
E esperei.
Esperei.
Já passava do meio-dia e as horas começavam a exterminar meus nervos. Comecei a
imaginar possíveis respostas para aquele atraso. Seria mesmo a Praça Dam a que ele havia
se referido? Teria acontecido algum problema de última hora e não teve como enviar Zymir,
o único a quem confiara seu esquema, para me avisar? E a possibilidade que me
atormentava: Teria acontecido algo sério com ele?
A tarde veio ao meu encontro carregando o sentimento de desesperança em seus
braços: nem sinal de Wangor! Logo anoiteceria e eu não poderia mais ficar ali. As instáveis
horas por vezes pareciam voar como centésimos de segundos, noutras arrastavam-se como
séculos. Minhas mãos suavam de aflição, meu estômago se contraía em agonia pela espera
interminável. Sem saber o que fazer para controlar meu crescente nervosismo, resolvi andar a
esmo pela Praça Dam. Checando cada pessoa que surgia, caminhei de um lado para o outro,
fazendo repetitivos círculos ao redor dos amontoados de pessoas.
O tempo passava e, com ele, minhas últimas gotas de otimismo eram cruelmente
aniquiladas. O sol se inclinava no horizonte e o número de pessoas caía rapidamente. Em
poucos minutos teria que ir embora e levar novo peso na mochila: decepção. Um sopro gelado
atingiu minha nuca e meu corpo arrepiou por inteiro. Instintivamente meus olhos se arregalaram
e eu me virei, na expectativa de que o calafrio fosse a anunciação da chegada de meu avô.
Ou de algum zirquiniano!
Apesar de Leila me alertar para a perigosa presença dos zirquinianos, ainda não entendia
o porquê de ter me deparado com muito poucos deles desde que retornara da terceira
dimensão. Teria perdido minha capacidade receptiva ou era “a morte” que passava longe de
mim desde então? Obrigava-me a pensar de maneira otimista. Uma delgada capa de fé
afirmava que agora eu trilhava um caminho de luz, de vida.
Olhei ao redor e me encolhi com a real constatação: nuvens negras no céu! O vento frio
era sinal de uma tempestade a caminho, e não de algum zirquiniano por perto. Saquei meu
casaco da mochila e, segurando a dor em meu peito a todo custo, aguardei mais um pouco.
Com exceção do show de facas que continuava a arrancar gritos de delírio da pequena roda
de espectadores, as pessoas se dispersavam rapidamente e a praça, assim como a minha
esperança, tornara-se um vazio.
Respirei fundo e tomei uma decisão: se ia seguir em frente, ao menos eu teria de
enfrentar meus fantasmas do passado. Com as passadas incertas e as mãos trêmulas,
caminhei até a parte de fora da única roda de pessoas. Você consegue, Nina! Abri caminho
por entre o pequeno amontoado de gente e me aproximei do artista em exibição.
Zooomp! Zooomp! O gemido surdo do ar sendo apunhalado. Fragmentado. Zooomp! O
artista de rua em uma assustadora exibição com facas voadoras. Seu olhar concentrado
ficando estranho, aéreo talvez.
Aquela situação estava mesmo acontecendo? De novo?!
As cintilantes facas se movimentando com incrível rapidez. O homem se aproximando de
mim. Zooomp! As lâminas afiadas se chocando, produzindo hipnóticas faíscas e gritos de
delírio. O exibicionista se aproximando mais ainda. Novo arrepio frio e meu coração deu um
salto mortal dentro do peito.
Céus! Não podia ser...
A atmosfera cinza, o inebriante tilintar e brilho das facas, o burburinho de excitação das
pessoas e... meu cérebro processando as imagens com enorme dificuldade. As letais facas
cada vez mais perto. O calafrio ficando ainda mais intenso. Meu estado de transe subitamente
interrompido pela crescente excitação, pelo meu coração bombeando sangue demais. O
calafrio aumentando vertiginosamente. Após quatro anos de abstinência, era a primeira vez
que eu o experimentava com tamanha intensidade e meu corpo reagia com desejo arrasador,
vibrando em antecipação ao que aconteceria em seguida. Fechei os olhos e, instintivamente,
lancei-me ao chão. Mas a voz grave que esperava ardentemente ouvir simplesmente não
apareceu. Aquela que me salvaria do punhal que em seguida se desprenderia das mãos do
artista de rua e que passaria de raspão pelo meu pescoço fora substituída por aplausos e
gritos eufóricos.
Aturdida demais para me levantar, reabri os olhos. Os animados espectadores mal
notaram minha estranha reação. Voltei a mim e novamente senti o gosto azedo da decepção
arder na boca. Os arrepios continuavam a queimar minha pele e então entendi: eu havia
sonhado acordada! Transformara o vento gelado no calafrio que tanto ansiava tornar a
experimentar, naquele que fervia de prazer cada célula do meu corpo. Desesperada em reviver
um mínimo momento com Rick, minha mente se utilizara de um truque ardiloso. Ela sabia que
seu rosto perfeito começava a ser apagado de minhas lembranças. Em breve, não apenas
Richard, mas as pessoas que deram suas vidas por mim, Zyrk e toda a minha história
fantástica se transformariam em uma miragem distante, um amontoado de fantasmas de um
passado que se transformariam em pó e seriam levados pelo vento que carrega o tempo e a
vida.
Fiquei ali, imóvel, sentindo o vento e as gotas da chuva atingir o meu rosto febril e
disfarçar as lágrimas que rolavam por minha face e fé arruinadas. Não havia mais Wangor ou
recordações. Não me restara nada no mundo e, em alguns anos, também não sobraria nada
na minha mente. Abaixei a cabeça e, não sei por quanto tempo, fiquei ali, entregue ao meu
turbilhão de emoções. Deixei a chuva lavar meu espírito e recobrar meu ânimo. Novas rajadas
de vento fizeram meu corpo tremer de frio, mas foi minha mente que estremeceu de terror com
uma ideia:
Talvez aquilo fosse uma despedida!
Talvez fosse a forma de Wangor deixar claro que eu já estava forte o suficiente para
continuar a viagem com minhas próprias pernas, que era hora de partir e não olhar mais para
trás. Com todos os portais vigiados e a impossibilidade de entrar em Zyrk, talvez fosse o
momento de aceitar a despedida e, simplesmente, esquecer a terceira dimensão para sempre.
Novas reclamações bradadas. Correria. Os chuviscos repentinamente se transformaram
em chuva grossa que despencava com violência sobre nossas cabeças. As pessoas
abandonavam o show às pressas em sua procura desordenada por abrigos improvisados.
Foram os uivos nervosos do vento que me alertaram para o estranho fato que acabava de
acontecer: o intenso calafrio melhorava à medida que as pessoas se afastavam de mim.
Por que aquilo acontecia se a ventania piorara e a temperatura havia caído
consideravelmente?
A resposta inesperada vibrou dentro de mim, e, sem compreender minha reação, eu já
estava correndo.
— Bem-vinda à Holanda, Grace Andrews! — saudou-me pela segunda vez o fiscal da
barreira alfandegária após carimbar meu passaporte, trazendo-me de volta à terra. Agradeci
com um sorriso mais amarelo que a minha camiseta. Quatro anos se passaram e ainda não
me acostumara com aquele novo nome. Pior. Havia uma bola de tênis agarrada na boca do
meu estômago desde que soubera onde seria nosso encontro daquele ano.
Por que, dentre tantos lugares no mundo, meu avô decidira me encontrar logo ali?
Se meu coração já bombeava mais sangue que o normal devido à data mais aguardada
no ano, estremecia da cabeça aos pés com a incrível coincidência.
Se fosse apenas uma coincidência...
Há aproximadamente quatro anos, foi ali, em Amsterdã, onde tudo começou.
E acabou.
E recomeçou.
Amsterdã presenciou o fim daquela outra vida, o fim daquela Nina inocente e imatura. E
agora assistia ao ressurgimento de outra pessoa, determinada e resiliente.
— Praça Dam, por favor — pedi ao motorista do táxi.
Fazia calor e, presa num costumeiro engarrafamento da cidade, vi a multidão de ciclistas
cortando o nosso carro sem a menor cerimônia. Por um momento me arrependi de não ter
alugado uma bicicleta e feito o mesmo. Seria fácil com a única bagagem de mão: minha
mochila surrada. Mas meus nervos tinham vontade própria e me ordenavam a estar em
condições decentes e não fedendo a suor quando abraçasse Wangor, meu único parente vivo
e, fora Melly, a única pessoa que se importava comigo no mundo. Tentando controlar a
ansiedade a todo custo, abri a janela do carro e respirei fundo. Deixei o sol acariciar meu rosto
e aquecer minha pele e espírito congelados. O motorista não reclamou. Pelo contrário,
pareceu satisfeito em desligar o ar-condicionado do veículo e remover o casaco. Quando me
deparei com seus braços musculosos e lotados de tatuagens foi quase impossível não
compará-las às cicatrizes de Richard. Fechei os olhos por um momento e suspirei,
compreendendo o quanto eu havia ficado parecida com a pessoa que, a despeito de toda
força contrária, eu ainda amava. A diferença é que as minhas marcas eram internas, difíceis
de curar, disfarçáveis. Tatuadas na alma.
Meu celular tocou.
— Ainda faltam dez dias, Melly! — comecei ao reconhecer o número. — Estarei aí no dia
do seu aniversário. Prometo.
— Corrigindo: faltam apenas nove dias e vinte e duas horas! Não sei onde estava com a
cabeça para ter arrumado uma cigana ingrata como minha melhor amiga! — bufou ela do outro
lado da linha.
— Quem mais te aguentaria?
— Minha memória não está das melhores e esqueci a lista em casa — ela riu. — Onde
você está agora?
— Amsterdã.
— Pensei ter dito que ficaria em Versalhes.
— Pediram para que eu ciceroneasse um cliente aqui.
— Esse emprego de guia turístico que você arrumou é um horror! Estão explorando sua
boa vontade! Não para em lugar algum!
— Prefiro assim. Não saberia viver de maneira diferente, Melly.
— Eu sei. — Silêncio por um instante. De repente, soltou espevitada: — Sabe o que
encontrei num celular antigo? — e acrescentou antes que eu respondesse: — Uma foto da
nossa turma onde você estava! Foi uma que dona Nancy bateu sem querer com o meu celular!
Estava todo mundo lá, inclusive aqueles alunos de passagem meteórica pelo colégio.
Meu pulso deu um salto e me esqueci de como respirar. Era tudo que eu mais queria na
vida: uma recordação de Richard.
— T-Todos eles? — gaguejei.
— Sim... Hum... Mais ou menos.
— Como assim?
— Você acredita que os quatro estavam com as cabeças abaixadas? Inacreditável, né?
Mas estavam lá sim.
Nova apunhalada no peito. Recordei-me instantaneamente da única foto que possuía com
minha mãe e Ismael, aquela que Stela guardara como um tesouro entre as suas coisas. Ela
havia se transformado em um papel em branco, apagado pela bruxaria maldita de Von der
Hess. Não haveria nenhum registro da existência deles em minha vida.
— Nina?
Não consegui responder com a onda de desgosto que me invadia, entrando de rompante
por minha garganta adentro.
— Nina, tudo bem com você? — Melly percebeu minha reação.
— Tudo.
— Estou com saudades, amiga.
— Eu também — murmurei e tratei de melhorar meu ânimo. — Tenho novidades para lhe
contar.
— Rá! Novidades?! Cinco minutos vão sobrar se você resolver me contar tudo o que lhe
aconteceu nos últimos dois meses! — sua gargalhada foi subitamente interrompida. — Peraí!
Não acredito! Tá pegando alguém? É o Brat? Finalmente deu uma chance para o coitado?
— Não, Melly! Quantas vezes já lhe disse que o Brat é apenas um bom colega de
trabalho?
— Só porque você quer. O cara tá caidão na sua.
— Trinnnn! Fim de assunto.
— Você é um caso sem solução, Nina Scott! — reclamou. — Tem que aproveitar
enquanto ainda é gata. Depois a pele murcha e...
Encolhi de tristeza ao escutar meu verdadeiro nome. Minha melhor amiga não sabia que
Nina Scott havia morrido e dado lugar à Grace Andrews.
— Acabou, mamãe? — interrompi antes que ela resolvesse me dar seus conselhos
intermináveis e ultra sem pé nem cabeça.
— Desperdício... — escutei seu resmungar baixinho, mas acatou meu pedido. — Vê se
chega antes, tá? As aulas acabam na sexta-feira.
— Uau! Dra. Melanie Baylor! Minha melhor amiga será uma advogada!
— Pra te livrar da garra desses patrões escravocratas!
Foi a minha vez de gargalhar alto. Eu amava Melly do fundo do meu coração. Só ela
conseguia a façanha de me deixar leve daquele jeito.
— Chegamos — avisou o motorista.
— Vou ter que desligar.
— Êpa! Que voz máscula é essa aí?
— Melly, você vive no cio!
— Talvez — escutei sua risadinha ao fundo. — Tchau.
— Até, amiga!
Quando dei por mim, fui surpreendida por novo jorro de emoção. Minha vida havia se
transformado, eu não era mais a Nina e, ainda assim, naquele piscar de olhos, os quatro anos
de luto e recordações se desintegraram diante de mim. Tudo parecia ter voltado no tempo e
acontecido no dia anterior. Olhei pela janela da Mercedes prata e um show de malabarismos
com facas, semelhante ao que eu havia presenciado no dia onde tudo começou, desenrolavase
bem à minha frente. Engoli em seco, paguei e saí do carro com o coração trepidando como
uma britadeira enlouquecida dentro do peito. Virei o rosto e acelerei as passadas, sem
coragem de assistir ao espetáculo em andamento. Senti-me covarde ao perceber que ainda
não conseguia encarar meu passado e caminhei em direção oposta. Olhei ao redor, conferi as
horas e estranhei. Como nos anos anteriores, Wangor já deveria estar me aguardando com
seu largo sorriso no rosto. O programado seria ele me encontrar na parte da manhã para
podermos passar mais tempo juntos e, por questões de segurança, meu avô retornaria a Zyrk
ainda no mesmo dia. Chequei mais uma vez as redondezas, mas nada.
E esperei.
Esperei.
Já passava do meio-dia e as horas começavam a exterminar meus nervos. Comecei a
imaginar possíveis respostas para aquele atraso. Seria mesmo a Praça Dam a que ele havia
se referido? Teria acontecido algum problema de última hora e não teve como enviar Zymir,
o único a quem confiara seu esquema, para me avisar? E a possibilidade que me
atormentava: Teria acontecido algo sério com ele?
A tarde veio ao meu encontro carregando o sentimento de desesperança em seus
braços: nem sinal de Wangor! Logo anoiteceria e eu não poderia mais ficar ali. As instáveis
horas por vezes pareciam voar como centésimos de segundos, noutras arrastavam-se como
séculos. Minhas mãos suavam de aflição, meu estômago se contraía em agonia pela espera
interminável. Sem saber o que fazer para controlar meu crescente nervosismo, resolvi andar a
esmo pela Praça Dam. Checando cada pessoa que surgia, caminhei de um lado para o outro,
fazendo repetitivos círculos ao redor dos amontoados de pessoas.
O tempo passava e, com ele, minhas últimas gotas de otimismo eram cruelmente
aniquiladas. O sol se inclinava no horizonte e o número de pessoas caía rapidamente. Em
poucos minutos teria que ir embora e levar novo peso na mochila: decepção. Um sopro gelado
atingiu minha nuca e meu corpo arrepiou por inteiro. Instintivamente meus olhos se arregalaram
e eu me virei, na expectativa de que o calafrio fosse a anunciação da chegada de meu avô.
Ou de algum zirquiniano!
Apesar de Leila me alertar para a perigosa presença dos zirquinianos, ainda não entendia
o porquê de ter me deparado com muito poucos deles desde que retornara da terceira
dimensão. Teria perdido minha capacidade receptiva ou era “a morte” que passava longe de
mim desde então? Obrigava-me a pensar de maneira otimista. Uma delgada capa de fé
afirmava que agora eu trilhava um caminho de luz, de vida.
Olhei ao redor e me encolhi com a real constatação: nuvens negras no céu! O vento frio
era sinal de uma tempestade a caminho, e não de algum zirquiniano por perto. Saquei meu
casaco da mochila e, segurando a dor em meu peito a todo custo, aguardei mais um pouco.
Com exceção do show de facas que continuava a arrancar gritos de delírio da pequena roda
de espectadores, as pessoas se dispersavam rapidamente e a praça, assim como a minha
esperança, tornara-se um vazio.
Respirei fundo e tomei uma decisão: se ia seguir em frente, ao menos eu teria de
enfrentar meus fantasmas do passado. Com as passadas incertas e as mãos trêmulas,
caminhei até a parte de fora da única roda de pessoas. Você consegue, Nina! Abri caminho
por entre o pequeno amontoado de gente e me aproximei do artista em exibição.
Zooomp! Zooomp! O gemido surdo do ar sendo apunhalado. Fragmentado. Zooomp! O
artista de rua em uma assustadora exibição com facas voadoras. Seu olhar concentrado
ficando estranho, aéreo talvez.
Aquela situação estava mesmo acontecendo? De novo?!
As cintilantes facas se movimentando com incrível rapidez. O homem se aproximando de
mim. Zooomp! As lâminas afiadas se chocando, produzindo hipnóticas faíscas e gritos de
delírio. O exibicionista se aproximando mais ainda. Novo arrepio frio e meu coração deu um
salto mortal dentro do peito.
Céus! Não podia ser...
A atmosfera cinza, o inebriante tilintar e brilho das facas, o burburinho de excitação das
pessoas e... meu cérebro processando as imagens com enorme dificuldade. As letais facas
cada vez mais perto. O calafrio ficando ainda mais intenso. Meu estado de transe subitamente
interrompido pela crescente excitação, pelo meu coração bombeando sangue demais. O
calafrio aumentando vertiginosamente. Após quatro anos de abstinência, era a primeira vez
que eu o experimentava com tamanha intensidade e meu corpo reagia com desejo arrasador,
vibrando em antecipação ao que aconteceria em seguida. Fechei os olhos e, instintivamente,
lancei-me ao chão. Mas a voz grave que esperava ardentemente ouvir simplesmente não
apareceu. Aquela que me salvaria do punhal que em seguida se desprenderia das mãos do
artista de rua e que passaria de raspão pelo meu pescoço fora substituída por aplausos e
gritos eufóricos.
Aturdida demais para me levantar, reabri os olhos. Os animados espectadores mal
notaram minha estranha reação. Voltei a mim e novamente senti o gosto azedo da decepção
arder na boca. Os arrepios continuavam a queimar minha pele e então entendi: eu havia
sonhado acordada! Transformara o vento gelado no calafrio que tanto ansiava tornar a
experimentar, naquele que fervia de prazer cada célula do meu corpo. Desesperada em reviver
um mínimo momento com Rick, minha mente se utilizara de um truque ardiloso. Ela sabia que
seu rosto perfeito começava a ser apagado de minhas lembranças. Em breve, não apenas
Richard, mas as pessoas que deram suas vidas por mim, Zyrk e toda a minha história
fantástica se transformariam em uma miragem distante, um amontoado de fantasmas de um
passado que se transformariam em pó e seriam levados pelo vento que carrega o tempo e a
vida.
Fiquei ali, imóvel, sentindo o vento e as gotas da chuva atingir o meu rosto febril e
disfarçar as lágrimas que rolavam por minha face e fé arruinadas. Não havia mais Wangor ou
recordações. Não me restara nada no mundo e, em alguns anos, também não sobraria nada
na minha mente. Abaixei a cabeça e, não sei por quanto tempo, fiquei ali, entregue ao meu
turbilhão de emoções. Deixei a chuva lavar meu espírito e recobrar meu ânimo. Novas rajadas
de vento fizeram meu corpo tremer de frio, mas foi minha mente que estremeceu de terror com
uma ideia:
Talvez aquilo fosse uma despedida!
Talvez fosse a forma de Wangor deixar claro que eu já estava forte o suficiente para
continuar a viagem com minhas próprias pernas, que era hora de partir e não olhar mais para
trás. Com todos os portais vigiados e a impossibilidade de entrar em Zyrk, talvez fosse o
momento de aceitar a despedida e, simplesmente, esquecer a terceira dimensão para sempre.
Novas reclamações bradadas. Correria. Os chuviscos repentinamente se transformaram
em chuva grossa que despencava com violência sobre nossas cabeças. As pessoas
abandonavam o show às pressas em sua procura desordenada por abrigos improvisados.
Foram os uivos nervosos do vento que me alertaram para o estranho fato que acabava de
acontecer: o intenso calafrio melhorava à medida que as pessoas se afastavam de mim.
Por que aquilo acontecia se a ventania piorara e a temperatura havia caído
consideravelmente?
A resposta inesperada vibrou dentro de mim, e, sem compreender minha reação, eu já
estava correndo.
Oração do dia 9 Palavras para afirmar a própria grandiosidade.
Oração do dia 9
Palavras para afirmar a própria grandiosidade.
Dentro
de mim existe o Universo imenso, ilimitado. Sou mais grandioso do que
as estrelas que contemplo numa noite de céu límpido. Percebo que sou
dotado de singular capacidade para entender as estrelas. Sou superior às
estrelas que brilham no céu, pois, além de compreendê-las, compreendo a
mim mesmo. Sou um ser criado à imagem de Deus, que habita no reino dos
céus. Sou um ser grandioso que caminha a passos largos pelo espaço
sideral. Sou aquele que, tal como o Senhor do Universo, caminha na
eternidade. Possuo mente, por isso domino o mundo. Neste momento, dou o
primeiro passo como comandante de minhas próprias obras. Sou superior às
estrelas; portanto, igualo-me à força que criou este mundo. Sim, sou um
com a Força que criou o mundo. Vivo como um ser grandioso,
transcendendo todos os temores, fraquezas e mesquinharias. Sou um ser
superior às estrelas. Tenho a convicção de que Deus, que criou e
sustenta o Universo, me protege e me dá toda a segurança. Por isso,
minha alma é tranqüila. Realmente, sou um com o Criador do céu e da
terra. Agradeço,de todo o coração, a Deus-Pai.
sexta-feira, 8 de junho de 2018
32 - Memórias: Quebrando o ciclo - KAF SHIN RESH
32 - Memórias: Quebrando o ciclo - KAF SHIN RESH
Termine o que começou a sempre que tiver vontade que tive de desistir...
REFLEXÂO:
Quando cometemos algum erro muito grande na vida, e acabamos pagando caro por isto, prometemos nunca mais repeti-lo.
Aprendemos a lição, dizemos a nós mesmos.
À medida que o tempo passa, entretanto, a dor do nosso erro gradualmente desaparece e logo esquecemos o preço que pagamos.
De acordo com a Cabala, a oportunidade de repetir o mesmo erro inevitavelmente ressurge, mas de uma maneira levemente diferente, talvez em uma outra circunstância ou com alguma outra pessoa.
O problema por trás, no entanto, é o mesmo.
Somos obrigados a enfrentá-lo repetidas vezes até que tenhamos internalizado a lição e removido a característica negativa que originalmente nos levou ao equívoco.
Cada vez que repetimos o mesmo erro, a dor e o preço a pagar aumentam.
AÇÂO:
O poder da memória desperta dentro de nossa consciência.
As lições da vida são profundamente interiorizadas dentro do nosso ser, incluído as lições de sabedoria que preenche as próprias páginas deste site.
Este Nome também remove lembranças negativas e ativa a capacidade de memória.
Seicho-No-Ie do Brasil - Mensagem Diária
Seicho-No-Ie do Brasil - Mensagem Diária
NESTA VIDA, NADA SE RESOLVE FUGINDO DOS PROBLEMAS.
Pare de pensar em fugir das dificuldades. Fugir das dificuldades não é um meio de se livrar do sofrimento; pelo contrário, tal atitude só contribui para prolongar o sofrimento. É preciso ter atitude oposta, isto é, estar disposto a enfrentar os problemas. Qualquer dificuldade pode ser transformada em prazer ou satisfação quando enfrentada com determinação.
NESTA VIDA, NADA SE RESOLVE FUGINDO DOS PROBLEMAS.
Pare de pensar em fugir das dificuldades. Fugir das dificuldades não é um meio de se livrar do sofrimento; pelo contrário, tal atitude só contribui para prolongar o sofrimento. É preciso ter atitude oposta, isto é, estar disposto a enfrentar os problemas. Qualquer dificuldade pode ser transformada em prazer ou satisfação quando enfrentada com determinação.
8º dia do mês - Exercícios de concentração
8º dia do mês
1. Neste dia você vai aprender a se manifestar, enquanto você se concentrar em uma
sequência de eventos. Imagine que você está sentado no oceano olhando para um
barco de pesca passando rapidamente. Na frente do barco a água é calma: por trás
dele há ondas. As ondas são um resultado da ação do barco. Vamos olhar para uma
folha de uma árvore em crescimento. Esta folha pode também ser considerada como
um resultado da existência da árvore. Nuvens aparecem e as primeiras gotas de chuva
caíram na terra. As gotas de chuva podem ser vistas como um resultado da existência
das nuvens.
Há exemplos semelhantes ao seu redor em grande número. Pegue qualquer fenômeno e
concentre-se sobre as consequências que ele produz. Ao fazer isso, mantenha o seu
evento desejado em sua consciência - e isso vai acontecer! Este método é muito
eficaz. Com sua ajuda você também pode alterar eventos passados.
2. Dígitos para Concentração
*Concentre-se intensamente na sequência de sete números: 1543218
*Concentre-se intensamente na sequência de nove números: 984301267
3. Você percebe que o movimento infinito dentro da lemniscata do número 8 se
conecta com os mundos, o que você encontrou durante os últimos 7 dias. E quando
você ligar o seu mundo com todos os mundos, você vai notar que você tem alegria,
tanto em sua alma como o mundo é diverso. Se você tomar em cada partícula do
mundo como uma forma geral de alegria, você vai ver que a alegria é eterna, como
graça é eterna e você pode levantar as mãos para receber a bênção de Deus, como
ele chama você para a eternidade.
Veja eternidade onde ela está. Veja a eternidade onde não é. Veja eternidade onde
sempre foi e você se tornará um Criador da eternidade lá onde ele escapa aos olhos do
outro. Quando você já viu a eternidade e tê-la criado, você a terá para sempre eterna
em tudo, em qualquer eternidade e qualquer mundo.
Você é o Criador, na forma e imagem de Deus, e assim que você criou por toda a
eternidade. Ao criar a eternidade você irá criar a si mesmo. Ao criar-se, criar a
eternidade, assim como a eternidade pode criar o outro e como o Criador criou tudo ao
mesmo tempo.
(Reflexões sobre o dia 8... Talvez seja mais indicado como uma pergunta... Quando se
sugere que ao olhar para "sequência" também podemos mudar os acontecimentos
passados, então estamos essencialmente e energicamente, reescrevendo a história ao
vê-la no contexto? Sabemos que a história é escrita pelos vencedores. Neste caso,
reescrevê-la, vendo os acontecimentos através de uma lente mais simpática... (talvez)
que nos permita ver e sentir um ou mais eventos de uma forma mais harmoniosa. Junte
isso com a procura de alegria e vamos encontrá-la... Então, o poder que existe em
reescrever nossas histórias, a fim de permitir uma, mais cheia momentos de alegria, dia,
ano e no fato da eternidade).
1. Neste dia você vai aprender a se manifestar, enquanto você se concentrar em uma
sequência de eventos. Imagine que você está sentado no oceano olhando para um
barco de pesca passando rapidamente. Na frente do barco a água é calma: por trás
dele há ondas. As ondas são um resultado da ação do barco. Vamos olhar para uma
folha de uma árvore em crescimento. Esta folha pode também ser considerada como
um resultado da existência da árvore. Nuvens aparecem e as primeiras gotas de chuva
caíram na terra. As gotas de chuva podem ser vistas como um resultado da existência
das nuvens.
Há exemplos semelhantes ao seu redor em grande número. Pegue qualquer fenômeno e
concentre-se sobre as consequências que ele produz. Ao fazer isso, mantenha o seu
evento desejado em sua consciência - e isso vai acontecer! Este método é muito
eficaz. Com sua ajuda você também pode alterar eventos passados.
2. Dígitos para Concentração
*Concentre-se intensamente na sequência de sete números: 1543218
*Concentre-se intensamente na sequência de nove números: 984301267
3. Você percebe que o movimento infinito dentro da lemniscata do número 8 se
conecta com os mundos, o que você encontrou durante os últimos 7 dias. E quando
você ligar o seu mundo com todos os mundos, você vai notar que você tem alegria,
tanto em sua alma como o mundo é diverso. Se você tomar em cada partícula do
mundo como uma forma geral de alegria, você vai ver que a alegria é eterna, como
graça é eterna e você pode levantar as mãos para receber a bênção de Deus, como
ele chama você para a eternidade.
Veja eternidade onde ela está. Veja a eternidade onde não é. Veja eternidade onde
sempre foi e você se tornará um Criador da eternidade lá onde ele escapa aos olhos do
outro. Quando você já viu a eternidade e tê-la criado, você a terá para sempre eterna
em tudo, em qualquer eternidade e qualquer mundo.
Você é o Criador, na forma e imagem de Deus, e assim que você criou por toda a
eternidade. Ao criar a eternidade você irá criar a si mesmo. Ao criar-se, criar a
eternidade, assim como a eternidade pode criar o outro e como o Criador criou tudo ao
mesmo tempo.
(Reflexões sobre o dia 8... Talvez seja mais indicado como uma pergunta... Quando se
sugere que ao olhar para "sequência" também podemos mudar os acontecimentos
passados, então estamos essencialmente e energicamente, reescrevendo a história ao
vê-la no contexto? Sabemos que a história é escrita pelos vencedores. Neste caso,
reescrevê-la, vendo os acontecimentos através de uma lente mais simpática... (talvez)
que nos permita ver e sentir um ou mais eventos de uma forma mais harmoniosa. Junte
isso com a procura de alegria e vamos encontrá-la... Então, o poder que existe em
reescrever nossas histórias, a fim de permitir uma, mais cheia momentos de alegria, dia,
ano e no fato da eternidade).
132 - Louise Hay
132- “Faço com amor tudo o que posso para ajudar o meu corpo a manter uma saúde perfeita.
CAPÍTULO 38 - Nãi fuja
CAPÍTULO 38
— Meu Deus! Olhe! Ela está acordando, enfermeira! — Aquela voz espevitada parecia
pertencer a um sonho distante...
Melly?!
— Fique de olho nela. Vou chamar a doutora.
Tentei me mexer, mas meu corpo parecia feito de chumbo. Tudo que consegui foi abrir os
olhos.
— Finalmente, esquisita! — As sardas de Melly entravam em foco e me saudavam.
— Melly?! Eu estou viva? — indaguei num misto de surpresa e atordoamento. Fiz uma
rápida varredura ao redor. O ambiente gelado e branco, os bips de uma máquina ligada ao
lado da minha cabeça e os fios saindo de diversas partes do meu corpo confirmavam se tratar
de um quarto de hospital.
— V-Você se lembra de mim? — ela gaguejou, os olhos brilhantes atrás das lágrimas.
Ela parecia ainda mais ruiva do que me recordava.
— Claro! Que eu me lembre, não tinha outra amiga tão impossível quanto você —
brinquei para disfarçar a emoção que me tomava.
— Ah, Nina! — Melly me abraçou com força e júbilo.
— Ai! — senti uma fisgada no braço esquerdo. Ela havia repuxado uma sonda ao se
debruçar sobre mim.
— Desculpe! É que eu estou tão...
— Eu também — consegui segurar sua mão e sorri.
— Graças a Deus! Todos tinham receio de que perderia a memória depois de tanto
tempo e... — Melly estava emotiva.
— Há quanto tempo estou aqui?
— Acho que era para a médica ter essa conversa com você e... — ela se esquivou.
— Quanto tempo, Melly? — insisti. Precisava entender até onde ia aquela farsa.
— Mais de três meses. Desde o acidente no teatro — ela remexia os dedos sem parar,
visivelmente desconfortável por tocar no assunto. — Você se lembra?
— Mais ou menos — menti.
Como eu estaria há tanto tempo ali se havia passado os últimos dois meses refém de
zirquinianos? Não podia lhe contar a fantástica história porque na certa ela acharia que minha
razão havia sido seriamente comprometida. Ao mesmo tempo, eu não podia ser forçada a
apagar de minha mente a fase mais vibrante da minha vida ou aceitar que tivesse sido apenas
uma alucinação. Respirei fundo.
— Não precisa ficar assim. Eu sei que minha mãe morreu, Melly. Eu me recordo.
— Ah, Nina! Eu sinto muito mesmo por isso. Tenho colocado flores no túmulo da Dona
Stela.
Um nó se formou em minha garganta e segurei a lágrima ao me recordar do lugar
próximo às Dunas de Vento onde de fato estava enterrado o corpo de minha mãe.
— Eles me chamaram hoje aqui porque disseram que pretendiam retirá-la do coma
induzido e... — Melly se encolheu.
— Coma?
— Sim.
— Você esteve comigo nas outras vezes, Melly? — Minha ansiedade e interrogatório
cresciam de mãos dadas com meus batimentos cardíacos. — Você me viu?
— Perdi as contas do número de vezes que vim te visitar, mas eles só me deixavam ver
você através daquele vidro embaçado da unidade de tratamento intensivo. Diziam que seu
caso era muito grave e que eu não podia atestar que era amiga da família etc. Papai disse
nunca ter visto um hospital com tanta burocracia! Pensou até em abrir um processo para
remover você daqui, mas aí, há duas semanas, recebemos uma ligação que você havia saído
do CTI e que já poderia receber visitas no quarto.
— Então, enquanto eu estava no CTI, você nunca me viu pra valer?
— Eu vi sim! — Melly retrucou, repuxou os lábios, e acabou confessando o que seria o
bálsamo para a minha lógica em frangalhos: — Quer dizer, mais ou menos. Você ficava no
boxe mais distante e estava sempre coberta, mas eu vi seus cabelos e...
Tive de segurar o sorriso que ameaçou escapar, no alívio em saber que não havia
delirado e, ao mesmo tempo, na surpresa em ver que algum zirquiniano aprendera a arte do
disfarce com a minha mãe. Melly achou ter me visto, mas eles a tinham enganado colocando
alguém ou algum manequim com os cabelos semelhantes ao meu no lugar. Eles sabiam que eu
não tinha família e que ninguém procuraria por mim, a não ser algum amigo ou repórter atrás
de matérias sensacionalistas na época do acidente.
— Tenho tanta fofoca pra te contar, amiga. Sabe quem a pescoçuda da Clarice está
namorando? — Melly mudou o rumo da conversa, apimentando-a como sempre, e, pra variar,
respondeu sem me dar chances de qualquer palpite: — O Phil! — soltou com a voz
esganiçada. — Você sabia que o Phil sofreu um acidente de carro terrível? Ops! Foi mal! É
claro que não! Você estava aqui... — soltou sem graça. Mordi os lábios e segurei a
gargalhada. Melly continuava a mesma figura ímpar, sem nunca me deixar responder e falando
sempre por nós duas. — Só pode ter sido por isso! O coitado deve ter batido muito forte com
a cabeça para querer namorar aquela mocreia orelhuda. — E continuava emendando uma
frase na outra. — Ele quase morreu. O negócio foi sério, sabe? Você precisa ver a cara
inchada dele nas fotos do anuário do colégio. Parecia uma tartaruga com caxumba! —
gargalhou. — Fiquei arrasada por você não estar na foto da turma, amiga.
— Eu também — disse com uma pontada de tristeza. Teria sido muito bom guardar uma
recordação de algo normal do meu passado. Uma recordação de Melly e todos os demais
colegas. Não consegui segurar a pergunta que me alfinetava: — Só eu não participei das
fotos?
— Só — ela soltou com seu usual jeito displicente.
— Aqueles alunos novos também participaram?
— Ah, é! Já faz tanto tempo que quase me esqueci deles — disparou com a voz
esganiçada. — Puf! Sumiram da noite para o dia!
— Sério?
— Sinto muito pelo seu anjo louro, amiga.
Coitada! Melly ainda achava que eu continuava interessada no asqueroso do Kevin.
— Não houve nada entre nós — balancei a cabeça com nojo.
Ela sorriu, aliviada.
— Sabe, acho que ninguém acabou prestando muita atenção na saída deles. O mundo
estava passando por uma época tão bizarra! — Virei a cabeça e vi que ela encarava a
televisão.
— Que época? — perguntei sem entender sua expressão de incredulidade.
— A época em que “a morte tirou férias” — fez uma cara dramática.
— Hã? — Gelei dos pés à cabeça com aquele comentário.
— Agora que as coisas retornaram ao normal eu... — Melly hesitou e olhou para as
próprias mãos. — Tive medo que você também...
— Eu também o quê?
— Morreria — confessou. — Durante o tempo em que você estava hospitalizada, o
mundo ficou muito estranho, sabe?
— Estranho como? Quer ser mais clara, Melly?
— As pessoas pararam de morrer, Nina! A mortalidade caiu vertiginosamente por quase
dois meses em todos os lugares do planeta — ela soltou a notícia bombástica e começou a
assentir com ênfase ao ver meus olhos dobrar de tamanho. — Parece que fui eu quem bateu
com a cabeça agora, né? Mas é sério, amiga. As pessoas simplesmente não morriam. Não
havia hospitais suficientes para comportar os feridos de guerras, acidentes e doentes de todos
os tipos. Foi o caos, Nina. Achei que seria o fim do mundo.
“O equilíbrio da segunda dimensão nas mãos dos resgatadores da terceira dimensão...”
Céus! Os resgatadores devem ter deixado de “trabalhar” por causa da grande confusão
que eu havia causado em Zyrk! Estremeci ao recordar das explicações de Richard sobre a
função da morte em manter o equilíbrio da Terra. Meu corpo encolheu num misto de saudade
e ódio quando a imagem de seu rosto perfeito e atormentado surgiu em minha mente. Afundei
no lugar, inquieta, ao imaginar o que haveria acontecido com Zyrk e seus habitantes a partir do
dia do confronto com Malazar. Minha mente estava acelerada demais. Como eu havia
sobrevivido e chegado até ali?
— Mas agora as funerárias e cemitérios estão trabalhando em dobro para compensar as
férias prolongadas — Melly soltou uma risadinha e se empertigou no lugar com a entrada da
médica no aposento.
— Bom dia, Nina!
Meu coração deu um salto. Eu reconhecia aquela voz que surgia atrás de mim. Tentei me
virar, mas nenhum músculo respondeu.
— Infelizmente terá que se despedir de sua amiga. O horário de visita acabou — explicou
a voz atrás de mim.
— Sem problema. — Melly apertou a minha mão e me deu um beijo rápido antes de jogar
a mochila nas costas e sair a passos rápidos. — Volto amanhã com mais novidades, amiga.
Ainda tonta com tudo, acompanhei seus movimentos até o momento em que ouvi a
médica se despedir dela e fechar a porta atrás de si. Quando a delicada senhora de coque
grisalho atrás do jaleco branco apareceu no meu campo de visão, quase surtei de felicidade.
— Leila!
— Olá, querida! — Ela segurou minhas mãos com vontade. — Eu sabia que conseguiria!
Eu sempre acreditei!
— Mas, e-eu não entendo... Como vim parar aqui? — Minha mente rodopiava em um
furacão de ideias e hipóteses absurdas, desesperada por entender a coerência entre causa e
efeito dos conturbados fatos. Eu precisava da verdade. — O que aconteceu com Zyrk?
— Shhh! Acalme-se. Vou lhe dar todas as explicações, mas deverei ser breve. Hospital é
um lugar com grande fluxo de zirquinianos e não posso ser vista por nenhum deles — fez um
leve afago em meu rosto. — Graças a Tyron, Zyrk e seus habitantes sobreviveram à lenda!
— Seus habitantes...? — balancei a cabeça com pesar ao me recordar de todas as
mortes. — Tantos morreram por minha causa. Tom, Shakur, Samantha, John e...
— Samantha está bem e John sobreviveu! — ela me interrompeu com um sorriso. — Foi
por pouco, mas Labrítia conseguiu salvá-lo. Por sinal, ele está ótimo. Fez as pazes com o pai
e voltou a ser o principal resgatador de Storm! Soube que ele e Samantha voltaram a ser os
bons amigos da infância e que estão inseparáveis desde então.
— Graças a Deus! — senti uma descarga de felicidade e alívio jorrar em minhas veias.
Ao menos para eles a vida voltara ao normal. — E Wangor?
— Seu avô está bem, melhor do que nunca. E é o único que sabe que você está viva,
filha.
— Como assim?!
— Todos os zirquinianos acreditam que você está morta, Nina — ela soltou um suspiro e
fez sinal para que eu me acalmasse. — Eu vou explicar: Zyrk sobreviveu, mas está em
reestruturação. Marmon foi o único clã eliminado por causa daquele abismo. Era uma
comunicação com o Vértice que Von der Hess mantinha em segredo. Mas Von der Hess
desapareceu — acrescentou com semblante preocupado. — Simplesmente sumiu em meio à
terrível batalha na catacumba! Alguns comentam que ele foi tragado pelos mensageiros
interplanos quando o sol surgiu, mas ninguém tem certeza — deu de ombros. — Os demais
clãs ganharam voz no Grande Conselho. As sombras estão passando por apurados processos
de seleção e, aos poucos, estão sendo aceitas nos exércitos dos clãs. Muitas delas estão se
unindo e formando comunidades independentes na periferia dos reinos. Agora isso é possível.
Graças a você, querida.
— A mim?
— Sim. Agora não existem mais bestas terríveis habitando as nossas noites. Graças a
você meu povo começa a se reerguer. Vai demorar muito até chegarmos ao estágio de
evolução tecnológica e emocional da segunda dimensão, mas demos um passo importante.
Tyron finalmente se compadeceu de nós e muitos vislumbram bons sentimentos em evolução
na minha espécie. — Ela abriu um sorriso amistoso. — Mais do que ninguém, eu sei que isso é
verdade e acredito que um dia seremos um povo melhor. O milagre da vida e do amor não é
construído da noite para o dia, Nina. Ganhamos uma nova oportunidade, mas, ainda assim,
esse reerguer deverá ser conquistado com ações diárias e muita dedicação. E isso consumirá
tempo, quiçá, centenas de anos. Minha raça ainda tem muito chão pela frente e manter você
viva seria um erro colossal, um risco que não poderíamos correr no momento único em que
Zyrk se encontrava.
Ela segurou minhas mãos e olhou bem dentro dos meus olhos.
— Nina, se você “sobrevivesse” — destacou a palavra —, Zyrk ainda estaria em guerra.
Meu povo permaneceria em um conflito infindável enquanto você existisse, lutando entre si por
possuir você e seus poderes de híbrida. Lembre-se de que você ainda pode abrir Chawmin e
de que existem muitos exemplares vis em minha espécie. Assim, fazê-los acreditar que você
estava morta era, sem sombra de dúvida, a única solução para tentar mantê-la viva. Mas era
uma tentativa, uma aposta. Não sabíamos se você conseguiria sobreviver. Seu cérebro ficou
mais tempo sem oxigênio que o permitido para a espécie humana — ela arqueou as
sobrancelhas grisalhas. — Rick deve ter entrado em desespero por causa disso, mas ele se
esqueceu de um detalhe fundamental: você é uma híbrida!
Meu coração acelerou no peito ao escutar seu nome e, instintivamente, levei a mão à
ferida que Richard me causou. Apesar de tudo, ela era a menor delas e, ainda assim,
queimava-me por dentro. O que haveria acontecido com ele? Teria se transformado no
governante absoluto de Zyrk? As perguntas dançavam em minha boca, aprisionadas pela onda
de orgulho e dor.
— Rododentrum porticum — ela acelerou em explicar ao perceber a angústia refletida
em meus olhos. — O punhal que Richard a feriu estava propositalmente embebido com uma
toxina refinada a partir do néctar dessa planta rara que só é encontrada em uma região
próxima ao Mar Negro.
— “Propositalmente”? — Minha pulsação reagiu dando um pulo de imediato e, sem
perceber como, meu corpo readquiria força. Sentei-me na cama num rompante.
— Essa toxina faz o pulso desaparecer por algum tempo e assim forja uma paralisia
aparentemente mortal, o suficiente para enganar qualquer médico humano.
— Enganar até a morte?
— Não. Mas aí entra a magia... E um pouco de estudo — piscou orgulhosa. — O
Rododentrum em associação com o extrato da Malis Vetis, uma erva que só existe no Vértice,
consegue enganar até o faro certeiro da morte. Richard entrou em contato comigo na época
em que você estava em Storm. Foi dele a ideia espetacular, minha querida. Ele veio me
perguntar se havia alguma forma de fingirmos sua morte. Eu lhe expliquei que para conseguir a
Malis Vetis ele teria que...
— Vender a alma a Malazar — completei arrasada, começando a unir os pontos e
compreender os fatos.
— Sim, se ele quisesse conseguir essa erva que só existe no Vértice. Ninguém sai vivo
do inferno se não vender a alma ao diabo, filha — ela assentiu com um semblante sombrio. —
Ele saiu transtornado do nosso encontro, mas igualmente decidido. Foi ao Vértice e fez aquele
pacto com o demônio. Esqueceu-se, entretanto, de que é praxe o demônio dar uma pedrabloqueio
como atestado da negociação e aí teve outra ideia no caminho de volta. Richard
decidiu não usar a erva. Ele se recordava que Guimlel tinha uma pedra semelhante àquela e
então compreendeu que o mago já estivera no Vértice e fizera um pacto com o demônio em
algum momento em sua vida. — Leila mirou a janela e seus olhos vagaram em algum lugar
distante, bem além das nuvens quase transparentes no céu azul. — Uma fábula zirquiniana
antiga dizia que, se colidirmos duas pedras-bloqueio, elas fazem a pessoa passar
imperceptível dos nossos para sempre.
— E não a permitiria retornar a Zyrk — acrescentei num murmúrio.
— Exato.
Engoli em seco.
— As coisas podiam ter sido diferentes, mas não me arrependo de não ter colidido
aquelas pedras, Leila. Se eu tivesse feito conforme Rick pediu, jamais teria reencontrado
minha mãe, conhecido Shakur e compreendido a razão da minha existência.
— Eu sei, filha. No final das contas, foi o melhor que poderia ter acontecido a Zyrk — ela
assentiu com semblante pesaroso. — Mas as pedras acabaram se perdendo e vocês foram
presos pelos homens do Grande Conselho. A única opção voltara a ser o plano anterior, mas
Richard estava sem coragem de ir adiante e fincar aquele punhal em você. Labrítia disse que
Rick estava arrasado quando foi lhe entregar o Escaravelho de Hao que Shakur havia
conseguido capturar. Ela disse que Richard ainda tentava arrumar um meio de salvar você. Ele
acreditava que, se Zyrk fosse eliminada, ele conseguiria mantê-la viva se a enviasse de volta
para a segunda dimensão. Só te esfaqueou porque não encontrou outra saída, minha querida.
— Foi tudo um blefe, então?! — questionei com o coração quicando e ameaçando sair
pela boca.
Ela assentiu.
— Como os meus não são capazes de conjecturar, no instante em que não capturaram
sua energia vital, eles imediatamente a deram como morta. Entretanto, um detalhe no nosso
plano era fundamental: a Malis Vetis não podia ficar muito tempo no seu organismo porque
diminuiria a oxigenação cerebral a níveis perigosos. E infelizmente foi o que aconteceu —
soltou o ar com força. — O plano consistia em Richard mostrar para todos que ele estava se
livrando da híbrida ao jogar seu corpo para a segunda dimensão através do portal pentagonal,
mas, em meio à comemoração da vitória sobre Malazar, ele demorou mais que o imaginado
para se livrar da presença dos nossos. Muitos deles queriam checar de perto se você estava
mesmo morta — ela franziu a testa com pesar. — Quando eu e meus homens a capturamos,
nós administramos o antídoto, mas não foi o suficiente. A toxina tinha ficado tempo demais no
seu organismo e a conduzido ao coma. Tivemos que trazê-la para cá, onde está escondida
desde então.
— Então... Ele nunca quis me matar...
— Nunca — acelerada, ela me interrompeu. Suas mãos tremiam e remexia o coque a
todo instante. Estava atipicamente tensa em me dar aquela informação. — Ele não admitia a
hipótese de machucá-la, muito menos de matá-la. Mas tinha que partir dele. Todos, inclusive
os magos do Grande Conselho, desconfiavam das estranhas atitudes de Richard e do
sentimento que ele nutria por você. Sem contar que ainda existiam os malditos Escaravelhos
de Hao para complicar a situação, caso Von der Hess conseguisse entrar na mente de
Richard. O bruxo não poderia desconfiar que a morte da híbrida tinha sido uma grande farsa.
Ele precisava sentir o momento, presenciar a expressão de dor e decepção na sua face
quando ele a ferisse. Richard, por sua vez, jamais poderia lhe contar a verdade, e a única
pessoa que sabia disso além de mim era Brita. — Ela franziu a testa, taciturna, e abaixou a
cabeça. Encontrei mais que tensão em seu semblante. Havia dor e tristeza. Estremeci. — Era
amor o que ele nutria por você. Nunca duvide disso, Nina.
— Era? — Uma pedra de gelo derretia no meu estômago. Por que Leila colocou o verbo
no tempo passado? Finquei as unhas no lençol, mas a sensação era a de que caía em queda
vertiginosa.
— Nós o perdemos. Meu menino rebelde de coração grande... — Seus soluços
amargurados pareciam ferroadas e tudo em mim ardia por dentro. — Sua energia foi
aniquilada naquele dia.
— Richard... M-morreu?!
Ela assentiu sem levantar a cabeça.
— Wangor, seu avô, foi o último a vê-lo. Ele disse que Richard estava muito ferido,
desorientado, e se arrastava para as Dunas de Vento carregando o corpo de Shakur nos
braços quando foi interceptado por Kevin e seus homens clamando por vingança. Eles
discutiram, mas Rick nem tentou se defender. Deixou-se matar ali mesmo.
Richard morto.
— Morto... — meu sussurro foi um gemido sem força, triste, um pranto de despedida
transformado em pó e silêncio.
Achei que ia trincar, partir em milhares de pedaços e definitivamente me desintegrar no
ar, mas, ao contrário, senti-me infinita naquele instante. Eu tinha ido ao fundo do abismo, havia
mergulhado mais fundo na escuridão que qualquer adolescente, rompido barreiras
interdimensionais, sobrevivido a traições, lendas, perdas e ao maior de todos os carmas: a
minha própria existência. Agora era a hora de acreditar nos meus atos, no milagre de um novo
dia, do reabrir de olhos, do constante poder de transformar uma vida estilhaçada em um
legado de esperança e renovação, o que somos, segundo por segundo, pedaço por pedaço.
— Wangor levou o corpo de Rick para ser embalsamado em Windston.
— Windston? — questionei ainda mais desorientada. — Mas meu avô o odiava.
— Isso foi antes dele ter acesso aos fatos. Brita teve que lhe contar tudo porque seu
avô, assim como a neta — frisou a última palavra —, quando coloca alguma coisa na cabeça
não há quem remova. Ele ameaçou mandar homens atrás do seu corpo, Nina. Também queria
embalsamá-la com honras zirquinianas e isso seria um tremendo perigo ao nosso plano —
explicou. — Wangor pediu para lhe dizer que estava errado quanto ao caráter de Richard, que
passou a admirar sua bravura e que, se Rick estivesse vivo, consentiria de bom grado o seu
relacionamento com o antigo resgatador de Thron.
Aturdida demais com a notícia, fechei os olhos e levei as mãos ao rosto, mas estranhei
ao não encontrar lágrimas ou dor dentro de mim. Uma emoção nova e entorpecente me invadia
subitamente, um misto de gratidão, admiração e amor em sua forma mais pura. Novamente
Richard fizera tudo por mim. Minha morte dera sua vida para me manter viva. Eu poderia viver
mil anos e ainda assim não teria como retribuir o sentimento avassalador com que fui inundada.
Regozijei internamente, repleta de orgulho. Eu amei um bravo. Richard era um guerreiro e,
como deveria esperar, sua declaração de amor foi feita através de atos e não de palavras.
— Wangor sente muito pela atitude de Dale, seu pai biológico, mas diz que isso não
alterou o bom sentimento que nutre por você, filha. Enviou-lhe um pedido: enquanto viver, ele
gostaria de encontrá-la todo dia treze de maio do calendário humano, que, segundo ele, foi o
dia em que você o acordou, o dia em que ele renasceu. Wangor disse que gostaria de fazer
parte das boas recordações da sua vida, assim como você já é da existência dele.
— Não serei mais caçada a partir de agora?
— Tenho minhas dúvidas, apesar do momento de calmaria em Zyrk — Leila fechou os
olhos e balançou a cabeça em negativa. — Terá que ficar sempre atenta. Deverá utilizar-se de
sua capacidade receptiva para...
— Fugir — concluí, repentinamente compreendendo o que ela queria dizer: eu havia
sobrevivido, mas isso não significava que poderia me deparar com zirquinianos pelo caminho.
Permaneceria condenada a uma existência solitária, minha antiga vida de fugitiva...
Adeus faculdade ou sonhos de uma vida normal. Adeus, Melly.
— Recuperei alguns pertences seus e de sua mãe que estavam no antigo apartamento,
como álbuns de fotos, roupas e joias. É arriscado demais retornar a ele. Já tenho tudo
acertado: nova identidade, passaporte, dinheiro para recomeçar uma vida decente, mas terá
que se virar por conta própria a partir de então. — Sua expressão estava taciturna.
— Isso é uma despedida, não é?
— Provavelmente, meu amor — a voz de Leila ficou rouca. — Qualquer encontro não é
seguro para nenhuma de nós duas.
— Entendo — balbuciei. Jamais permitiria colocar a vida da Leila em risco também.
— Assim como não é seguro permanecer muito tempo em um mesmo lugar, minha
querida — finalizou.
Fechei os olhos e sorri com sarcasmo.
Naquele quesito eu era mestre.
— Meu Deus! Olhe! Ela está acordando, enfermeira! — Aquela voz espevitada parecia
pertencer a um sonho distante...
Melly?!
— Fique de olho nela. Vou chamar a doutora.
Tentei me mexer, mas meu corpo parecia feito de chumbo. Tudo que consegui foi abrir os
olhos.
— Finalmente, esquisita! — As sardas de Melly entravam em foco e me saudavam.
— Melly?! Eu estou viva? — indaguei num misto de surpresa e atordoamento. Fiz uma
rápida varredura ao redor. O ambiente gelado e branco, os bips de uma máquina ligada ao
lado da minha cabeça e os fios saindo de diversas partes do meu corpo confirmavam se tratar
de um quarto de hospital.
— V-Você se lembra de mim? — ela gaguejou, os olhos brilhantes atrás das lágrimas.
Ela parecia ainda mais ruiva do que me recordava.
— Claro! Que eu me lembre, não tinha outra amiga tão impossível quanto você —
brinquei para disfarçar a emoção que me tomava.
— Ah, Nina! — Melly me abraçou com força e júbilo.
— Ai! — senti uma fisgada no braço esquerdo. Ela havia repuxado uma sonda ao se
debruçar sobre mim.
— Desculpe! É que eu estou tão...
— Eu também — consegui segurar sua mão e sorri.
— Graças a Deus! Todos tinham receio de que perderia a memória depois de tanto
tempo e... — Melly estava emotiva.
— Há quanto tempo estou aqui?
— Acho que era para a médica ter essa conversa com você e... — ela se esquivou.
— Quanto tempo, Melly? — insisti. Precisava entender até onde ia aquela farsa.
— Mais de três meses. Desde o acidente no teatro — ela remexia os dedos sem parar,
visivelmente desconfortável por tocar no assunto. — Você se lembra?
— Mais ou menos — menti.
Como eu estaria há tanto tempo ali se havia passado os últimos dois meses refém de
zirquinianos? Não podia lhe contar a fantástica história porque na certa ela acharia que minha
razão havia sido seriamente comprometida. Ao mesmo tempo, eu não podia ser forçada a
apagar de minha mente a fase mais vibrante da minha vida ou aceitar que tivesse sido apenas
uma alucinação. Respirei fundo.
— Não precisa ficar assim. Eu sei que minha mãe morreu, Melly. Eu me recordo.
— Ah, Nina! Eu sinto muito mesmo por isso. Tenho colocado flores no túmulo da Dona
Stela.
Um nó se formou em minha garganta e segurei a lágrima ao me recordar do lugar
próximo às Dunas de Vento onde de fato estava enterrado o corpo de minha mãe.
— Eles me chamaram hoje aqui porque disseram que pretendiam retirá-la do coma
induzido e... — Melly se encolheu.
— Coma?
— Sim.
— Você esteve comigo nas outras vezes, Melly? — Minha ansiedade e interrogatório
cresciam de mãos dadas com meus batimentos cardíacos. — Você me viu?
— Perdi as contas do número de vezes que vim te visitar, mas eles só me deixavam ver
você através daquele vidro embaçado da unidade de tratamento intensivo. Diziam que seu
caso era muito grave e que eu não podia atestar que era amiga da família etc. Papai disse
nunca ter visto um hospital com tanta burocracia! Pensou até em abrir um processo para
remover você daqui, mas aí, há duas semanas, recebemos uma ligação que você havia saído
do CTI e que já poderia receber visitas no quarto.
— Então, enquanto eu estava no CTI, você nunca me viu pra valer?
— Eu vi sim! — Melly retrucou, repuxou os lábios, e acabou confessando o que seria o
bálsamo para a minha lógica em frangalhos: — Quer dizer, mais ou menos. Você ficava no
boxe mais distante e estava sempre coberta, mas eu vi seus cabelos e...
Tive de segurar o sorriso que ameaçou escapar, no alívio em saber que não havia
delirado e, ao mesmo tempo, na surpresa em ver que algum zirquiniano aprendera a arte do
disfarce com a minha mãe. Melly achou ter me visto, mas eles a tinham enganado colocando
alguém ou algum manequim com os cabelos semelhantes ao meu no lugar. Eles sabiam que eu
não tinha família e que ninguém procuraria por mim, a não ser algum amigo ou repórter atrás
de matérias sensacionalistas na época do acidente.
— Tenho tanta fofoca pra te contar, amiga. Sabe quem a pescoçuda da Clarice está
namorando? — Melly mudou o rumo da conversa, apimentando-a como sempre, e, pra variar,
respondeu sem me dar chances de qualquer palpite: — O Phil! — soltou com a voz
esganiçada. — Você sabia que o Phil sofreu um acidente de carro terrível? Ops! Foi mal! É
claro que não! Você estava aqui... — soltou sem graça. Mordi os lábios e segurei a
gargalhada. Melly continuava a mesma figura ímpar, sem nunca me deixar responder e falando
sempre por nós duas. — Só pode ter sido por isso! O coitado deve ter batido muito forte com
a cabeça para querer namorar aquela mocreia orelhuda. — E continuava emendando uma
frase na outra. — Ele quase morreu. O negócio foi sério, sabe? Você precisa ver a cara
inchada dele nas fotos do anuário do colégio. Parecia uma tartaruga com caxumba! —
gargalhou. — Fiquei arrasada por você não estar na foto da turma, amiga.
— Eu também — disse com uma pontada de tristeza. Teria sido muito bom guardar uma
recordação de algo normal do meu passado. Uma recordação de Melly e todos os demais
colegas. Não consegui segurar a pergunta que me alfinetava: — Só eu não participei das
fotos?
— Só — ela soltou com seu usual jeito displicente.
— Aqueles alunos novos também participaram?
— Ah, é! Já faz tanto tempo que quase me esqueci deles — disparou com a voz
esganiçada. — Puf! Sumiram da noite para o dia!
— Sério?
— Sinto muito pelo seu anjo louro, amiga.
Coitada! Melly ainda achava que eu continuava interessada no asqueroso do Kevin.
— Não houve nada entre nós — balancei a cabeça com nojo.
Ela sorriu, aliviada.
— Sabe, acho que ninguém acabou prestando muita atenção na saída deles. O mundo
estava passando por uma época tão bizarra! — Virei a cabeça e vi que ela encarava a
televisão.
— Que época? — perguntei sem entender sua expressão de incredulidade.
— A época em que “a morte tirou férias” — fez uma cara dramática.
— Hã? — Gelei dos pés à cabeça com aquele comentário.
— Agora que as coisas retornaram ao normal eu... — Melly hesitou e olhou para as
próprias mãos. — Tive medo que você também...
— Eu também o quê?
— Morreria — confessou. — Durante o tempo em que você estava hospitalizada, o
mundo ficou muito estranho, sabe?
— Estranho como? Quer ser mais clara, Melly?
— As pessoas pararam de morrer, Nina! A mortalidade caiu vertiginosamente por quase
dois meses em todos os lugares do planeta — ela soltou a notícia bombástica e começou a
assentir com ênfase ao ver meus olhos dobrar de tamanho. — Parece que fui eu quem bateu
com a cabeça agora, né? Mas é sério, amiga. As pessoas simplesmente não morriam. Não
havia hospitais suficientes para comportar os feridos de guerras, acidentes e doentes de todos
os tipos. Foi o caos, Nina. Achei que seria o fim do mundo.
“O equilíbrio da segunda dimensão nas mãos dos resgatadores da terceira dimensão...”
Céus! Os resgatadores devem ter deixado de “trabalhar” por causa da grande confusão
que eu havia causado em Zyrk! Estremeci ao recordar das explicações de Richard sobre a
função da morte em manter o equilíbrio da Terra. Meu corpo encolheu num misto de saudade
e ódio quando a imagem de seu rosto perfeito e atormentado surgiu em minha mente. Afundei
no lugar, inquieta, ao imaginar o que haveria acontecido com Zyrk e seus habitantes a partir do
dia do confronto com Malazar. Minha mente estava acelerada demais. Como eu havia
sobrevivido e chegado até ali?
— Mas agora as funerárias e cemitérios estão trabalhando em dobro para compensar as
férias prolongadas — Melly soltou uma risadinha e se empertigou no lugar com a entrada da
médica no aposento.
— Bom dia, Nina!
Meu coração deu um salto. Eu reconhecia aquela voz que surgia atrás de mim. Tentei me
virar, mas nenhum músculo respondeu.
— Infelizmente terá que se despedir de sua amiga. O horário de visita acabou — explicou
a voz atrás de mim.
— Sem problema. — Melly apertou a minha mão e me deu um beijo rápido antes de jogar
a mochila nas costas e sair a passos rápidos. — Volto amanhã com mais novidades, amiga.
Ainda tonta com tudo, acompanhei seus movimentos até o momento em que ouvi a
médica se despedir dela e fechar a porta atrás de si. Quando a delicada senhora de coque
grisalho atrás do jaleco branco apareceu no meu campo de visão, quase surtei de felicidade.
— Leila!
— Olá, querida! — Ela segurou minhas mãos com vontade. — Eu sabia que conseguiria!
Eu sempre acreditei!
— Mas, e-eu não entendo... Como vim parar aqui? — Minha mente rodopiava em um
furacão de ideias e hipóteses absurdas, desesperada por entender a coerência entre causa e
efeito dos conturbados fatos. Eu precisava da verdade. — O que aconteceu com Zyrk?
— Shhh! Acalme-se. Vou lhe dar todas as explicações, mas deverei ser breve. Hospital é
um lugar com grande fluxo de zirquinianos e não posso ser vista por nenhum deles — fez um
leve afago em meu rosto. — Graças a Tyron, Zyrk e seus habitantes sobreviveram à lenda!
— Seus habitantes...? — balancei a cabeça com pesar ao me recordar de todas as
mortes. — Tantos morreram por minha causa. Tom, Shakur, Samantha, John e...
— Samantha está bem e John sobreviveu! — ela me interrompeu com um sorriso. — Foi
por pouco, mas Labrítia conseguiu salvá-lo. Por sinal, ele está ótimo. Fez as pazes com o pai
e voltou a ser o principal resgatador de Storm! Soube que ele e Samantha voltaram a ser os
bons amigos da infância e que estão inseparáveis desde então.
— Graças a Deus! — senti uma descarga de felicidade e alívio jorrar em minhas veias.
Ao menos para eles a vida voltara ao normal. — E Wangor?
— Seu avô está bem, melhor do que nunca. E é o único que sabe que você está viva,
filha.
— Como assim?!
— Todos os zirquinianos acreditam que você está morta, Nina — ela soltou um suspiro e
fez sinal para que eu me acalmasse. — Eu vou explicar: Zyrk sobreviveu, mas está em
reestruturação. Marmon foi o único clã eliminado por causa daquele abismo. Era uma
comunicação com o Vértice que Von der Hess mantinha em segredo. Mas Von der Hess
desapareceu — acrescentou com semblante preocupado. — Simplesmente sumiu em meio à
terrível batalha na catacumba! Alguns comentam que ele foi tragado pelos mensageiros
interplanos quando o sol surgiu, mas ninguém tem certeza — deu de ombros. — Os demais
clãs ganharam voz no Grande Conselho. As sombras estão passando por apurados processos
de seleção e, aos poucos, estão sendo aceitas nos exércitos dos clãs. Muitas delas estão se
unindo e formando comunidades independentes na periferia dos reinos. Agora isso é possível.
Graças a você, querida.
— A mim?
— Sim. Agora não existem mais bestas terríveis habitando as nossas noites. Graças a
você meu povo começa a se reerguer. Vai demorar muito até chegarmos ao estágio de
evolução tecnológica e emocional da segunda dimensão, mas demos um passo importante.
Tyron finalmente se compadeceu de nós e muitos vislumbram bons sentimentos em evolução
na minha espécie. — Ela abriu um sorriso amistoso. — Mais do que ninguém, eu sei que isso é
verdade e acredito que um dia seremos um povo melhor. O milagre da vida e do amor não é
construído da noite para o dia, Nina. Ganhamos uma nova oportunidade, mas, ainda assim,
esse reerguer deverá ser conquistado com ações diárias e muita dedicação. E isso consumirá
tempo, quiçá, centenas de anos. Minha raça ainda tem muito chão pela frente e manter você
viva seria um erro colossal, um risco que não poderíamos correr no momento único em que
Zyrk se encontrava.
Ela segurou minhas mãos e olhou bem dentro dos meus olhos.
— Nina, se você “sobrevivesse” — destacou a palavra —, Zyrk ainda estaria em guerra.
Meu povo permaneceria em um conflito infindável enquanto você existisse, lutando entre si por
possuir você e seus poderes de híbrida. Lembre-se de que você ainda pode abrir Chawmin e
de que existem muitos exemplares vis em minha espécie. Assim, fazê-los acreditar que você
estava morta era, sem sombra de dúvida, a única solução para tentar mantê-la viva. Mas era
uma tentativa, uma aposta. Não sabíamos se você conseguiria sobreviver. Seu cérebro ficou
mais tempo sem oxigênio que o permitido para a espécie humana — ela arqueou as
sobrancelhas grisalhas. — Rick deve ter entrado em desespero por causa disso, mas ele se
esqueceu de um detalhe fundamental: você é uma híbrida!
Meu coração acelerou no peito ao escutar seu nome e, instintivamente, levei a mão à
ferida que Richard me causou. Apesar de tudo, ela era a menor delas e, ainda assim,
queimava-me por dentro. O que haveria acontecido com ele? Teria se transformado no
governante absoluto de Zyrk? As perguntas dançavam em minha boca, aprisionadas pela onda
de orgulho e dor.
— Rododentrum porticum — ela acelerou em explicar ao perceber a angústia refletida
em meus olhos. — O punhal que Richard a feriu estava propositalmente embebido com uma
toxina refinada a partir do néctar dessa planta rara que só é encontrada em uma região
próxima ao Mar Negro.
— “Propositalmente”? — Minha pulsação reagiu dando um pulo de imediato e, sem
perceber como, meu corpo readquiria força. Sentei-me na cama num rompante.
— Essa toxina faz o pulso desaparecer por algum tempo e assim forja uma paralisia
aparentemente mortal, o suficiente para enganar qualquer médico humano.
— Enganar até a morte?
— Não. Mas aí entra a magia... E um pouco de estudo — piscou orgulhosa. — O
Rododentrum em associação com o extrato da Malis Vetis, uma erva que só existe no Vértice,
consegue enganar até o faro certeiro da morte. Richard entrou em contato comigo na época
em que você estava em Storm. Foi dele a ideia espetacular, minha querida. Ele veio me
perguntar se havia alguma forma de fingirmos sua morte. Eu lhe expliquei que para conseguir a
Malis Vetis ele teria que...
— Vender a alma a Malazar — completei arrasada, começando a unir os pontos e
compreender os fatos.
— Sim, se ele quisesse conseguir essa erva que só existe no Vértice. Ninguém sai vivo
do inferno se não vender a alma ao diabo, filha — ela assentiu com um semblante sombrio. —
Ele saiu transtornado do nosso encontro, mas igualmente decidido. Foi ao Vértice e fez aquele
pacto com o demônio. Esqueceu-se, entretanto, de que é praxe o demônio dar uma pedrabloqueio
como atestado da negociação e aí teve outra ideia no caminho de volta. Richard
decidiu não usar a erva. Ele se recordava que Guimlel tinha uma pedra semelhante àquela e
então compreendeu que o mago já estivera no Vértice e fizera um pacto com o demônio em
algum momento em sua vida. — Leila mirou a janela e seus olhos vagaram em algum lugar
distante, bem além das nuvens quase transparentes no céu azul. — Uma fábula zirquiniana
antiga dizia que, se colidirmos duas pedras-bloqueio, elas fazem a pessoa passar
imperceptível dos nossos para sempre.
— E não a permitiria retornar a Zyrk — acrescentei num murmúrio.
— Exato.
Engoli em seco.
— As coisas podiam ter sido diferentes, mas não me arrependo de não ter colidido
aquelas pedras, Leila. Se eu tivesse feito conforme Rick pediu, jamais teria reencontrado
minha mãe, conhecido Shakur e compreendido a razão da minha existência.
— Eu sei, filha. No final das contas, foi o melhor que poderia ter acontecido a Zyrk — ela
assentiu com semblante pesaroso. — Mas as pedras acabaram se perdendo e vocês foram
presos pelos homens do Grande Conselho. A única opção voltara a ser o plano anterior, mas
Richard estava sem coragem de ir adiante e fincar aquele punhal em você. Labrítia disse que
Rick estava arrasado quando foi lhe entregar o Escaravelho de Hao que Shakur havia
conseguido capturar. Ela disse que Richard ainda tentava arrumar um meio de salvar você. Ele
acreditava que, se Zyrk fosse eliminada, ele conseguiria mantê-la viva se a enviasse de volta
para a segunda dimensão. Só te esfaqueou porque não encontrou outra saída, minha querida.
— Foi tudo um blefe, então?! — questionei com o coração quicando e ameaçando sair
pela boca.
Ela assentiu.
— Como os meus não são capazes de conjecturar, no instante em que não capturaram
sua energia vital, eles imediatamente a deram como morta. Entretanto, um detalhe no nosso
plano era fundamental: a Malis Vetis não podia ficar muito tempo no seu organismo porque
diminuiria a oxigenação cerebral a níveis perigosos. E infelizmente foi o que aconteceu —
soltou o ar com força. — O plano consistia em Richard mostrar para todos que ele estava se
livrando da híbrida ao jogar seu corpo para a segunda dimensão através do portal pentagonal,
mas, em meio à comemoração da vitória sobre Malazar, ele demorou mais que o imaginado
para se livrar da presença dos nossos. Muitos deles queriam checar de perto se você estava
mesmo morta — ela franziu a testa com pesar. — Quando eu e meus homens a capturamos,
nós administramos o antídoto, mas não foi o suficiente. A toxina tinha ficado tempo demais no
seu organismo e a conduzido ao coma. Tivemos que trazê-la para cá, onde está escondida
desde então.
— Então... Ele nunca quis me matar...
— Nunca — acelerada, ela me interrompeu. Suas mãos tremiam e remexia o coque a
todo instante. Estava atipicamente tensa em me dar aquela informação. — Ele não admitia a
hipótese de machucá-la, muito menos de matá-la. Mas tinha que partir dele. Todos, inclusive
os magos do Grande Conselho, desconfiavam das estranhas atitudes de Richard e do
sentimento que ele nutria por você. Sem contar que ainda existiam os malditos Escaravelhos
de Hao para complicar a situação, caso Von der Hess conseguisse entrar na mente de
Richard. O bruxo não poderia desconfiar que a morte da híbrida tinha sido uma grande farsa.
Ele precisava sentir o momento, presenciar a expressão de dor e decepção na sua face
quando ele a ferisse. Richard, por sua vez, jamais poderia lhe contar a verdade, e a única
pessoa que sabia disso além de mim era Brita. — Ela franziu a testa, taciturna, e abaixou a
cabeça. Encontrei mais que tensão em seu semblante. Havia dor e tristeza. Estremeci. — Era
amor o que ele nutria por você. Nunca duvide disso, Nina.
— Era? — Uma pedra de gelo derretia no meu estômago. Por que Leila colocou o verbo
no tempo passado? Finquei as unhas no lençol, mas a sensação era a de que caía em queda
vertiginosa.
— Nós o perdemos. Meu menino rebelde de coração grande... — Seus soluços
amargurados pareciam ferroadas e tudo em mim ardia por dentro. — Sua energia foi
aniquilada naquele dia.
— Richard... M-morreu?!
Ela assentiu sem levantar a cabeça.
— Wangor, seu avô, foi o último a vê-lo. Ele disse que Richard estava muito ferido,
desorientado, e se arrastava para as Dunas de Vento carregando o corpo de Shakur nos
braços quando foi interceptado por Kevin e seus homens clamando por vingança. Eles
discutiram, mas Rick nem tentou se defender. Deixou-se matar ali mesmo.
Richard morto.
— Morto... — meu sussurro foi um gemido sem força, triste, um pranto de despedida
transformado em pó e silêncio.
Achei que ia trincar, partir em milhares de pedaços e definitivamente me desintegrar no
ar, mas, ao contrário, senti-me infinita naquele instante. Eu tinha ido ao fundo do abismo, havia
mergulhado mais fundo na escuridão que qualquer adolescente, rompido barreiras
interdimensionais, sobrevivido a traições, lendas, perdas e ao maior de todos os carmas: a
minha própria existência. Agora era a hora de acreditar nos meus atos, no milagre de um novo
dia, do reabrir de olhos, do constante poder de transformar uma vida estilhaçada em um
legado de esperança e renovação, o que somos, segundo por segundo, pedaço por pedaço.
— Wangor levou o corpo de Rick para ser embalsamado em Windston.
— Windston? — questionei ainda mais desorientada. — Mas meu avô o odiava.
— Isso foi antes dele ter acesso aos fatos. Brita teve que lhe contar tudo porque seu
avô, assim como a neta — frisou a última palavra —, quando coloca alguma coisa na cabeça
não há quem remova. Ele ameaçou mandar homens atrás do seu corpo, Nina. Também queria
embalsamá-la com honras zirquinianas e isso seria um tremendo perigo ao nosso plano —
explicou. — Wangor pediu para lhe dizer que estava errado quanto ao caráter de Richard, que
passou a admirar sua bravura e que, se Rick estivesse vivo, consentiria de bom grado o seu
relacionamento com o antigo resgatador de Thron.
Aturdida demais com a notícia, fechei os olhos e levei as mãos ao rosto, mas estranhei
ao não encontrar lágrimas ou dor dentro de mim. Uma emoção nova e entorpecente me invadia
subitamente, um misto de gratidão, admiração e amor em sua forma mais pura. Novamente
Richard fizera tudo por mim. Minha morte dera sua vida para me manter viva. Eu poderia viver
mil anos e ainda assim não teria como retribuir o sentimento avassalador com que fui inundada.
Regozijei internamente, repleta de orgulho. Eu amei um bravo. Richard era um guerreiro e,
como deveria esperar, sua declaração de amor foi feita através de atos e não de palavras.
— Wangor sente muito pela atitude de Dale, seu pai biológico, mas diz que isso não
alterou o bom sentimento que nutre por você, filha. Enviou-lhe um pedido: enquanto viver, ele
gostaria de encontrá-la todo dia treze de maio do calendário humano, que, segundo ele, foi o
dia em que você o acordou, o dia em que ele renasceu. Wangor disse que gostaria de fazer
parte das boas recordações da sua vida, assim como você já é da existência dele.
— Não serei mais caçada a partir de agora?
— Tenho minhas dúvidas, apesar do momento de calmaria em Zyrk — Leila fechou os
olhos e balançou a cabeça em negativa. — Terá que ficar sempre atenta. Deverá utilizar-se de
sua capacidade receptiva para...
— Fugir — concluí, repentinamente compreendendo o que ela queria dizer: eu havia
sobrevivido, mas isso não significava que poderia me deparar com zirquinianos pelo caminho.
Permaneceria condenada a uma existência solitária, minha antiga vida de fugitiva...
Adeus faculdade ou sonhos de uma vida normal. Adeus, Melly.
— Recuperei alguns pertences seus e de sua mãe que estavam no antigo apartamento,
como álbuns de fotos, roupas e joias. É arriscado demais retornar a ele. Já tenho tudo
acertado: nova identidade, passaporte, dinheiro para recomeçar uma vida decente, mas terá
que se virar por conta própria a partir de então. — Sua expressão estava taciturna.
— Isso é uma despedida, não é?
— Provavelmente, meu amor — a voz de Leila ficou rouca. — Qualquer encontro não é
seguro para nenhuma de nós duas.
— Entendo — balbuciei. Jamais permitiria colocar a vida da Leila em risco também.
— Assim como não é seguro permanecer muito tempo em um mesmo lugar, minha
querida — finalizou.
Fechei os olhos e sorri com sarcasmo.
Naquele quesito eu era mestre.
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