1º dia do mês
1. Você se concentra no seu pé direito. Esse é ponto básico conectando você com o
mundo exterior. Você é a base de pensamentos sobre a Terra. Em sua consciência, a
Terra é sua base, seu ponto de apoio. O ponto básico do pé é simultaneamente o ponto
de manutenção e ponto de criação. Você pode desenvolver a sua consciência com
base no ponto, como ponto de criação. Você reconhece o princípio de
desenvolvimento das plantas e seu corpo físico. Segundo esse princípio, você é capaz
de criar qualquer realidade exterior. Essa compreensão é a base da concentração.
No entanto, você não precisa pensar na profundidade do mecanismo. Você só precisa
se concentrar em seu pé direito, e imaginar o evento, que cumpre o seu objetivo de
concentração. O mecanismo de concentração irá funcionar automaticamente, e você
receberá o evento em forma harmônica, pois a concentração proporciona o
desenvolvimento harmônico. Você pode executar essa operação muitas vezes no dia.
2. Dígitos para Concentração
*Os Sete dígitos para concentração estão a seguir: 1845421
*Os Nove dígitos para concentração estão a seguir: 845132489
3. Você se concentra sobre mundo, em todos os objetos dele. Você sente que qualquer
objeto do mundo faz parte de você. Percebendo isso, você vai sentir um leve sopro
vindo de cada objeto, que lhe envia a solução. Quando você perceber que cada
objeto tem sua partícula de consciência, você vai assistir a harmonia do Criador.
sexta-feira, 1 de junho de 2018
125 - Louise Hay
125- “Equilibro a minha vida entre o trabalho, o descanso e a
diversão. Dedico o mesmo tempo a todos.”CAPÍTULO 31 - Não fuja
CAPÍTULO 31
Presa entre as garras do monstro, meus olhos instintivamente procuraram por Richard,
mas não o encontraram. A pilastra estava vazia.
Novo ganido ensurdecedor. O pescoço da fera envergava-se para trás e ela me soltava.
— Demônio maldito! — Esbravejando como um louco, Rick cravava repetidamente o
punhal que eu havia perdido no pescoço da besta, fazendo-a uivar de dor e sair de cima de
mim. O sangue que vertia dos cortes em seus braços confirmava que ele havia terminado de
rasgar as cordas à força para me salvar. A luta era apavorante e injusta. Richard era forte e
rápido, mas não conseguia ser páreo para o monstro gigantesco e apenas se defendia dos
ataques cada vez mais perigosos. O bicho soltou um rugido alto e, em uma investida precisa,
lançou-o a grande distância, fazendo seu corpo rolar pelo chão e desaparecer na névoa
acinzentada.
Sob pânico absurdo, meu corpo deu os primeiros sinais de reação e eu consegui me
arrastar e esconder. O animal ganiu outras vezes e, ao não me encontrar em meio à nuvem de
poeira, optou por partir em direção a um John completamente combalido. Alguns ruídos
fizeram a fera se distrair e desaparecer do meu campo de visão. Aproveitando-me do
momento, finquei as unhas na terra, suportei a dor que latejava em minha cabeça e pernas e
caminhei cambaleante em direção a John. Perdi o chão ao ver seu péssimo estado. Mesmo na
escuridão era possível identificar a palidez em sua pele e lábios. O sangue vertia em
abundância da grave ferida em seu abdome. Havia poucas cordas a cortar porque grande
parte delas tinha sido destruída durante o ataque da besta e ainda assim parecia uma tarefa
impossível devido ao meu estado de nervos e às lágrimas que jorravam de meus olhos.
— Você prometeu que nunca mais me abandonaria — sussurrei, não conseguindo
disfarçar meu estado de pavor.
— É o fim da linha pra mim, Nina — a voz fraca de John confirmava seu decadente
estado.
— Não! Vou levar você comigo!
— Perdoe-me, por favor. — Ele abriu um sorriso triste e uma ferida em meu coração. —
Eu fui tão estúpido e... Não consegui enxergar o óbvio porque...
— Depois, John — balbuciei sem conseguir conter a emoção em forma de dor que me
paralisava. Eu o puxava, mas ele simplesmente não saía do lugar. Ou era eu que não me
mexia? Minha mente girava, desorientada.
Outra despedida.
Eu estava perdendo John.
Minha existência o havia matado também.
— N-Não enxerguei porque estava cego pelo sentimento que nutro por você — sua voz
falhava e ele mal conseguia respirar.
— Não! — Chamas queimavam minha garganta. Encarando-o com desespero, solucei
alto e afundei o rosto na curva de seu ombro. Os espasmos não eram apenas do meu corpo.
Minha alma sofria.
— O que eu puder fazer para reparar meu erro, para que você volte para a sua
dimensão, eu vou...
— Então sobreviva — disse em meio ao pranto devastador. — Por favor, sobreviva,
John! Argh! — Um forte puxão e fui abruptamente arrancada de seus braços ensanguentados.
Quando dei por mim, nós éramos empurrados com violência para baixo e um vulto gigantesco
seguido de uma rajada de ar quente passava de raspão por nossos corpos. Um estrondo
atordoante explodiu em meus tímpanos e a pilastra de pedra desabou no chão ao nosso redor,
espatifando-se em milhares de pedaços. O corpo decrépito de John tombou imediatamente.
Sorrateira, a fera tinha atacado e só não havia nos aniquilado porque Richard se jogara sobre
nós.
— Não posso deixá-lo! Malazar vai matá-lo — soltei exasperada ao ver John se arrastar
pelo chão enquanto, atraída pelo cheiro de sangue, a sombra da besta avançava rapidamente
sobre ele. Carregando-me em seus braços, Richard me tirava dali de qualquer maneira.
— Porra! Eu já sei! — Rick tinha a testa lotada de vincos e, escaneando o lugar numa
fração de segundo, escondeu-me atrás de outra pilastra de pedra. — Não saia daqui! Ouviu
bem? — ordenou e, sem pestanejar, saiu em disparada. Surgindo repentinamente atrás do
monstro, Rick começou a atirar pedras, gritar e gesticular, chamando-o para si. O animal
interrompeu o ataque a John e se voltou para ele.
— Fuja, John! — Richard ordenou aos berros.
— Não dá mais — John ofegava. — Não consigo...
— Droga! — Rick bradou nervoso ao ver a fera surgir gigantesca na sua frente e desatou
a correr como um louco em direção contrária.
Ambos eram inteligentes e cada um se utilizava dos seus sentidos mais apurados. Assim,
enquanto Rick tinha a vantagem da visão e de poder se esquivar com agilidade, a fera cega
equilibrava a luta utilizando-se da sua incrível audição e força. Richard se embrenhava em
áreas de difícil acesso e, por vezes, ficava imóvel. Alterando sua rota, ele gradativamente ia
se aproximando de John. Não sei se foi isso que dificultou sua localização, mas o fato é que a
fera mudou seu curso e desapareceu na bruma fantasmagórica.
— Volte! Você precisa salvá-la! — John arfou alto ao vê-lo se aproximar.
— Venha! — Rick não lhe deu atenção, ajudando-o a colocar os braços em suas costas.
— Por que está fazendo isso por mim? — John o indagava petrificado. Rick apenas
lançou-lhe um olhar sombrio. — E-Eu não quis... Obrigad... — A ferida no abdome de John
voltou a sangrar, seu rosto se deformou e ele perdeu a consciência. Richard praguejou e,
visivelmente agitado, jogou o corpo desacordado de John sobre o ombro e correu para uma
das laterais da grande arena.
— Leve Nina e deixe John comigo, Rick! Eu distraio a fera! — Shakur o interceptava,
surgindo inesperadamente ao seu lado.
Richard franziu a testa com força, mas assentiu.
— Aguente firme, ok? — A reação preocupada de Richard me emocionou. Era um pedido
de filho para pai.
— Vou tentar — o líder de negro suspirou alto, olhou uma última vez para mim e me
lançou um sorriso triste. — Proteja-a com a própria vida, Rick. Prometa-me.
Ah, não! Aquilo era... Outra despedida?!
— Eu prometo — Richard fez um mínimo movimento de cabeça e ajeitou o punhal na
mão.
— Pai, não... — arfei sem força ao vê-lo desaparecer pela bruma com o corpo decrépito
de John. O calafrio maldito se espalhava novamente pela minha pele.
— Rápido, Nina! Vamos para o portal! — Rick me puxava com urgência, resgatando-me
do estado de choque. Corremos acelerados até a base do grande rochedo feito de cristais
reluzentes. — Eu dou cobertura enquanto você sobe.
— Não adianta! Não vou deixar meu pai. Eu não vou sem você! — grunhi, tentando
camuflar o choro preso em minha garganta.
Richard travou no lugar, arregalou os enormes olhos azuis e engoliu em seco, perplexo
com o peso das minhas palavras e da súbita decisão. Atordoado, balançava a cabeça
enquanto checava qualquer sinal da fera.
— Sem você, nada do que passei valeu a pena, Rick! — soltei em golfadas.
— Não compreende, minha linda tolinha? Já valeu a pena — ele arfou e o peso da
emoção deixou sua voz rouca.
Foi o suficiente para que eu me jogasse em seus braços feridos e afundasse o rosto em
seu peitoral de aço. Ele retribuiu meu abraço, apertando-me com força contra seu corpo febril,
mas seu semblante era de angústia.
— Richard eu...
— Abaixe-se! — berrou nervoso.
Subitamente, o bico voraz da besta passara como um torpedo por cima de nossas
cabeças e se encravara num emaranhado de rochas brilhantes atrás de nós. A bruma
traiçoeira servira de disfarce para que a fera nos alcançasse sorrateira e com absurda
rapidez. Enquanto o animal dava pancadas com a cauda tentando remover seu bico preso, nós
subíamos o paredão. A força descomunal das batidas nervosas do animal fez com que
inúmeras pedras começassem a rolar montanha abaixo. Richard me guiou para um platô na
parte intermediária do grande rochedo reluzente.
— Conseguimos! A besta não conseguirá alcançá-la aqui em cima e, mesmo que se solte
e assuma outro disfarce, vai precisar de tempo — soltou, mas não havia satisfação em seu
tom de voz. — Eu vou distrair o bicho enquanto você corre para o portal! Que Tyron a proteja!
Com a face deformada por um véu de angústia, ele beijou minha boca e me lançou um
olhar impregnado de tristeza. Eu reconhecia aquela expressão. Era o mesmo olhar de Stela
quando estava sob os escombros do teatro ou nos braços de Ismael. Era o olhar da
despedida. Richard sabia que era a nossa última vez juntos. Ele sabia que era o momento da
sua partida. Desmoronei no lugar. Todas as células do meu corpo estavam se desintegrando
em um rio de sangue, dor e impotência.
— Não! — soltei um choro afônico ao agarrá-lo com desespero. — Não, Rick! Não vá!
Por favor, não vá! Não me deixe!
Tentando se libertar, o animal se debatia abaixo de nós e, ainda assim, pouca
importância ele tinha diante do que acontecia naquele instante. Eu não podia perdê-lo. Rick
não podia morrer.
— Eu nunca vou deixar você, Tesouro — sussurrou em meu ouvido. — Você sempre
estará dentro de mim. Para onde quer que eu vá, vou carregar você dentro do peito. Tudo que
faço é porque sempre te amei demais. Nunca se esqueça disso.
— Rick, não! — implorei sem conseguir soltá-lo. Os nós esbranquiçados dos meus dedos
queimavam.
— Prometa-me que não olhará para trás em hipótese alguma. Prometa-me que não vai
voltar.
— Não!
— Prometa-me, Nina! — ordenou nervoso.
— Rick, vem comigo.
— Não faça isso comigo, Tesouro. Você sabe que eu não posso. Já está difícil demais
deixar você ir — ele arfou ainda mais alto e o azul dos seus olhos brilhou com uma intensidade
que eu nunca presenciei antes. O que estava diferente nele?
— Mas a gente conseguiu. Nós quebramos a maldita lenda! — rebati nervosa. Utilizava
todos os argumentos que minha mente em frangalhos permitia.
— E-eu sei, meu tesouro — gaguejou emocionado. — Eu sei — Richard me puxou para
junto de si e, abraçando-me com vontade arrebatadora, desatou a beijar minha testa. Minha
pulsação deu um pico ao ver sua testa franzir, suas narinas se dilatarem e seu maxilar tremer.
— Se você não pode me acompanhar, então não me peça para nunca mais voltar —
solucei em desespero, lágrimas ardentes embaralhavam minha visão. — A noite de ontem foi a
melhor da minha vida, Rick.
— A minha também — gemeu e sua voz saiu arranhando de tão fraca. — Não entende?
Eu já ganhei muito além do que poderia imaginar. Tyron me presenteou com a maior de todas
as graças que um zirquiniano poderia receber: os bons sentimentos humanos! Pude conhecer o
famoso amor, experimentá-lo em meu corpo e espírito.
— Mas não precisa acabar aqui e agora, droga! Você pode vir comigo!
Richard fechou os olhos, como se sentisse profunda dor, e, checando o monstro a cada
instante, afastou-se de mim. O animal começava a mostrar os primeiros sinais de sucesso.
Parte do bico já estava exposto e faltava pouco para se libertar completamente.
— Não posso fazer isso, Tesouro. Pertencemos a mundos diferentes. Por mais que
tentássemos nos enganar, nós sempre soubemos que não haveria um futuro onde ficaríamos
juntos. Se minha dimensão sobreviver a Malazar, ainda assim nossas vidas caminharão como
duas linhas paralelas. É como tinha de ser desde o início. Não se esqueça de que eu sou a
sua morte, Nina. No curso natural da vida, nosso encontro seria no dia da sua partida. E, no
que depender de mim, quero que você viva por muitos anos, meu amor.
— Por que diz isso agora? O que está me escondendo?
— Preste atenção, Nina. Eu não sei o que acontecerá com essa dimensão! — rebateu
ainda mais tenso. — Zyrk é um plano que surgiu a partir de uma maldição e, em questão de
horas, poderá ser extinto com ela. Malazar saiu de sua prisão de milhares de anos e eu não
posso simplesmente dar as costas ao meu povo e fugir. Eu sou um guerreiro de Thron e vou
lutar até o fim. Partirei com honra.
— Mas...
— Mas a segunda dimensão ainda tem uma chance de sobreviver e só depende das suas
ações. Você precisa atravessar aquele portal — ele me interrompeu. — São bilhões de
pessoas, Nina. Você não pode falhar. Prometa-me, por favor.
Bilhões de pessoas...
Entendimento e frustração fizeram minha cabeça tombar sobre o ombro e, naquela
fração de segundo, minha mente vagou, perdida em lugares distantes, rostos felizes e cheios
de vida. Vislumbrei as praias deslumbrantes do Rio de Janeiro, os canais de Amsterdã, o
fervilhar da Times Square, a beleza exuberante dos desertos da Tunísia e, em todos esses
lugares, recordei-me de ter me deparado com sorrisos gentis, de crianças nascendo e idosos
morrendo. Vidas que seguiam seu curso normal na certeza de um novo amanhã. Onde nascer
e morrer seriam consequências naturais de uma existência, sem lendas ou maldições.
— Eu prometo — murmurei sem forças no exato momento em que um estrondo altíssimo
rompia a nossa bolha e arruinava definitivamente os meus sonhos.
Liberto, o monstro uivava aos quatro ventos e fazia questão que ouvíssemos sua
assustadora britadeira de dentes, chocando-os violentamente uns contra os outros. Nervoso
de tanto esticar o pescoço e não conseguir nos alcançar, o animal ganiu com fúria assassina e
acelerou em direção a Shakur e John. Meu coração apertou no peito.
— Preciso ajudá-los. Vá, Tesouro! E não olhe para trás. — Com a respiração
entrecortada, Richard se aproximou e me abraçou uma última vez. Senti o tremor de seu corpo
febril na minha própria pele. — Eu te amo — finalizou, lançando-me novo sorriso triste. No
instante seguinte ele descia a montanha em velocidade máxima, indo em direção aos demais
zirquinianos. Estremeci ao vê-lo chamar a atenção do monstro. Ele usaria a única moeda de
troca que interessaria àquela besta infernal: a própria vida.
O animal nem teve tempo para decidir quem atacaria primeiro. Richard despontava bem
na sua frente, enfrentando-o como um louco, um suicida. Obriguei-me a virar o rosto e não
olhar. Era hora de agir. Respirei fundo e finalmente obedeci aos dois — a Richard e à voz da
razão que insistentemente buzinava em minha cabeça — e desatei a subir pelas pedras que
brilhavam naquele escuro infernal.
Voltar para a segunda dimensão!
Meu coração acelerou com o súbito pensamento e, por um breve momento, meu corpo
vibrou com a ideia de abrir o portal para minha antiga dimensão e desaparecer dentro dela.
Sair daquele horror, do pesadelo em que fora arremessada há dois meses, e voltar a ter uma
vida. Não uma vida normal porque já havia desistido disso, mas, ao menos, tentar viver e não
apenas sobreviver. Não havia como recuperar meu passado, mas ao menos tentaria refazer
meu futuro. Dei atenção à voz que a cada dia ganhava força e ordenava que eu saísse logo
dali, a voz que afirmava que todas as minhas perdas haviam sido por um nobre motivo, que eu
pouparia a segunda dimensão e seus habitantes de uma terrível catástrofe, que honraria a
morte da minha mãe, de Tom e de John, que reestruturaria minha vida e verdades e,
principalmente, reconstruiria meu futuro arruinado.
Perdi o ar e paralisei com um novo grito de dor. Era de Shakur. Eu não vou olhar para
trás. Não posso olhar. Novo grito. Agora de pavor. E era de Richard. Foco, Nina. Você deve
continuar. Você lhe prometeu que não desistiria, que não voltaria, que... Novos ganidos de
triunfo.
Segurei a tonteira que ameaçou me desmoronar e vi o filme da minha vida passar
acelerado em minha mente perturbada. Outra voz, inicialmente tímida, ganhava espaço. Ela
me obrigava a compreender que eu podia não ter surgido da semente da paixão entre duas
pessoas, mas que eu era o fruto do amor, o produto construído da dedicação e abnegação. A
prova contundente de que um sentimento maior é capaz de aflorar das situações mais incertas,
capaz de transformar fel em bem-querer, morte em vida. Tantas pessoas me amaram, as mais
improváveis delas deram suas vidas pela minha. E todas elas afirmaram que eu era um milagre
e não uma maldição. A voz insistia em afirmar que eu não poderia me dar ao luxo de
simplesmente desistir ou fugir, que eu não havia perdido minha mãe em vão. Stela sempre
soube do meu valor e por isso lutou por mim até o dia em que eu mesma poderia arregaçar as
mangas e guerrear pelo meu mundo, por mim mesma. Híbrida ou não, meu futuro ainda estava
em construção. Só dependia de mim e de minhas ações, dos caminhos que tomaria. De mãos
dadas a uma parte dentro de mim, ela alertava que eu não poderia me acovardar e que aquele
momento era o decisivo, qualquer que fosse o percurso que desejasse tomar: viver em fuga ou
morrer lutando. A voz acreditava em mim, no dom que eu supostamente vinha carregando em
meu espírito e células desde o momento em que fui concebida.
Rechacei essa nova voz da cabeça e, escalando as pedras sem olhar para trás, tentava
a todo custo me manter concentrada em minhas passadas e destino. Obrigava-me a
permanecer indiferente aos ganidos da besta e berros nervosos de Samantha e de Richard. O
pavor em tomar conhecimento no que estava acontecendo naquele exato momento fez o
conflito voltar a se agigantar dentro do meu peito. Eu havia feito uma promessa a Richard. Não
podia voltar atrás. Tentava me convencer a todo custo de que estava perto de conseguir, bem
perto do portal e da segunda dimensão. Do lugar que cheguei a achar que um dia foi meu, que
me pertenceu. Do lugar de onde minha mãe não queria que eu saísse. Estava perto de voltar a
ser uma garota “quase” comum, bem perto de ter uma vida “quase” normal, com um futuro
“quase” promissor e talvez com um “quase” novo amor. Era só não olhar para trás, era só não
me despedir...
DROGA! DROGA! DROGA!
Eu precisava olhar! Tudo que eu mais queria estava atrás de mim e não à minha frente!
Lá estavam as pessoas que, ditas insensíveis e amaldiçoadas, entregaram suas vidas pela
minha e ainda lutavam para me manter viva: Shakur, John, Richard! Foi graças ao meu
estranho dom que topei com os olhos azuis-turquesa mais deslumbrantes desta ou de qualquer
outra dimensão. Saber que ele cometeu todas as loucuras por mim não só me comprimia o
peito de culpa e remorso, mas o inflava de felicidade. Ele me amava! Eu o amava. E nossos
corpos se completavam, perfeitos, lindos, únicos. Eu ia lutar com todas as minhas forças para
sobreviver, mas, se morresse, já teria valido a pena. Toda a jornada. Tudo.
— Que se dane este portal!
Então tudo aconteceu.
Imprevisível.
Novamente.
Presa entre as garras do monstro, meus olhos instintivamente procuraram por Richard,
mas não o encontraram. A pilastra estava vazia.
Novo ganido ensurdecedor. O pescoço da fera envergava-se para trás e ela me soltava.
— Demônio maldito! — Esbravejando como um louco, Rick cravava repetidamente o
punhal que eu havia perdido no pescoço da besta, fazendo-a uivar de dor e sair de cima de
mim. O sangue que vertia dos cortes em seus braços confirmava que ele havia terminado de
rasgar as cordas à força para me salvar. A luta era apavorante e injusta. Richard era forte e
rápido, mas não conseguia ser páreo para o monstro gigantesco e apenas se defendia dos
ataques cada vez mais perigosos. O bicho soltou um rugido alto e, em uma investida precisa,
lançou-o a grande distância, fazendo seu corpo rolar pelo chão e desaparecer na névoa
acinzentada.
Sob pânico absurdo, meu corpo deu os primeiros sinais de reação e eu consegui me
arrastar e esconder. O animal ganiu outras vezes e, ao não me encontrar em meio à nuvem de
poeira, optou por partir em direção a um John completamente combalido. Alguns ruídos
fizeram a fera se distrair e desaparecer do meu campo de visão. Aproveitando-me do
momento, finquei as unhas na terra, suportei a dor que latejava em minha cabeça e pernas e
caminhei cambaleante em direção a John. Perdi o chão ao ver seu péssimo estado. Mesmo na
escuridão era possível identificar a palidez em sua pele e lábios. O sangue vertia em
abundância da grave ferida em seu abdome. Havia poucas cordas a cortar porque grande
parte delas tinha sido destruída durante o ataque da besta e ainda assim parecia uma tarefa
impossível devido ao meu estado de nervos e às lágrimas que jorravam de meus olhos.
— Você prometeu que nunca mais me abandonaria — sussurrei, não conseguindo
disfarçar meu estado de pavor.
— É o fim da linha pra mim, Nina — a voz fraca de John confirmava seu decadente
estado.
— Não! Vou levar você comigo!
— Perdoe-me, por favor. — Ele abriu um sorriso triste e uma ferida em meu coração. —
Eu fui tão estúpido e... Não consegui enxergar o óbvio porque...
— Depois, John — balbuciei sem conseguir conter a emoção em forma de dor que me
paralisava. Eu o puxava, mas ele simplesmente não saía do lugar. Ou era eu que não me
mexia? Minha mente girava, desorientada.
Outra despedida.
Eu estava perdendo John.
Minha existência o havia matado também.
— N-Não enxerguei porque estava cego pelo sentimento que nutro por você — sua voz
falhava e ele mal conseguia respirar.
— Não! — Chamas queimavam minha garganta. Encarando-o com desespero, solucei
alto e afundei o rosto na curva de seu ombro. Os espasmos não eram apenas do meu corpo.
Minha alma sofria.
— O que eu puder fazer para reparar meu erro, para que você volte para a sua
dimensão, eu vou...
— Então sobreviva — disse em meio ao pranto devastador. — Por favor, sobreviva,
John! Argh! — Um forte puxão e fui abruptamente arrancada de seus braços ensanguentados.
Quando dei por mim, nós éramos empurrados com violência para baixo e um vulto gigantesco
seguido de uma rajada de ar quente passava de raspão por nossos corpos. Um estrondo
atordoante explodiu em meus tímpanos e a pilastra de pedra desabou no chão ao nosso redor,
espatifando-se em milhares de pedaços. O corpo decrépito de John tombou imediatamente.
Sorrateira, a fera tinha atacado e só não havia nos aniquilado porque Richard se jogara sobre
nós.
— Não posso deixá-lo! Malazar vai matá-lo — soltei exasperada ao ver John se arrastar
pelo chão enquanto, atraída pelo cheiro de sangue, a sombra da besta avançava rapidamente
sobre ele. Carregando-me em seus braços, Richard me tirava dali de qualquer maneira.
— Porra! Eu já sei! — Rick tinha a testa lotada de vincos e, escaneando o lugar numa
fração de segundo, escondeu-me atrás de outra pilastra de pedra. — Não saia daqui! Ouviu
bem? — ordenou e, sem pestanejar, saiu em disparada. Surgindo repentinamente atrás do
monstro, Rick começou a atirar pedras, gritar e gesticular, chamando-o para si. O animal
interrompeu o ataque a John e se voltou para ele.
— Fuja, John! — Richard ordenou aos berros.
— Não dá mais — John ofegava. — Não consigo...
— Droga! — Rick bradou nervoso ao ver a fera surgir gigantesca na sua frente e desatou
a correr como um louco em direção contrária.
Ambos eram inteligentes e cada um se utilizava dos seus sentidos mais apurados. Assim,
enquanto Rick tinha a vantagem da visão e de poder se esquivar com agilidade, a fera cega
equilibrava a luta utilizando-se da sua incrível audição e força. Richard se embrenhava em
áreas de difícil acesso e, por vezes, ficava imóvel. Alterando sua rota, ele gradativamente ia
se aproximando de John. Não sei se foi isso que dificultou sua localização, mas o fato é que a
fera mudou seu curso e desapareceu na bruma fantasmagórica.
— Volte! Você precisa salvá-la! — John arfou alto ao vê-lo se aproximar.
— Venha! — Rick não lhe deu atenção, ajudando-o a colocar os braços em suas costas.
— Por que está fazendo isso por mim? — John o indagava petrificado. Rick apenas
lançou-lhe um olhar sombrio. — E-Eu não quis... Obrigad... — A ferida no abdome de John
voltou a sangrar, seu rosto se deformou e ele perdeu a consciência. Richard praguejou e,
visivelmente agitado, jogou o corpo desacordado de John sobre o ombro e correu para uma
das laterais da grande arena.
— Leve Nina e deixe John comigo, Rick! Eu distraio a fera! — Shakur o interceptava,
surgindo inesperadamente ao seu lado.
Richard franziu a testa com força, mas assentiu.
— Aguente firme, ok? — A reação preocupada de Richard me emocionou. Era um pedido
de filho para pai.
— Vou tentar — o líder de negro suspirou alto, olhou uma última vez para mim e me
lançou um sorriso triste. — Proteja-a com a própria vida, Rick. Prometa-me.
Ah, não! Aquilo era... Outra despedida?!
— Eu prometo — Richard fez um mínimo movimento de cabeça e ajeitou o punhal na
mão.
— Pai, não... — arfei sem força ao vê-lo desaparecer pela bruma com o corpo decrépito
de John. O calafrio maldito se espalhava novamente pela minha pele.
— Rápido, Nina! Vamos para o portal! — Rick me puxava com urgência, resgatando-me
do estado de choque. Corremos acelerados até a base do grande rochedo feito de cristais
reluzentes. — Eu dou cobertura enquanto você sobe.
— Não adianta! Não vou deixar meu pai. Eu não vou sem você! — grunhi, tentando
camuflar o choro preso em minha garganta.
Richard travou no lugar, arregalou os enormes olhos azuis e engoliu em seco, perplexo
com o peso das minhas palavras e da súbita decisão. Atordoado, balançava a cabeça
enquanto checava qualquer sinal da fera.
— Sem você, nada do que passei valeu a pena, Rick! — soltei em golfadas.
— Não compreende, minha linda tolinha? Já valeu a pena — ele arfou e o peso da
emoção deixou sua voz rouca.
Foi o suficiente para que eu me jogasse em seus braços feridos e afundasse o rosto em
seu peitoral de aço. Ele retribuiu meu abraço, apertando-me com força contra seu corpo febril,
mas seu semblante era de angústia.
— Richard eu...
— Abaixe-se! — berrou nervoso.
Subitamente, o bico voraz da besta passara como um torpedo por cima de nossas
cabeças e se encravara num emaranhado de rochas brilhantes atrás de nós. A bruma
traiçoeira servira de disfarce para que a fera nos alcançasse sorrateira e com absurda
rapidez. Enquanto o animal dava pancadas com a cauda tentando remover seu bico preso, nós
subíamos o paredão. A força descomunal das batidas nervosas do animal fez com que
inúmeras pedras começassem a rolar montanha abaixo. Richard me guiou para um platô na
parte intermediária do grande rochedo reluzente.
— Conseguimos! A besta não conseguirá alcançá-la aqui em cima e, mesmo que se solte
e assuma outro disfarce, vai precisar de tempo — soltou, mas não havia satisfação em seu
tom de voz. — Eu vou distrair o bicho enquanto você corre para o portal! Que Tyron a proteja!
Com a face deformada por um véu de angústia, ele beijou minha boca e me lançou um
olhar impregnado de tristeza. Eu reconhecia aquela expressão. Era o mesmo olhar de Stela
quando estava sob os escombros do teatro ou nos braços de Ismael. Era o olhar da
despedida. Richard sabia que era a nossa última vez juntos. Ele sabia que era o momento da
sua partida. Desmoronei no lugar. Todas as células do meu corpo estavam se desintegrando
em um rio de sangue, dor e impotência.
— Não! — soltei um choro afônico ao agarrá-lo com desespero. — Não, Rick! Não vá!
Por favor, não vá! Não me deixe!
Tentando se libertar, o animal se debatia abaixo de nós e, ainda assim, pouca
importância ele tinha diante do que acontecia naquele instante. Eu não podia perdê-lo. Rick
não podia morrer.
— Eu nunca vou deixar você, Tesouro — sussurrou em meu ouvido. — Você sempre
estará dentro de mim. Para onde quer que eu vá, vou carregar você dentro do peito. Tudo que
faço é porque sempre te amei demais. Nunca se esqueça disso.
— Rick, não! — implorei sem conseguir soltá-lo. Os nós esbranquiçados dos meus dedos
queimavam.
— Prometa-me que não olhará para trás em hipótese alguma. Prometa-me que não vai
voltar.
— Não!
— Prometa-me, Nina! — ordenou nervoso.
— Rick, vem comigo.
— Não faça isso comigo, Tesouro. Você sabe que eu não posso. Já está difícil demais
deixar você ir — ele arfou ainda mais alto e o azul dos seus olhos brilhou com uma intensidade
que eu nunca presenciei antes. O que estava diferente nele?
— Mas a gente conseguiu. Nós quebramos a maldita lenda! — rebati nervosa. Utilizava
todos os argumentos que minha mente em frangalhos permitia.
— E-eu sei, meu tesouro — gaguejou emocionado. — Eu sei — Richard me puxou para
junto de si e, abraçando-me com vontade arrebatadora, desatou a beijar minha testa. Minha
pulsação deu um pico ao ver sua testa franzir, suas narinas se dilatarem e seu maxilar tremer.
— Se você não pode me acompanhar, então não me peça para nunca mais voltar —
solucei em desespero, lágrimas ardentes embaralhavam minha visão. — A noite de ontem foi a
melhor da minha vida, Rick.
— A minha também — gemeu e sua voz saiu arranhando de tão fraca. — Não entende?
Eu já ganhei muito além do que poderia imaginar. Tyron me presenteou com a maior de todas
as graças que um zirquiniano poderia receber: os bons sentimentos humanos! Pude conhecer o
famoso amor, experimentá-lo em meu corpo e espírito.
— Mas não precisa acabar aqui e agora, droga! Você pode vir comigo!
Richard fechou os olhos, como se sentisse profunda dor, e, checando o monstro a cada
instante, afastou-se de mim. O animal começava a mostrar os primeiros sinais de sucesso.
Parte do bico já estava exposto e faltava pouco para se libertar completamente.
— Não posso fazer isso, Tesouro. Pertencemos a mundos diferentes. Por mais que
tentássemos nos enganar, nós sempre soubemos que não haveria um futuro onde ficaríamos
juntos. Se minha dimensão sobreviver a Malazar, ainda assim nossas vidas caminharão como
duas linhas paralelas. É como tinha de ser desde o início. Não se esqueça de que eu sou a
sua morte, Nina. No curso natural da vida, nosso encontro seria no dia da sua partida. E, no
que depender de mim, quero que você viva por muitos anos, meu amor.
— Por que diz isso agora? O que está me escondendo?
— Preste atenção, Nina. Eu não sei o que acontecerá com essa dimensão! — rebateu
ainda mais tenso. — Zyrk é um plano que surgiu a partir de uma maldição e, em questão de
horas, poderá ser extinto com ela. Malazar saiu de sua prisão de milhares de anos e eu não
posso simplesmente dar as costas ao meu povo e fugir. Eu sou um guerreiro de Thron e vou
lutar até o fim. Partirei com honra.
— Mas...
— Mas a segunda dimensão ainda tem uma chance de sobreviver e só depende das suas
ações. Você precisa atravessar aquele portal — ele me interrompeu. — São bilhões de
pessoas, Nina. Você não pode falhar. Prometa-me, por favor.
Bilhões de pessoas...
Entendimento e frustração fizeram minha cabeça tombar sobre o ombro e, naquela
fração de segundo, minha mente vagou, perdida em lugares distantes, rostos felizes e cheios
de vida. Vislumbrei as praias deslumbrantes do Rio de Janeiro, os canais de Amsterdã, o
fervilhar da Times Square, a beleza exuberante dos desertos da Tunísia e, em todos esses
lugares, recordei-me de ter me deparado com sorrisos gentis, de crianças nascendo e idosos
morrendo. Vidas que seguiam seu curso normal na certeza de um novo amanhã. Onde nascer
e morrer seriam consequências naturais de uma existência, sem lendas ou maldições.
— Eu prometo — murmurei sem forças no exato momento em que um estrondo altíssimo
rompia a nossa bolha e arruinava definitivamente os meus sonhos.
Liberto, o monstro uivava aos quatro ventos e fazia questão que ouvíssemos sua
assustadora britadeira de dentes, chocando-os violentamente uns contra os outros. Nervoso
de tanto esticar o pescoço e não conseguir nos alcançar, o animal ganiu com fúria assassina e
acelerou em direção a Shakur e John. Meu coração apertou no peito.
— Preciso ajudá-los. Vá, Tesouro! E não olhe para trás. — Com a respiração
entrecortada, Richard se aproximou e me abraçou uma última vez. Senti o tremor de seu corpo
febril na minha própria pele. — Eu te amo — finalizou, lançando-me novo sorriso triste. No
instante seguinte ele descia a montanha em velocidade máxima, indo em direção aos demais
zirquinianos. Estremeci ao vê-lo chamar a atenção do monstro. Ele usaria a única moeda de
troca que interessaria àquela besta infernal: a própria vida.
O animal nem teve tempo para decidir quem atacaria primeiro. Richard despontava bem
na sua frente, enfrentando-o como um louco, um suicida. Obriguei-me a virar o rosto e não
olhar. Era hora de agir. Respirei fundo e finalmente obedeci aos dois — a Richard e à voz da
razão que insistentemente buzinava em minha cabeça — e desatei a subir pelas pedras que
brilhavam naquele escuro infernal.
Voltar para a segunda dimensão!
Meu coração acelerou com o súbito pensamento e, por um breve momento, meu corpo
vibrou com a ideia de abrir o portal para minha antiga dimensão e desaparecer dentro dela.
Sair daquele horror, do pesadelo em que fora arremessada há dois meses, e voltar a ter uma
vida. Não uma vida normal porque já havia desistido disso, mas, ao menos, tentar viver e não
apenas sobreviver. Não havia como recuperar meu passado, mas ao menos tentaria refazer
meu futuro. Dei atenção à voz que a cada dia ganhava força e ordenava que eu saísse logo
dali, a voz que afirmava que todas as minhas perdas haviam sido por um nobre motivo, que eu
pouparia a segunda dimensão e seus habitantes de uma terrível catástrofe, que honraria a
morte da minha mãe, de Tom e de John, que reestruturaria minha vida e verdades e,
principalmente, reconstruiria meu futuro arruinado.
Perdi o ar e paralisei com um novo grito de dor. Era de Shakur. Eu não vou olhar para
trás. Não posso olhar. Novo grito. Agora de pavor. E era de Richard. Foco, Nina. Você deve
continuar. Você lhe prometeu que não desistiria, que não voltaria, que... Novos ganidos de
triunfo.
Segurei a tonteira que ameaçou me desmoronar e vi o filme da minha vida passar
acelerado em minha mente perturbada. Outra voz, inicialmente tímida, ganhava espaço. Ela
me obrigava a compreender que eu podia não ter surgido da semente da paixão entre duas
pessoas, mas que eu era o fruto do amor, o produto construído da dedicação e abnegação. A
prova contundente de que um sentimento maior é capaz de aflorar das situações mais incertas,
capaz de transformar fel em bem-querer, morte em vida. Tantas pessoas me amaram, as mais
improváveis delas deram suas vidas pela minha. E todas elas afirmaram que eu era um milagre
e não uma maldição. A voz insistia em afirmar que eu não poderia me dar ao luxo de
simplesmente desistir ou fugir, que eu não havia perdido minha mãe em vão. Stela sempre
soube do meu valor e por isso lutou por mim até o dia em que eu mesma poderia arregaçar as
mangas e guerrear pelo meu mundo, por mim mesma. Híbrida ou não, meu futuro ainda estava
em construção. Só dependia de mim e de minhas ações, dos caminhos que tomaria. De mãos
dadas a uma parte dentro de mim, ela alertava que eu não poderia me acovardar e que aquele
momento era o decisivo, qualquer que fosse o percurso que desejasse tomar: viver em fuga ou
morrer lutando. A voz acreditava em mim, no dom que eu supostamente vinha carregando em
meu espírito e células desde o momento em que fui concebida.
Rechacei essa nova voz da cabeça e, escalando as pedras sem olhar para trás, tentava
a todo custo me manter concentrada em minhas passadas e destino. Obrigava-me a
permanecer indiferente aos ganidos da besta e berros nervosos de Samantha e de Richard. O
pavor em tomar conhecimento no que estava acontecendo naquele exato momento fez o
conflito voltar a se agigantar dentro do meu peito. Eu havia feito uma promessa a Richard. Não
podia voltar atrás. Tentava me convencer a todo custo de que estava perto de conseguir, bem
perto do portal e da segunda dimensão. Do lugar que cheguei a achar que um dia foi meu, que
me pertenceu. Do lugar de onde minha mãe não queria que eu saísse. Estava perto de voltar a
ser uma garota “quase” comum, bem perto de ter uma vida “quase” normal, com um futuro
“quase” promissor e talvez com um “quase” novo amor. Era só não olhar para trás, era só não
me despedir...
DROGA! DROGA! DROGA!
Eu precisava olhar! Tudo que eu mais queria estava atrás de mim e não à minha frente!
Lá estavam as pessoas que, ditas insensíveis e amaldiçoadas, entregaram suas vidas pela
minha e ainda lutavam para me manter viva: Shakur, John, Richard! Foi graças ao meu
estranho dom que topei com os olhos azuis-turquesa mais deslumbrantes desta ou de qualquer
outra dimensão. Saber que ele cometeu todas as loucuras por mim não só me comprimia o
peito de culpa e remorso, mas o inflava de felicidade. Ele me amava! Eu o amava. E nossos
corpos se completavam, perfeitos, lindos, únicos. Eu ia lutar com todas as minhas forças para
sobreviver, mas, se morresse, já teria valido a pena. Toda a jornada. Tudo.
— Que se dane este portal!
Então tudo aconteceu.
Imprevisível.
Novamente.
quinta-feira, 31 de maio de 2018
52 - Paixão: Despertando o anseio em seu coração - MEM MEM AYIN
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REFLEXÂO: Conta-se a história de um senhor idoso que não sabia ler nem escrever.
Ele queria desesperadamente oferecer ao Criador uma oração de gratidão, contida num livro sagrado de rezas, mas não conseguia ler as palavras escritas nas páginas. No entanto, seu desejo de se conectar com seu Criador era grande, então ele começou a recitar o alfabeto. Implorou ao Criador para que arrumasse as letras em suas seqüências adequadas, formando as palavras das orações. Um homem extremamente religioso que passava escutou o senhor idoso recitando o alfabeto. Ele riu da estupidez da oração do homem e, naquele instante, os portões do céu se fecharam para sempre para as orações do religioso. Na verdade, os anjos dançavam com alegria enquanto a oração simples e sincera do ancião subia para o Mundo Superior. O senhor idoso tinha iluminado o céu com os anseios de seu coração. AÇÂO:Este nome atiça o fogo da paixão em seu coração e em sua alma. Estas letras lhes dão o poder de manter sinceridade, a devoção e a consciência correta em suas orações, em suas meditações e em suas conexões espirituais. |
Seicho-No-Ie do Brasil - Mensagem Diária
Seicho-No-Ie do Brasil - Mensagem Diária
AGORA É O MOMENTO PROPÍCIO; AGORA É A OPORTUNIDADE.
Não fique vagando ora para um lado, ora para outro, em busca de uma “boa oportunidade”. Você é “filho de Deus”. Para um “filho de Deus”, todos os lugares e todas as ocasiões são boas oportunidades para o autodesenvolvimento. Agora é o momento. Uma situação difícil constitui o “esmeril” que irá burilar a sua pessoa
AGORA É O MOMENTO PROPÍCIO; AGORA É A OPORTUNIDADE.
Não fique vagando ora para um lado, ora para outro, em busca de uma “boa oportunidade”. Você é “filho de Deus”. Para um “filho de Deus”, todos os lugares e todas as ocasiões são boas oportunidades para o autodesenvolvimento. Agora é o momento. Uma situação difícil constitui o “esmeril” que irá burilar a sua pessoa
31º Dia do Mês - Exercicios de meditação
31º Dia do Mês
1. No dia 31 do mês, o foque em áreas separadas de cada cena. Veja, por exemplo,
está a crescer num lote uma árvore. Perceba que debaixo dela tem terra e sobre ela e
sobre os lados, tem ar. Todas estas áreas diferentes juntas em sua mente, para que você
possa vê-las em toda a reprodução do eterno da vida. A vida é eterna. Você tem que
perceber isso. Tenha isso em mente, observando o mundo ao nosso redor, a sensação de
que o resolveu. Venha e sensibilize-se para esta verdade em você, sim, é a vida eterna!
2. Dígitos para Concentração
* Concentre-se intensamente na sequência de sete números: 1532106
* Concentre-se intensamente na sequência de nove números: 185 214 321
3. Concentre nesse dia em si próprio. Você está totalmente saudável, e todos ao seu
redor estão saudáveis. E o mundo é eterno. E todos os eventos são criativos. E todos nós
só podemos ver em uma luz positiva. E em todos os lugares é sempre uma vantagem.
Para esses exercícios, eu gostaria de fazer mais um comentário. Mais uma vez, que você
mesmo determine o nível de concentração e duração. Você também deve decidir que
o resultado é atualmente o mais importante para você, por que deve esforçar-se em
primeiro lugar. Se você tem um resultado específico para cada nomeação, em seguida,
colocou-o no momento, a meta estabelecida pela concentração e chegou. Lembre-se,
este exercício é criativo. Eles estão construindo. Com estas concentrações, faz crescer
espiritualmente, e esta por sua vez ajuda todas estas concentrações em um nível superior
que pode fornecer o desenvolvimento ainda maior e assim por diante. Este processo é
interminável. Logo você vai descobrir que sua vida mudará para melhor, apesar de ser
preciso, eu tenho a dizer é que você começou, ele começou a gradualmente assumir o
controle de sua vida na sua mão. Estas práticas contribuem para o desenvolvimento da
consciência, tornando o desenvolvimento de eventos em sua vida em uma direção
positiva, a obtenção de plena saúde e harmonia com o pulso do universo
1. No dia 31 do mês, o foque em áreas separadas de cada cena. Veja, por exemplo,
está a crescer num lote uma árvore. Perceba que debaixo dela tem terra e sobre ela e
sobre os lados, tem ar. Todas estas áreas diferentes juntas em sua mente, para que você
possa vê-las em toda a reprodução do eterno da vida. A vida é eterna. Você tem que
perceber isso. Tenha isso em mente, observando o mundo ao nosso redor, a sensação de
que o resolveu. Venha e sensibilize-se para esta verdade em você, sim, é a vida eterna!
2. Dígitos para Concentração
* Concentre-se intensamente na sequência de sete números: 1532106
* Concentre-se intensamente na sequência de nove números: 185 214 321
3. Concentre nesse dia em si próprio. Você está totalmente saudável, e todos ao seu
redor estão saudáveis. E o mundo é eterno. E todos os eventos são criativos. E todos nós
só podemos ver em uma luz positiva. E em todos os lugares é sempre uma vantagem.
Para esses exercícios, eu gostaria de fazer mais um comentário. Mais uma vez, que você
mesmo determine o nível de concentração e duração. Você também deve decidir que
o resultado é atualmente o mais importante para você, por que deve esforçar-se em
primeiro lugar. Se você tem um resultado específico para cada nomeação, em seguida,
colocou-o no momento, a meta estabelecida pela concentração e chegou. Lembre-se,
este exercício é criativo. Eles estão construindo. Com estas concentrações, faz crescer
espiritualmente, e esta por sua vez ajuda todas estas concentrações em um nível superior
que pode fornecer o desenvolvimento ainda maior e assim por diante. Este processo é
interminável. Logo você vai descobrir que sua vida mudará para melhor, apesar de ser
preciso, eu tenho a dizer é que você começou, ele começou a gradualmente assumir o
controle de sua vida na sua mão. Estas práticas contribuem para o desenvolvimento da
consciência, tornando o desenvolvimento de eventos em sua vida em uma direção
positiva, a obtenção de plena saúde e harmonia com o pulso do universo
CAPÍTULO 30 - Não fuja
CAPÍTULO 30-
Parecia um filme de terror com requintes mórbidos. Enquanto eu caía em uma queda
infinita, a película da realidade se desmanchava ao meu redor e começava a definir um cenário
de pavor, conflito e destruição. A luz se fora e meu corpo mergulhava com velocidade dentro
de um mar de névoa quente e escura.
Malazar gargalhou alto mais uma vez.
Foquei minha visão e, acima de mim, a simpática casinha de tijolos brancos e marrons se
desintegrava em labaredas de fogo e se transformava nos imensos cristais das Dunas de
Vento. Antes disso, no entanto, ela rodopiou em torno do próprio eixo e as duas portas
espelhadas trocaram de posição com perfeição.
A inimaginável descoberta me fez sufocar com o próprio ar.
Como não fui capaz de perceber a maldita farsa?
Agora estava tudo tão óbvio! As peças se encaixavam: a tonteira momentânea que senti
quando entrei na pequena casa; a mesa branca bem no meio do ambiente e o vaso
centralizado sobre ela que serviriam como um proposital ponto de referência; a atmosfera
branca e ofuscante e as portas espelhadas de frente uma para a outra.
Tudo fazia parte de um jogo!
De fato, um truque simples, de mestre! Em uma fração de segundo, Malazar havia feito o
chão da casa girar cento e oitenta graus em torno do próprio eixo quando coloquei os pés
dentro dela, mas mantivera seu centro imóvel, de forma que o vaso e a flor não se mexeriam
e, consequentemente, não despertariam as minhas suspeitas. Eu pensaria, como de fato
aconteceu, que tinha sofrido uma simples tontura. Só que, a partir daquele momento, todas as
posições tinham sido alteradas!
Malazar havia trocado as portas espelhadas de lugar e, sem que eu percebesse, ele
havia colocado a vertente de saída de Chawmin atrás de mim e a porta pela qual eu havia
entrado à minha frente!
Durante todo o seu teatro, ele ardilosamente apontava e pedia para que eu abrisse a
porta errada! Aquela era a vertente de entrada de Chawmin e não a de saída, como me fez
acreditar. Astuto, ele já havia me estudado. Sempre soube que eu não a abriria por vontade
própria. Toda a conversa tinha sido pura encenação. A verdadeira porta de saída estava atrás
de mim o tempo todo e não à minha frente. Além disso, minhas suspeitas acabavam de se
confirmar: sua catacumba nunca pertenceu ao Vértice! Ela estava dentro da terceira dimensão,
em uma pequena área dentro das Dunas de Vento!
Contra a minha vontade, eu havia feito exatamente o que o diabo planejara: eu tinha
aberto Chawmin, liberado Malazar, e acabava de decretar o extermínio da segunda e da
terceira dimensões!
Refutei a palavra “amaldiçoada” para longe da minha mente e não permiti meu espírito
ser assolado pelo sentimento de culpa. Caindo ainda mais rápido, forcei meu raciocínio ao
extremo, buscando com todas as minhas forças encontrar uma solução, uma saída
minimamente razoável para todo aquele horror.
Malazar se lançava no ar, vitorioso, seguido de perto por um exército de espectros
agonizantes.
Céus! Aqueles eram os Umbris?!
As almas atormentadas tinham a aparência cadavérica e uivavam ainda mais alto do que
as raivosas rajadas de vento. O demônio, apesar da pele vermelha e órbitas completamente
negras, ainda mantinha seu disfarce humano e, com um sorriso triunfal, acelerou seu voo em
minha direção.
— Argh! — Por sorte, meu corpo se chocou contra um amontoado de terra na base da
montanha e rolou com velocidade a parte final da descida, esfolando rosto, mãos, braços e
pernas. Quando o mundo parou de girar, respirei aliviada ao perceber que não havia quebrado
nenhum osso.
Mas agora era a minha razão que rodopiava.
O vento violento das dunas cessou e, de repente, escutei bramidos de cólera, berros de
dor, relinchar de cavalos e tilintar de espadas. A noite era escura. O lúgubre ambiente era
iluminado apenas pelas tochas e a claridade dos espectros. Novo baque: a grande névoa ao
redor da arena havia desaparecido e, em seu lugar, presenciei uma sangrenta batalha entre os
zirquinianos dos quatro clãs e suas sombras.
Ah, não! O caos já havia começado! Zyrk estava em guerra!
A multidão de pessoas maltrapilhas avançava sobre os exércitos dos clãs, que, apesar
de superiores em armas e preparo, eram em número bem menor e iam tendo baixas
expressivas. A força dos magos era colocada à prova e, a julgar pelo que acontecia bem
diante dos meus olhos, sua magia não suportaria aquele ataque por muito tempo. Os soldados
de branco do Grande Conselho recuavam. As sombras miseráveis, os filhos desprezados de
Zyrk, estavam ganhando a guerra, assim como Guimlel previra.
Novo estrondo altíssimo, e a terra tremeu com violência. A multidão de zirquinianos
congelou em choque, deixando punhais, espadas e outras armas paralisarem no ar. Só agora
eles foram capazes de enxergar a chegada de Malazar e de seus Umbris.
— Protejam a híbrida!— Era a voz de Sertolin dando comando enérgico aos magos que
se encontravam dentro da arena.
Em meio ao caos, muitos zirquinianos não conseguiram abandonar o lugar e fugir, sendo
cercados pelos Umbris. Os espectros demoníacos avançaram sobre as pobres vítimas e,
brigando entre si pelos pedaços das suas almas, arrancavam pele, membros e olhos,
drenando o elixir da vida enquanto torturavam seus corpos. Eles não tentaram atacar os cinco
condenados, provavelmente por se tratarem das oferendas de seu líder.
— Não estamos conseguindo! — berrou Braham nervoso à medida que ele e seu
grupamento de magos eram subitamente repelidos da arena. — Há uma energia poderosa nos
afastando da catacumba!
— Raça repugnante! — bramia Malazar. — Vou aniquilá-la assim que sair daqui!
— Isso não vai acontecer, maldito! — rebateu o pequenino Sertolin. —Não conseguirá
ultrapassar a barreira mágica!
— Será mesmo? — Malazar desdenhou em tom desafiador.
— Seus poderes são limitados aí dentro! — Apesar de manter a postura irredutível,
Sertolin não conseguiu camuflar o semblante de preocupação.
— Ah! Esse detalhe... — O demônio parecia se divertir com a situação.
— Nina, você tem que sobreviver. Tente retornar ao portal. Nele há também uma
passagem para a segunda dimensão que é bloqueada para os zirquinianos — Uma voz
telepática sussurrou em meus ouvidos, pegando-me de surpresa. Tinha a entonação diferente,
mas eu sabia a quem ela pertencia: Shakur!
— Eu não vou fugir dessa vez — pensei determinada.
— Não entende, Nina? Só você pode desequilibrar esse duelo de forças místicas. Tudo
faz parte de um jogo diabólico. Não existem oferendas. Você é a grande oferenda! A lenda
diz que Malazar precisa sair desta catacumba antes no nascer do sol, caso contrário será
novamente encarcerado no Vértice. Mas, para conseguir isso, ele terá que se despir de seus
disfarces, assumindo sua verdadeira identidade, e se apossar da sua poderosa energia. Ele
precisará te matar — alertava-me Shakur em pensamento.
— Quem disse isso? — bradou Malazar com espanto.
Droga! Ele havia escutado também!
— É um novo truque, Guimlel? — O demônio checava o lugar com a fisionomia perigosa.
— Gostou? — A voz em forma de tornado de Guimlel assumia o ato em alto e bom som.
— Muito. Aproxime-se, Guimlel.
— Não.
— Está se escondendo de mim, mago? — atiçou Satanás. — Não consigo enxergá-lo em
meio a essa multidão de mendigos.
— Mas eu o vejo perfeitamente. Aliás, enxergo mais do que isso. Agora tenho certeza de
que seus poderes aí dentro são irrisórios — a voz atrevida de Guimlel o enfrentava.
— Você quer jogar? — Malazar trovejou num misto de cólera e desafio e caminhou
lentamente até parar em frente à linha branca cintilante delimitada no chão da catacumba, mas
não ousou ultrapassá-la. — Ótimo! Porque é o que faço de melhor!
De costas para mim, o demônio soltou um ruído gutural, curvou o corpo para a frente e,
subitamente, jogou os braços para cima, esticando-os ao máximo.
— Cada um de vocês pagará pelos meus milhares de anos de exílio! Assistirão a uma
pequena amostra do que acontecerá com todos dessa dimensão maldita!
Então a mágica do horror aconteceu: a boca de Malazar abriu, assumindo proporções
assustadoras, e, no instante seguinte, os Umbris eram sugados, um a um, para dentro dela.
Os braços e pernas de Malazar se alongaram, a pele vermelho vivo escureceu e ganhou
escamas brilhantes e afiadas. Meu punhal dourado caiu aos seus pés quando o terno branco
deu lugar a um corpo monstruoso. Num piscar de olhos, escutei os uivos altíssimos do vento,
que ganharam um tom demoníaco quando suas rajadas ficaram abafadas, ininterruptas e com
forte odor pútrido. Os berros de pânico que apunhalavam meus ouvidos subitamente
desapareceram, como se tivessem sido propositalmente desligados. Quando a ventania
cessou, todas as tochas estavam apagadas e, dentro do oceano de escuridão e silêncio
absoluto, uma bruma fantasmagórica espalhava-se sorrateiramente.
Contraí as mãos e, quando dei por mim, esmagava o caco remanescente do vaso entre
os dedos. As feridas queimaram em minha pele e acordaram minha coragem e raciocínio.
Eu ia libertá-los!
O chão tornou a vibrar e arrepiei por inteira quando uma lufada de um vento quente e
mofado percorreu meu corpo. Tentei me afastar, dando passos lentos e meticulosos em
sentido contrário, mas minhas pernas paralisaram e meu cérebro entrou em estado de choque
ao escutar um uivo ensurdecedor seguido de um gemido abafado de pânico.
A bruma se dissipou em alguns pontos, eu me virei e entendi. Saindo lentamente por
detrás da melroada névoa, um titânico monstro de mais de cinco metros de altura guinchava
alto, jogando a cabeça de um lado para o outro sem parar. Seu surgimento aos poucos era
digno dos mais rebuscados filmes de terror. Com o corpo musculoso, andar cadenciado de um
felino e o dorso coberto por grossas escamas, sua cauda assemelhava-se à de um escorpião
e sua cabeça imensa parecia a de um abutre deformado, como se tivesse sido queimado vivo.
O mais assustador ainda estava por ser evidenciado. Ao dar seu ganido de advertência, o
animal abriu seu bico gigantesco e revelou o improvável: ele tinha enormes e afiados dentes,
completamente desalinhados, num emaranhado complexo como em uma descomunal
armadilha. Na verdade eles eram perfeitos para o seu intento: dilacerar e matar. Mordi os
lábios e meu estômago embrulhou ao identificar o corpo que vinha agarrado em suas garras
afiadas: era de Tom!
Não permitiria que a morte de Tom fosse em vão. Estava determinada a reparar de
alguma forma o mal que a minha existência havia causado àquela dimensão e a todos que me
estimaram. Eu não tinha culpa de que em minhas veias corresse o sangue daquela besta.
Nelas também havia o sangue do amor puro e desmedido de minha mãe. E, dentro do meu
peito, era meu coração quem bombeava esse sangue e definiria qual parte prevaleceria. O
mesmo coração que pulsava em gratidão pelas pessoas que, naquele momento, estavam
dando suas vidas para me salvar. O maior de todos os atos de amor.
Novo ganido me fez identificar pela pior maneira de onde vinha o cheiro de ferro que havia
sentido anteriormente: escorria sangue e uma grossa saliva por entre os caninos da fera. Ela
parou de uivar e se aproximou de onde eu estava com passadas lentas e hesitantes. A
estranha atitude me fez perceber um detalhe fundamental: suas córneas eram esbranquiçadas,
quase translúcidas. O animal era cego! Vibrei por um mísero momento, recordando-me em
seguida de que, quando a natureza nos priva de um sentido, ela aguça os demais. Nesse caso,
o olfato e a audição da besta deviam ser extremamente apurados. E, de fato, eram. Uma
pedrinha estalou sob as minhas sandálias e instantaneamente o monstro girou a cabeça na
minha direção. Fiquei imóvel, aflita com a espera interminável, até escutar um soluço abafado
às minhas costas.
Samantha?
No instante seguinte o chão tremeu com força e a fera passou como um raio por mim,
como se eu não estivesse ali, ganindo e avançando com o bico aberto em direção à pilastra
onde a loura estava amarrada. Ela ia matá-la!
Se era a mim que Malazar precisava matar, por que foi em direção à Samantha? Teria
sido pura sorte ou o animal não foi capaz de me sentir?
— Não! — berrei alto, chamando a atenção do monstro para mim e interrompendo seu
ataque. Samantha me encarava com os olhos arregalados quando desatei a correr em direção
contrária. A fera enfurecida girava a cabeça de um lado para o outro e, arrastando a garra no
chão, levantou uma nuvem claustrofóbica de poeira ao redor. Um plano bem arquitetado: o
monstro encontrara um jeito de dificultar a fuga de sua vítima. No caso, eu. Meus olhos ardiam
e, tateando o ar, corri o mais rápido que pude em sentido contrário.
— Você consegue me ouvir, não consegue? — indaguei acelerada por meio do
pensamento a Shakur.
— Sim, Pequenina — respondeu ele em minha mente.
— Caso eu consiga sobreviver, o que acontecerá com Zyrk depois que eu retornar à
segunda dimensão? — Não daria nomes, pois sabia que Malazar estaria nos escutando.
— Não sei. Esse é o grande mistério, Nina.
— Mas...
— Mas você terá ao menos poupado a segunda dimensão e derrotado Malazar,
encarcerando-o novamente no Vértice — Shakur me interrompia acelerado.
— Eu vou sobreviver e vou voltar para a segunda dimensão, mas só farei isso depois
de libertá-los. Então é bom você me dizer onde está.
— Eu já imaginava essa resposta — escutei seu murmurar telepático e sorri
intimamente. Havia mais orgulho em seu tom de voz do que reprovação. — Concentre-se no
som da minha respiração. Caminhe em silêncio pela penumbra e não pela poeira. A besta
está ficando nervosa. Além de cega, ela também não consegue captar a sua essência dentro
da catacumba. — E, após um segundo de hesitação, acrescentou: — Não tenho mais como
ajudar. Minhas forças acabaram, Pequenina.
— Eu sei, pai.
— Pai?! — estupefata, a voz grave de Malazar retumbava pela Catacumba e
bombardeava meus tímpanos. — Eu ouvi errado ou você disse mesmo essa palavra, Nina?
Aproveitei o momento em que o chão tremia com as gargalhadas furiosas do demônio
para correr em direção a Shakur. Muito abatido, ele abriu um sorriso tenso quando me viu.
Compreendi, emocionada, que ele havia me concedido um último presente: utilizara o que
restou de suas forças vitais para que eu e Rick pudéssemos ficar juntos. Abracei-o com
vontade e, sem fazer barulho, desatei a cortar as cordas com a minha arma improvisada.
— Por que tenho a impressão de que não é a mim que você chama de pai, filha? — A
besta continuava a bramir e senti que o tremor ficava ainda mais forte.
Ela se aproximava.
As malditas cordas não cediam! Utilizei todas as minhas forças e nada. Aquele pedaço
de cerâmica não era a ferramenta apropriada e o tempo não seria suficiente. Droga! Eu não ia
conseguir.
Então, como mágica, algo brilhou na escuridão: meu punhal! Ele estava a uma mínima
distância da cauda da besta, que se remexia em um perigoso movimento de vai e vem. Shakur
compreendeu minha intenção e, nervoso, começou a balançar a cabeça em negativa quando
coloquei o pedaço da cerâmica em suas mãos ainda amarradas.
— Nem pense nisso, Nina! — berrou em minha mente. — Não!
— Eu preciso, pai! Desculpe.
Antes que ele dissesse mais uma palavra, beijei-lhe o rosto com carinho e já estava
correndo em máxima velocidade. Jogando meu corpo pelo chão arenoso, deslizei em direção à
adaga e senti o aço frio do punhal preencher o espaço entre os meus dedos. Equilibrando-me
de qualquer maneira, coloquei-me de pé e continuei minha corrida em direção a Richard.
Desde que mergulhara naquela catacumba dos horrores, era a primeira vez que colocava os
olhos em meu amado e uma sensação ruim, uma mistura corrosiva de ácido e gelo,
estremeceu dentro de mim. Richard tinha o olhar distante, em uma tênue divisa entre o apático
e o sombrio. Rapidamente arranquei sua mordaça e desatei a cortar as cordas. Elas eram
muitas, mas a lâmina do punhal era afiada.
— Depois de tudo que passamos... Por quê? Por que você foi atrás dele, Nina? —
sussurrou com a voz grave e acusatória.
— Sinto muito, mas eu precisava de respostas, entender quem eu sou e compreender
meu destino, Rick — respondi acelerada.
Richard contraiu a testa e fechou os olhos, taciturno.
— E conseguiu?
— Sim, eu...
— Arrr! — Um berro abafado de dor me congelou.
John!
— Estou ficando cansado dessa brincadeira, Nina — bradou a voz satânica de Malazar.
— E agora? Você vai cooperar?
— Arrrr!
Todos meus músculos contraíram com os gemidos de dor excruciante. A poeira
assentara e a névoa se dissipava, permitindo visualizar a cena com perfeição. Amarrado às
cordas, o sangue se esvaía de uma ferida aberta no abdome de John. Nervoso, o monstro lhe
desferia bicadas, ferindo-o sem piedade no tórax e empurrando seu corpo de um lado para o
outro, como um boneco de pano. Irritado, o bicho balançava nervosamente o pescoço de um
lado para o outro. John estava entregue. O animal deu seu ganido de triunfo e curvou-se veloz
em direção à presa acuada.
Cristo Deus! Ele ia matar John!
— Nãooo! — berrei descontrolada e desatei a correr.
— Ninaaa! — Richard esbravejou às minhas costas.
Utilizando todas as minhas forças, tomei máximo impulso e, jogando-me no ar, finquei o
punhal na cauda da besta. Um som semelhante a um chocalho metálico cresceu nos meus
ouvidos. O chão tremeu e eu não estava mais nele. Ao girar de maneira abrupta, a pesada
cauda me lançou violentamente para longe. Sangue escorria por minha testa e bochechas e
minha visão embaçou. Eu queria berrar, queria me levantar, mas nenhum músculo respondeu
aos meus comandos. Minha cabeça zonza latejava e minha pele ardia. Senti meus dedos
vazios. Droga! Perdi o punhal! Em fração de segundos o monstro já estava guinchando sobre
meu corpo alquebrado, imobilizando-me com suas garras afiadas, seus dentes rangendo de
forma compulsiva a poucos centímetros do meu pescoço, a saliva nojenta caindo sobre minha
face, afogando-me.
— Merrrrrrda!
O epíteto transtornado de Richard confirmava que minha situação era péssima.
Parecia um filme de terror com requintes mórbidos. Enquanto eu caía em uma queda
infinita, a película da realidade se desmanchava ao meu redor e começava a definir um cenário
de pavor, conflito e destruição. A luz se fora e meu corpo mergulhava com velocidade dentro
de um mar de névoa quente e escura.
Malazar gargalhou alto mais uma vez.
Foquei minha visão e, acima de mim, a simpática casinha de tijolos brancos e marrons se
desintegrava em labaredas de fogo e se transformava nos imensos cristais das Dunas de
Vento. Antes disso, no entanto, ela rodopiou em torno do próprio eixo e as duas portas
espelhadas trocaram de posição com perfeição.
A inimaginável descoberta me fez sufocar com o próprio ar.
Como não fui capaz de perceber a maldita farsa?
Agora estava tudo tão óbvio! As peças se encaixavam: a tonteira momentânea que senti
quando entrei na pequena casa; a mesa branca bem no meio do ambiente e o vaso
centralizado sobre ela que serviriam como um proposital ponto de referência; a atmosfera
branca e ofuscante e as portas espelhadas de frente uma para a outra.
Tudo fazia parte de um jogo!
De fato, um truque simples, de mestre! Em uma fração de segundo, Malazar havia feito o
chão da casa girar cento e oitenta graus em torno do próprio eixo quando coloquei os pés
dentro dela, mas mantivera seu centro imóvel, de forma que o vaso e a flor não se mexeriam
e, consequentemente, não despertariam as minhas suspeitas. Eu pensaria, como de fato
aconteceu, que tinha sofrido uma simples tontura. Só que, a partir daquele momento, todas as
posições tinham sido alteradas!
Malazar havia trocado as portas espelhadas de lugar e, sem que eu percebesse, ele
havia colocado a vertente de saída de Chawmin atrás de mim e a porta pela qual eu havia
entrado à minha frente!
Durante todo o seu teatro, ele ardilosamente apontava e pedia para que eu abrisse a
porta errada! Aquela era a vertente de entrada de Chawmin e não a de saída, como me fez
acreditar. Astuto, ele já havia me estudado. Sempre soube que eu não a abriria por vontade
própria. Toda a conversa tinha sido pura encenação. A verdadeira porta de saída estava atrás
de mim o tempo todo e não à minha frente. Além disso, minhas suspeitas acabavam de se
confirmar: sua catacumba nunca pertenceu ao Vértice! Ela estava dentro da terceira dimensão,
em uma pequena área dentro das Dunas de Vento!
Contra a minha vontade, eu havia feito exatamente o que o diabo planejara: eu tinha
aberto Chawmin, liberado Malazar, e acabava de decretar o extermínio da segunda e da
terceira dimensões!
Refutei a palavra “amaldiçoada” para longe da minha mente e não permiti meu espírito
ser assolado pelo sentimento de culpa. Caindo ainda mais rápido, forcei meu raciocínio ao
extremo, buscando com todas as minhas forças encontrar uma solução, uma saída
minimamente razoável para todo aquele horror.
Malazar se lançava no ar, vitorioso, seguido de perto por um exército de espectros
agonizantes.
Céus! Aqueles eram os Umbris?!
As almas atormentadas tinham a aparência cadavérica e uivavam ainda mais alto do que
as raivosas rajadas de vento. O demônio, apesar da pele vermelha e órbitas completamente
negras, ainda mantinha seu disfarce humano e, com um sorriso triunfal, acelerou seu voo em
minha direção.
— Argh! — Por sorte, meu corpo se chocou contra um amontoado de terra na base da
montanha e rolou com velocidade a parte final da descida, esfolando rosto, mãos, braços e
pernas. Quando o mundo parou de girar, respirei aliviada ao perceber que não havia quebrado
nenhum osso.
Mas agora era a minha razão que rodopiava.
O vento violento das dunas cessou e, de repente, escutei bramidos de cólera, berros de
dor, relinchar de cavalos e tilintar de espadas. A noite era escura. O lúgubre ambiente era
iluminado apenas pelas tochas e a claridade dos espectros. Novo baque: a grande névoa ao
redor da arena havia desaparecido e, em seu lugar, presenciei uma sangrenta batalha entre os
zirquinianos dos quatro clãs e suas sombras.
Ah, não! O caos já havia começado! Zyrk estava em guerra!
A multidão de pessoas maltrapilhas avançava sobre os exércitos dos clãs, que, apesar
de superiores em armas e preparo, eram em número bem menor e iam tendo baixas
expressivas. A força dos magos era colocada à prova e, a julgar pelo que acontecia bem
diante dos meus olhos, sua magia não suportaria aquele ataque por muito tempo. Os soldados
de branco do Grande Conselho recuavam. As sombras miseráveis, os filhos desprezados de
Zyrk, estavam ganhando a guerra, assim como Guimlel previra.
Novo estrondo altíssimo, e a terra tremeu com violência. A multidão de zirquinianos
congelou em choque, deixando punhais, espadas e outras armas paralisarem no ar. Só agora
eles foram capazes de enxergar a chegada de Malazar e de seus Umbris.
— Protejam a híbrida!— Era a voz de Sertolin dando comando enérgico aos magos que
se encontravam dentro da arena.
Em meio ao caos, muitos zirquinianos não conseguiram abandonar o lugar e fugir, sendo
cercados pelos Umbris. Os espectros demoníacos avançaram sobre as pobres vítimas e,
brigando entre si pelos pedaços das suas almas, arrancavam pele, membros e olhos,
drenando o elixir da vida enquanto torturavam seus corpos. Eles não tentaram atacar os cinco
condenados, provavelmente por se tratarem das oferendas de seu líder.
— Não estamos conseguindo! — berrou Braham nervoso à medida que ele e seu
grupamento de magos eram subitamente repelidos da arena. — Há uma energia poderosa nos
afastando da catacumba!
— Raça repugnante! — bramia Malazar. — Vou aniquilá-la assim que sair daqui!
— Isso não vai acontecer, maldito! — rebateu o pequenino Sertolin. —Não conseguirá
ultrapassar a barreira mágica!
— Será mesmo? — Malazar desdenhou em tom desafiador.
— Seus poderes são limitados aí dentro! — Apesar de manter a postura irredutível,
Sertolin não conseguiu camuflar o semblante de preocupação.
— Ah! Esse detalhe... — O demônio parecia se divertir com a situação.
— Nina, você tem que sobreviver. Tente retornar ao portal. Nele há também uma
passagem para a segunda dimensão que é bloqueada para os zirquinianos — Uma voz
telepática sussurrou em meus ouvidos, pegando-me de surpresa. Tinha a entonação diferente,
mas eu sabia a quem ela pertencia: Shakur!
— Eu não vou fugir dessa vez — pensei determinada.
— Não entende, Nina? Só você pode desequilibrar esse duelo de forças místicas. Tudo
faz parte de um jogo diabólico. Não existem oferendas. Você é a grande oferenda! A lenda
diz que Malazar precisa sair desta catacumba antes no nascer do sol, caso contrário será
novamente encarcerado no Vértice. Mas, para conseguir isso, ele terá que se despir de seus
disfarces, assumindo sua verdadeira identidade, e se apossar da sua poderosa energia. Ele
precisará te matar — alertava-me Shakur em pensamento.
— Quem disse isso? — bradou Malazar com espanto.
Droga! Ele havia escutado também!
— É um novo truque, Guimlel? — O demônio checava o lugar com a fisionomia perigosa.
— Gostou? — A voz em forma de tornado de Guimlel assumia o ato em alto e bom som.
— Muito. Aproxime-se, Guimlel.
— Não.
— Está se escondendo de mim, mago? — atiçou Satanás. — Não consigo enxergá-lo em
meio a essa multidão de mendigos.
— Mas eu o vejo perfeitamente. Aliás, enxergo mais do que isso. Agora tenho certeza de
que seus poderes aí dentro são irrisórios — a voz atrevida de Guimlel o enfrentava.
— Você quer jogar? — Malazar trovejou num misto de cólera e desafio e caminhou
lentamente até parar em frente à linha branca cintilante delimitada no chão da catacumba, mas
não ousou ultrapassá-la. — Ótimo! Porque é o que faço de melhor!
De costas para mim, o demônio soltou um ruído gutural, curvou o corpo para a frente e,
subitamente, jogou os braços para cima, esticando-os ao máximo.
— Cada um de vocês pagará pelos meus milhares de anos de exílio! Assistirão a uma
pequena amostra do que acontecerá com todos dessa dimensão maldita!
Então a mágica do horror aconteceu: a boca de Malazar abriu, assumindo proporções
assustadoras, e, no instante seguinte, os Umbris eram sugados, um a um, para dentro dela.
Os braços e pernas de Malazar se alongaram, a pele vermelho vivo escureceu e ganhou
escamas brilhantes e afiadas. Meu punhal dourado caiu aos seus pés quando o terno branco
deu lugar a um corpo monstruoso. Num piscar de olhos, escutei os uivos altíssimos do vento,
que ganharam um tom demoníaco quando suas rajadas ficaram abafadas, ininterruptas e com
forte odor pútrido. Os berros de pânico que apunhalavam meus ouvidos subitamente
desapareceram, como se tivessem sido propositalmente desligados. Quando a ventania
cessou, todas as tochas estavam apagadas e, dentro do oceano de escuridão e silêncio
absoluto, uma bruma fantasmagórica espalhava-se sorrateiramente.
Contraí as mãos e, quando dei por mim, esmagava o caco remanescente do vaso entre
os dedos. As feridas queimaram em minha pele e acordaram minha coragem e raciocínio.
Eu ia libertá-los!
O chão tornou a vibrar e arrepiei por inteira quando uma lufada de um vento quente e
mofado percorreu meu corpo. Tentei me afastar, dando passos lentos e meticulosos em
sentido contrário, mas minhas pernas paralisaram e meu cérebro entrou em estado de choque
ao escutar um uivo ensurdecedor seguido de um gemido abafado de pânico.
A bruma se dissipou em alguns pontos, eu me virei e entendi. Saindo lentamente por
detrás da melroada névoa, um titânico monstro de mais de cinco metros de altura guinchava
alto, jogando a cabeça de um lado para o outro sem parar. Seu surgimento aos poucos era
digno dos mais rebuscados filmes de terror. Com o corpo musculoso, andar cadenciado de um
felino e o dorso coberto por grossas escamas, sua cauda assemelhava-se à de um escorpião
e sua cabeça imensa parecia a de um abutre deformado, como se tivesse sido queimado vivo.
O mais assustador ainda estava por ser evidenciado. Ao dar seu ganido de advertência, o
animal abriu seu bico gigantesco e revelou o improvável: ele tinha enormes e afiados dentes,
completamente desalinhados, num emaranhado complexo como em uma descomunal
armadilha. Na verdade eles eram perfeitos para o seu intento: dilacerar e matar. Mordi os
lábios e meu estômago embrulhou ao identificar o corpo que vinha agarrado em suas garras
afiadas: era de Tom!
Não permitiria que a morte de Tom fosse em vão. Estava determinada a reparar de
alguma forma o mal que a minha existência havia causado àquela dimensão e a todos que me
estimaram. Eu não tinha culpa de que em minhas veias corresse o sangue daquela besta.
Nelas também havia o sangue do amor puro e desmedido de minha mãe. E, dentro do meu
peito, era meu coração quem bombeava esse sangue e definiria qual parte prevaleceria. O
mesmo coração que pulsava em gratidão pelas pessoas que, naquele momento, estavam
dando suas vidas para me salvar. O maior de todos os atos de amor.
Novo ganido me fez identificar pela pior maneira de onde vinha o cheiro de ferro que havia
sentido anteriormente: escorria sangue e uma grossa saliva por entre os caninos da fera. Ela
parou de uivar e se aproximou de onde eu estava com passadas lentas e hesitantes. A
estranha atitude me fez perceber um detalhe fundamental: suas córneas eram esbranquiçadas,
quase translúcidas. O animal era cego! Vibrei por um mísero momento, recordando-me em
seguida de que, quando a natureza nos priva de um sentido, ela aguça os demais. Nesse caso,
o olfato e a audição da besta deviam ser extremamente apurados. E, de fato, eram. Uma
pedrinha estalou sob as minhas sandálias e instantaneamente o monstro girou a cabeça na
minha direção. Fiquei imóvel, aflita com a espera interminável, até escutar um soluço abafado
às minhas costas.
Samantha?
No instante seguinte o chão tremeu com força e a fera passou como um raio por mim,
como se eu não estivesse ali, ganindo e avançando com o bico aberto em direção à pilastra
onde a loura estava amarrada. Ela ia matá-la!
Se era a mim que Malazar precisava matar, por que foi em direção à Samantha? Teria
sido pura sorte ou o animal não foi capaz de me sentir?
— Não! — berrei alto, chamando a atenção do monstro para mim e interrompendo seu
ataque. Samantha me encarava com os olhos arregalados quando desatei a correr em direção
contrária. A fera enfurecida girava a cabeça de um lado para o outro e, arrastando a garra no
chão, levantou uma nuvem claustrofóbica de poeira ao redor. Um plano bem arquitetado: o
monstro encontrara um jeito de dificultar a fuga de sua vítima. No caso, eu. Meus olhos ardiam
e, tateando o ar, corri o mais rápido que pude em sentido contrário.
— Você consegue me ouvir, não consegue? — indaguei acelerada por meio do
pensamento a Shakur.
— Sim, Pequenina — respondeu ele em minha mente.
— Caso eu consiga sobreviver, o que acontecerá com Zyrk depois que eu retornar à
segunda dimensão? — Não daria nomes, pois sabia que Malazar estaria nos escutando.
— Não sei. Esse é o grande mistério, Nina.
— Mas...
— Mas você terá ao menos poupado a segunda dimensão e derrotado Malazar,
encarcerando-o novamente no Vértice — Shakur me interrompia acelerado.
— Eu vou sobreviver e vou voltar para a segunda dimensão, mas só farei isso depois
de libertá-los. Então é bom você me dizer onde está.
— Eu já imaginava essa resposta — escutei seu murmurar telepático e sorri
intimamente. Havia mais orgulho em seu tom de voz do que reprovação. — Concentre-se no
som da minha respiração. Caminhe em silêncio pela penumbra e não pela poeira. A besta
está ficando nervosa. Além de cega, ela também não consegue captar a sua essência dentro
da catacumba. — E, após um segundo de hesitação, acrescentou: — Não tenho mais como
ajudar. Minhas forças acabaram, Pequenina.
— Eu sei, pai.
— Pai?! — estupefata, a voz grave de Malazar retumbava pela Catacumba e
bombardeava meus tímpanos. — Eu ouvi errado ou você disse mesmo essa palavra, Nina?
Aproveitei o momento em que o chão tremia com as gargalhadas furiosas do demônio
para correr em direção a Shakur. Muito abatido, ele abriu um sorriso tenso quando me viu.
Compreendi, emocionada, que ele havia me concedido um último presente: utilizara o que
restou de suas forças vitais para que eu e Rick pudéssemos ficar juntos. Abracei-o com
vontade e, sem fazer barulho, desatei a cortar as cordas com a minha arma improvisada.
— Por que tenho a impressão de que não é a mim que você chama de pai, filha? — A
besta continuava a bramir e senti que o tremor ficava ainda mais forte.
Ela se aproximava.
As malditas cordas não cediam! Utilizei todas as minhas forças e nada. Aquele pedaço
de cerâmica não era a ferramenta apropriada e o tempo não seria suficiente. Droga! Eu não ia
conseguir.
Então, como mágica, algo brilhou na escuridão: meu punhal! Ele estava a uma mínima
distância da cauda da besta, que se remexia em um perigoso movimento de vai e vem. Shakur
compreendeu minha intenção e, nervoso, começou a balançar a cabeça em negativa quando
coloquei o pedaço da cerâmica em suas mãos ainda amarradas.
— Nem pense nisso, Nina! — berrou em minha mente. — Não!
— Eu preciso, pai! Desculpe.
Antes que ele dissesse mais uma palavra, beijei-lhe o rosto com carinho e já estava
correndo em máxima velocidade. Jogando meu corpo pelo chão arenoso, deslizei em direção à
adaga e senti o aço frio do punhal preencher o espaço entre os meus dedos. Equilibrando-me
de qualquer maneira, coloquei-me de pé e continuei minha corrida em direção a Richard.
Desde que mergulhara naquela catacumba dos horrores, era a primeira vez que colocava os
olhos em meu amado e uma sensação ruim, uma mistura corrosiva de ácido e gelo,
estremeceu dentro de mim. Richard tinha o olhar distante, em uma tênue divisa entre o apático
e o sombrio. Rapidamente arranquei sua mordaça e desatei a cortar as cordas. Elas eram
muitas, mas a lâmina do punhal era afiada.
— Depois de tudo que passamos... Por quê? Por que você foi atrás dele, Nina? —
sussurrou com a voz grave e acusatória.
— Sinto muito, mas eu precisava de respostas, entender quem eu sou e compreender
meu destino, Rick — respondi acelerada.
Richard contraiu a testa e fechou os olhos, taciturno.
— E conseguiu?
— Sim, eu...
— Arrr! — Um berro abafado de dor me congelou.
John!
— Estou ficando cansado dessa brincadeira, Nina — bradou a voz satânica de Malazar.
— E agora? Você vai cooperar?
— Arrrr!
Todos meus músculos contraíram com os gemidos de dor excruciante. A poeira
assentara e a névoa se dissipava, permitindo visualizar a cena com perfeição. Amarrado às
cordas, o sangue se esvaía de uma ferida aberta no abdome de John. Nervoso, o monstro lhe
desferia bicadas, ferindo-o sem piedade no tórax e empurrando seu corpo de um lado para o
outro, como um boneco de pano. Irritado, o bicho balançava nervosamente o pescoço de um
lado para o outro. John estava entregue. O animal deu seu ganido de triunfo e curvou-se veloz
em direção à presa acuada.
Cristo Deus! Ele ia matar John!
— Nãooo! — berrei descontrolada e desatei a correr.
— Ninaaa! — Richard esbravejou às minhas costas.
Utilizando todas as minhas forças, tomei máximo impulso e, jogando-me no ar, finquei o
punhal na cauda da besta. Um som semelhante a um chocalho metálico cresceu nos meus
ouvidos. O chão tremeu e eu não estava mais nele. Ao girar de maneira abrupta, a pesada
cauda me lançou violentamente para longe. Sangue escorria por minha testa e bochechas e
minha visão embaçou. Eu queria berrar, queria me levantar, mas nenhum músculo respondeu
aos meus comandos. Minha cabeça zonza latejava e minha pele ardia. Senti meus dedos
vazios. Droga! Perdi o punhal! Em fração de segundos o monstro já estava guinchando sobre
meu corpo alquebrado, imobilizando-me com suas garras afiadas, seus dentes rangendo de
forma compulsiva a poucos centímetros do meu pescoço, a saliva nojenta caindo sobre minha
face, afogando-me.
— Merrrrrrda!
O epíteto transtornado de Richard confirmava que minha situação era péssima.
quarta-feira, 30 de maio de 2018
Seicho-No-Ie do Brasil - Mensagem Diária
Seicho-No-Ie do Brasil - Mensagem Diária
MENTALIZANDO-SE A GRANDIOSIDADE, ELA MANIFESTA-SE CONCRETAMENTE.
Nossa verdadeira natureza é o “ser humano perfeito”. E surgimos na face da Terra para manifestar concretamente essa natureza verdadeira. É fato que “mentalizando-se a grandiosidade, ela se manifesta concretamente”. Não se subestime jamais. Mentalize que você é um ser grandioso. As pessoas tornam-se aquilo que acreditam ser. Esta é uma Verdade imutável
MENTALIZANDO-SE A GRANDIOSIDADE, ELA MANIFESTA-SE CONCRETAMENTE.
Nossa verdadeira natureza é o “ser humano perfeito”. E surgimos na face da Terra para manifestar concretamente essa natureza verdadeira. É fato que “mentalizando-se a grandiosidade, ela se manifesta concretamente”. Não se subestime jamais. Mentalize que você é um ser grandioso. As pessoas tornam-se aquilo que acreditam ser. Esta é uma Verdade imutável
terça-feira, 29 de maio de 2018
23 - Compartilhando a Chama: Passando adiante a sabedoria- MEM LAMED HE
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REFLEXÂO: A escuridão e o mal ficam impotentes na presença da Luz.
A relação entre luz e escuridão no dia-a-dia revela um profundo segredo da espiritualidade. A escuridão só pode existir na ausência da luz. Compartilhar a sabedoria destes 72 Nomes com outra alma se assemelha a acender uma vela em nosso mundo escuro, porque o conhecimento e as próprias letras são a essência e a substância da Luz espiritual. Quanto mais compartilhamos estas ferramentas, mais diminuímos nossa própria natureza egoísta e a escuridão ao redor do mundo. As letras deste Nome são derivadas de um versículo bíblico que fala sobre a Árvore da Vida e seu poder de trazer imortalidade e alegria infinita. Cabala ensina que a Árvore da Vida é uma referência em código ao Mundo Superior invisível, onde 99 por cento da realidade se encontra. AÇÂO:Concentre-se em compartilhar Luz com os amigos, com a família e com toda a família da humanidade. Leve consigo este Nome para o mundo real e compartilhe estas ferramentas com outras pessoas. Peça forças para agir de acordo com os ensinamentos. Em seu olho mental, visualize aberturas e oportunidades no mundo para a disseminação global desta antiga sabedoria. Saiba que este Nome estimula as forças da imortalidade e aumenta a felicidade no mundo. Não espere nem almeje nada menos do que isso.
MEDITE NESTAS LETRAS E VOCALIZE: Melah
AÇÃO: No dia de conexão com este anjo você se enche de confiança. Você sabia que existe um plano de grande felicidade para você?
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30º Dia do Mês
30º Dia do Mês
1. Neste dia realizar o seu foco em primeiro lugar na base da plataforma de construção.
Este exercício constitui a pedra fundamental para o trabalho do próximo mês.
Concentre-se na harmonia do mundo. Você deve vê-lo, encontrá-lo, apreciá-la e
maravilhar-se com ele. Se surpreender com o quão perfeito o Criador fez tudo. Isto
significa, maravilhe-se com a harmonia do mundo, surge pela perfeição do Criador.
2. Dígitos para Concentração
* Concentre-se intensamente na sequência de sete números: 1852143
* Concentre-se intensamente na sequência de nove números: 185219351
3. O princípio segundo o qual o exercício de todos os dias anteriores foram construídos é
fundamental para este dia, porque em Fevereiro, que de acordo com o calendário atual
tem 28 ou 29 dias, transfere esse princípio, com início no dia 30 para o primeiro e segundo
dia do mês seguinte.
É exatamente esta transferência que exibe o ciclo eterno da vida. Descubra a
eternidade em todo o seu trabalho anterior para alcançar harmonia. Encontre a
eternidade neste exemplo simples, por que um mês tem 30 dias, outro - Fevereiro - tem 28
ou 29 dias, e só através deste mês fevereiro temos a unidade de número 30 com os
números 1 e 2. E a unidade de números de caráter diferente e origem diferente é uma
expressão da união e da origem comum de todas as coisas.
Encontre esta origem comum em tudo, em cada elemento de informação. Pesquise a
origem comum, onde não é imediatamente visto. Encontre-a onde é evidente e pode
ser vista imediatamente. E você vai ver, você vai saber, você vai perceber, e você será
iluminado.
1. Neste dia realizar o seu foco em primeiro lugar na base da plataforma de construção.
Este exercício constitui a pedra fundamental para o trabalho do próximo mês.
Concentre-se na harmonia do mundo. Você deve vê-lo, encontrá-lo, apreciá-la e
maravilhar-se com ele. Se surpreender com o quão perfeito o Criador fez tudo. Isto
significa, maravilhe-se com a harmonia do mundo, surge pela perfeição do Criador.
2. Dígitos para Concentração
* Concentre-se intensamente na sequência de sete números: 1852143
* Concentre-se intensamente na sequência de nove números: 185219351
3. O princípio segundo o qual o exercício de todos os dias anteriores foram construídos é
fundamental para este dia, porque em Fevereiro, que de acordo com o calendário atual
tem 28 ou 29 dias, transfere esse princípio, com início no dia 30 para o primeiro e segundo
dia do mês seguinte.
É exatamente esta transferência que exibe o ciclo eterno da vida. Descubra a
eternidade em todo o seu trabalho anterior para alcançar harmonia. Encontre a
eternidade neste exemplo simples, por que um mês tem 30 dias, outro - Fevereiro - tem 28
ou 29 dias, e só através deste mês fevereiro temos a unidade de número 30 com os
números 1 e 2. E a unidade de números de caráter diferente e origem diferente é uma
expressão da união e da origem comum de todas as coisas.
Encontre esta origem comum em tudo, em cada elemento de informação. Pesquise a
origem comum, onde não é imediatamente visto. Encontre-a onde é evidente e pode
ser vista imediatamente. E você vai ver, você vai saber, você vai perceber, e você será
iluminado.
123 - Louise Hay
123- “A cura acontece! Desligo a minha mente e deixo que a
inteligência do meu corpo promova naturalmente o seu trabalho de
cura.”CAPÍTULO 30 - Não fuja
CAPÍTULO 30
Parecia um filme de terror com requintes mórbidos. Enquanto eu caía em uma queda
infinita, a película da realidade se desmanchava ao meu redor e começava a definir um cenário
de pavor, conflito e destruição. A luz se fora e meu corpo mergulhava com velocidade dentro
de um mar de névoa quente e escura.
Malazar gargalhou alto mais uma vez.
Foquei minha visão e, acima de mim, a simpática casinha de tijolos brancos e marrons se
desintegrava em labaredas de fogo e se transformava nos imensos cristais das Dunas de
Vento. Antes disso, no entanto, ela rodopiou em torno do próprio eixo e as duas portas
espelhadas trocaram de posição com perfeição.
A inimaginável descoberta me fez sufocar com o próprio ar.
Como não fui capaz de perceber a maldita farsa?
Agora estava tudo tão óbvio! As peças se encaixavam: a tonteira momentânea que senti
quando entrei na pequena casa; a mesa branca bem no meio do ambiente e o vaso
centralizado sobre ela que serviriam como um proposital ponto de referência; a atmosfera
branca e ofuscante e as portas espelhadas de frente uma para a outra.
Tudo fazia parte de um jogo!
De fato, um truque simples, de mestre! Em uma fração de segundo, Malazar havia feito o
chão da casa girar cento e oitenta graus em torno do próprio eixo quando coloquei os pés
dentro dela, mas mantivera seu centro imóvel, de forma que o vaso e a flor não se mexeriam
e, consequentemente, não despertariam as minhas suspeitas. Eu pensaria, como de fato
aconteceu, que tinha sofrido uma simples tontura. Só que, a partir daquele momento, todas as
posições tinham sido alteradas!
Malazar havia trocado as portas espelhadas de lugar e, sem que eu percebesse, ele
havia colocado a vertente de saída de Chawmin atrás de mim e a porta pela qual eu havia
entrado à minha frente!
Durante todo o seu teatro, ele ardilosamente apontava e pedia para que eu abrisse a
porta errada! Aquela era a vertente de entrada de Chawmin e não a de saída, como me fez
acreditar. Astuto, ele já havia me estudado. Sempre soube que eu não a abriria por vontade
própria. Toda a conversa tinha sido pura encenação. A verdadeira porta de saída estava atrás
de mim o tempo todo e não à minha frente. Além disso, minhas suspeitas acabavam de se
confirmar: sua catacumba nunca pertenceu ao Vértice! Ela estava dentro da terceira dimensão,
em uma pequena área dentro das Dunas de Vento!
Contra a minha vontade, eu havia feito exatamente o que o diabo planejara: eu tinha
aberto Chawmin, liberado Malazar, e acabava de decretar o extermínio da segunda e da
terceira dimensões!
Refutei a palavra “amaldiçoada” para longe da minha mente e não permiti meu espírito
ser assolado pelo sentimento de culpa. Caindo ainda mais rápido, forcei meu raciocínio ao
extremo, buscando com todas as minhas forças encontrar uma solução, uma saída
minimamente razoável para todo aquele horror.
Malazar se lançava no ar, vitorioso, seguido de perto por um exército de espectros
agonizantes.
Céus! Aqueles eram os Umbris?!
As almas atormentadas tinham a aparência cadavérica e uivavam ainda mais alto do que
as raivosas rajadas de vento. O demônio, apesar da pele vermelha e órbitas completamente
negras, ainda mantinha seu disfarce humano e, com um sorriso triunfal, acelerou seu voo em
minha direção.
— Argh! — Por sorte, meu corpo se chocou contra um amontoado de terra na base da
montanha e rolou com velocidade a parte final da descida, esfolando rosto, mãos, braços e
pernas. Quando o mundo parou de girar, respirei aliviada ao perceber que não havia quebrado
nenhum osso.
Mas agora era a minha razão que rodopiava.
O vento violento das dunas cessou e, de repente, escutei bramidos de cólera, berros de
dor, relinchar de cavalos e tilintar de espadas. A noite era escura. O lúgubre ambiente era
iluminado apenas pelas tochas e a claridade dos espectros. Novo baque: a grande névoa ao
redor da arena havia desaparecido e, em seu lugar, presenciei uma sangrenta batalha entre os
zirquinianos dos quatro clãs e suas sombras.
Ah, não! O caos já havia começado! Zyrk estava em guerra!
A multidão de pessoas maltrapilhas avançava sobre os exércitos dos clãs, que, apesar
de superiores em armas e preparo, eram em número bem menor e iam tendo baixas
expressivas. A força dos magos era colocada à prova e, a julgar pelo que acontecia bem
diante dos meus olhos, sua magia não suportaria aquele ataque por muito tempo. Os soldados
de branco do Grande Conselho recuavam. As sombras miseráveis, os filhos desprezados de
Zyrk, estavam ganhando a guerra, assim como Guimlel previra.
Novo estrondo altíssimo, e a terra tremeu com violência. A multidão de zirquinianos
congelou em choque, deixando punhais, espadas e outras armas paralisarem no ar. Só agora
eles foram capazes de enxergar a chegada de Malazar e de seus Umbris.
— Protejam a híbrida!— Era a voz de Sertolin dando comando enérgico aos magos que
se encontravam dentro da arena.
Em meio ao caos, muitos zirquinianos não conseguiram abandonar o lugar e fugir, sendo
cercados pelos Umbris. Os espectros demoníacos avançaram sobre as pobres vítimas e,
brigando entre si pelos pedaços das suas almas, arrancavam pele, membros e olhos,
drenando o elixir da vida enquanto torturavam seus corpos. Eles não tentaram atacar os cinco
condenados, provavelmente por se tratarem das oferendas de seu líder.
— Não estamos conseguindo! — berrou Braham nervoso à medida que ele e seu
grupamento de magos eram subitamente repelidos da arena. — Há uma energia poderosa nos
afastando da catacumba!
— Raça repugnante! — bramia Malazar. — Vou aniquilá-la assim que sair daqui!
— Isso não vai acontecer, maldito! — rebateu o pequenino Sertolin. —Não conseguirá
ultrapassar a barreira mágica!
— Será mesmo? — Malazar desdenhou em tom desafiador.
— Seus poderes são limitados aí dentro! — Apesar de manter a postura irredutível,
Sertolin não conseguiu camuflar o semblante de preocupação.
— Ah! Esse detalhe... — O demônio parecia se divertir com a situação.
— Nina, você tem que sobreviver. Tente retornar ao portal. Nele há também uma
passagem para a segunda dimensão que é bloqueada para os zirquinianos — Uma voz
telepática sussurrou em meus ouvidos, pegando-me de surpresa. Tinha a entonação diferente,
mas eu sabia a quem ela pertencia: Shakur!
— Eu não vou fugir dessa vez — pensei determinada.
— Não entende, Nina? Só você pode desequilibrar esse duelo de forças místicas. Tudo
faz parte de um jogo diabólico. Não existem oferendas. Você é a grande oferenda! A lenda
diz que Malazar precisa sair desta catacumba antes no nascer do sol, caso contrário será
novamente encarcerado no Vértice. Mas, para conseguir isso, ele terá que se despir de seus
disfarces, assumindo sua verdadeira identidade, e se apossar da sua poderosa energia. Ele
precisará te matar — alertava-me Shakur em pensamento.
— Quem disse isso? — bradou Malazar com espanto.
Droga! Ele havia escutado também!
— É um novo truque, Guimlel? — O demônio checava o lugar com a fisionomia perigosa.
— Gostou? — A voz em forma de tornado de Guimlel assumia o ato em alto e bom som.
— Muito. Aproxime-se, Guimlel.
— Não.
— Está se escondendo de mim, mago? — atiçou Satanás. — Não consigo enxergá-lo em
meio a essa multidão de mendigos.
— Mas eu o vejo perfeitamente. Aliás, enxergo mais do que isso. Agora tenho certeza de
que seus poderes aí dentro são irrisórios — a voz atrevida de Guimlel o enfrentava.
— Você quer jogar? — Malazar trovejou num misto de cólera e desafio e caminhou
lentamente até parar em frente à linha branca cintilante delimitada no chão da catacumba, mas
não ousou ultrapassá-la. — Ótimo! Porque é o que faço de melhor!
De costas para mim, o demônio soltou um ruído gutural, curvou o corpo para a frente e,
subitamente, jogou os braços para cima, esticando-os ao máximo.
— Cada um de vocês pagará pelos meus milhares de anos de exílio! Assistirão a uma
pequena amostra do que acontecerá com todos dessa dimensão maldita!
Então a mágica do horror aconteceu: a boca de Malazar abriu, assumindo proporções
assustadoras, e, no instante seguinte, os Umbris eram sugados, um a um, para dentro dela.
Os braços e pernas de Malazar se alongaram, a pele vermelho vivo escureceu e ganhou
escamas brilhantes e afiadas. Meu punhal dourado caiu aos seus pés quando o terno branco
deu lugar a um corpo monstruoso. Num piscar de olhos, escutei os uivos altíssimos do vento,
que ganharam um tom demoníaco quando suas rajadas ficaram abafadas, ininterruptas e com
forte odor pútrido. Os berros de pânico que apunhalavam meus ouvidos subitamente
desapareceram, como se tivessem sido propositalmente desligados. Quando a ventania
cessou, todas as tochas estavam apagadas e, dentro do oceano de escuridão e silêncio
absoluto, uma bruma fantasmagórica espalhava-se sorrateiramente.
Contraí as mãos e, quando dei por mim, esmagava o caco remanescente do vaso entre
os dedos. As feridas queimaram em minha pele e acordaram minha coragem e raciocínio.
Eu ia libertá-los!
O chão tornou a vibrar e arrepiei por inteira quando uma lufada de um vento quente e
mofado percorreu meu corpo. Tentei me afastar, dando passos lentos e meticulosos em
sentido contrário, mas minhas pernas paralisaram e meu cérebro entrou em estado de choque
ao escutar um uivo ensurdecedor seguido de um gemido abafado de pânico.
A bruma se dissipou em alguns pontos, eu me virei e entendi. Saindo lentamente por
detrás da melroada névoa, um titânico monstro de mais de cinco metros de altura guinchava
alto, jogando a cabeça de um lado para o outro sem parar. Seu surgimento aos poucos era
digno dos mais rebuscados filmes de terror. Com o corpo musculoso, andar cadenciado de um
felino e o dorso coberto por grossas escamas, sua cauda assemelhava-se à de um escorpião
e sua cabeça imensa parecia a de um abutre deformado, como se tivesse sido queimado vivo.
O mais assustador ainda estava por ser evidenciado. Ao dar seu ganido de advertência, o
animal abriu seu bico gigantesco e revelou o improvável: ele tinha enormes e afiados dentes,
completamente desalinhados, num emaranhado complexo como em uma descomunal
armadilha. Na verdade eles eram perfeitos para o seu intento: dilacerar e matar. Mordi os
lábios e meu estômago embrulhou ao identificar o corpo que vinha agarrado em suas garras
afiadas: era de Tom!
Não permitiria que a morte de Tom fosse em vão. Estava determinada a reparar de
alguma forma o mal que a minha existência havia causado àquela dimensão e a todos que me
estimaram. Eu não tinha culpa de que em minhas veias corresse o sangue daquela besta.
Nelas também havia o sangue do amor puro e desmedido de minha mãe. E, dentro do meu
peito, era meu coração quem bombeava esse sangue e definiria qual parte prevaleceria. O
mesmo coração que pulsava em gratidão pelas pessoas que, naquele momento, estavam
dando suas vidas para me salvar. O maior de todos os atos de amor.
Novo ganido me fez identificar pela pior maneira de onde vinha o cheiro de ferro que havia
sentido anteriormente: escorria sangue e uma grossa saliva por entre os caninos da fera. Ela
parou de uivar e se aproximou de onde eu estava com passadas lentas e hesitantes. A
estranha atitude me fez perceber um detalhe fundamental: suas córneas eram esbranquiçadas,
quase translúcidas. O animal era cego! Vibrei por um mísero momento, recordando-me em
seguida de que, quando a natureza nos priva de um sentido, ela aguça os demais. Nesse caso,
o olfato e a audição da besta deviam ser extremamente apurados. E, de fato, eram. Uma
pedrinha estalou sob as minhas sandálias e instantaneamente o monstro girou a cabeça na
minha direção. Fiquei imóvel, aflita com a espera interminável, até escutar um soluço abafado
às minhas costas.
Samantha?
No instante seguinte o chão tremeu com força e a fera passou como um raio por mim,
como se eu não estivesse ali, ganindo e avançando com o bico aberto em direção à pilastra
onde a loura estava amarrada. Ela ia matá-la!
Se era a mim que Malazar precisava matar, por que foi em direção à Samantha? Teria
sido pura sorte ou o animal não foi capaz de me sentir?
— Não! — berrei alto, chamando a atenção do monstro para mim e interrompendo seu
ataque. Samantha me encarava com os olhos arregalados quando desatei a correr em direção
contrária. A fera enfurecida girava a cabeça de um lado para o outro e, arrastando a garra no
chão, levantou uma nuvem claustrofóbica de poeira ao redor. Um plano bem arquitetado: o
monstro encontrara um jeito de dificultar a fuga de sua vítima. No caso, eu. Meus olhos ardiam
e, tateando o ar, corri o mais rápido que pude em sentido contrário.
— Você consegue me ouvir, não consegue? — indaguei acelerada por meio do
pensamento a Shakur.
— Sim, Pequenina — respondeu ele em minha mente.
— Caso eu consiga sobreviver, o que acontecerá com Zyrk depois que eu retornar à
segunda dimensão? — Não daria nomes, pois sabia que Malazar estaria nos escutando.
— Não sei. Esse é o grande mistério, Nina.
— Mas...
— Mas você terá ao menos poupado a segunda dimensão e derrotado Malazar,
encarcerando-o novamente no Vértice — Shakur me interrompia acelerado.
— Eu vou sobreviver e vou voltar para a segunda dimensão, mas só farei isso depois
de libertá-los. Então é bom você me dizer onde está.
— Eu já imaginava essa resposta — escutei seu murmurar telepático e sorri
intimamente. Havia mais orgulho em seu tom de voz do que reprovação. — Concentre-se no
som da minha respiração. Caminhe em silêncio pela penumbra e não pela poeira. A besta
está ficando nervosa. Além de cega, ela também não consegue captar a sua essência dentro
da catacumba. — E, após um segundo de hesitação, acrescentou: — Não tenho mais como
ajudar. Minhas forças acabaram, Pequenina.
— Eu sei, pai.
— Pai?! — estupefata, a voz grave de Malazar retumbava pela Catacumba e
bombardeava meus tímpanos. — Eu ouvi errado ou você disse mesmo essa palavra, Nina?
Aproveitei o momento em que o chão tremia com as gargalhadas furiosas do demônio
para correr em direção a Shakur. Muito abatido, ele abriu um sorriso tenso quando me viu.
Compreendi, emocionada, que ele havia me concedido um último presente: utilizara o que
restou de suas forças vitais para que eu e Rick pudéssemos ficar juntos. Abracei-o com
vontade e, sem fazer barulho, desatei a cortar as cordas com a minha arma improvisada.
— Por que tenho a impressão de que não é a mim que você chama de pai, filha? — A
besta continuava a bramir e senti que o tremor ficava ainda mais forte.
Ela se aproximava.
As malditas cordas não cediam! Utilizei todas as minhas forças e nada. Aquele pedaço
de cerâmica não era a ferramenta apropriada e o tempo não seria suficiente. Droga! Eu não ia
conseguir.
Então, como mágica, algo brilhou na escuridão: meu punhal! Ele estava a uma mínima
distância da cauda da besta, que se remexia em um perigoso movimento de vai e vem. Shakur
compreendeu minha intenção e, nervoso, começou a balançar a cabeça em negativa quando
coloquei o pedaço da cerâmica em suas mãos ainda amarradas.
— Nem pense nisso, Nina! — berrou em minha mente. — Não!
— Eu preciso, pai! Desculpe.
Antes que ele dissesse mais uma palavra, beijei-lhe o rosto com carinho e já estava
correndo em máxima velocidade. Jogando meu corpo pelo chão arenoso, deslizei em direção à
adaga e senti o aço frio do punhal preencher o espaço entre os meus dedos. Equilibrando-me
de qualquer maneira, coloquei-me de pé e continuei minha corrida em direção a Richard.
Desde que mergulhara naquela catacumba dos horrores, era a primeira vez que colocava os
olhos em meu amado e uma sensação ruim, uma mistura corrosiva de ácido e gelo,
estremeceu dentro de mim. Richard tinha o olhar distante, em uma tênue divisa entre o apático
e o sombrio. Rapidamente arranquei sua mordaça e desatei a cortar as cordas. Elas eram
muitas, mas a lâmina do punhal era afiada.
— Depois de tudo que passamos... Por quê? Por que você foi atrás dele, Nina? —
sussurrou com a voz grave e acusatória.
— Sinto muito, mas eu precisava de respostas, entender quem eu sou e compreender
meu destino, Rick — respondi acelerada.
Richard contraiu a testa e fechou os olhos, taciturno.
— E conseguiu?
— Sim, eu...
— Arrr! — Um berro abafado de dor me congelou.
John!
— Estou ficando cansado dessa brincadeira, Nina — bradou a voz satânica de Malazar.
— E agora? Você vai cooperar?
— Arrrr!
Todos meus músculos contraíram com os gemidos de dor excruciante. A poeira
assentara e a névoa se dissipava, permitindo visualizar a cena com perfeição. Amarrado às
cordas, o sangue se esvaía de uma ferida aberta no abdome de John. Nervoso, o monstro lhe
desferia bicadas, ferindo-o sem piedade no tórax e empurrando seu corpo de um lado para o
outro, como um boneco de pano. Irritado, o bicho balançava nervosamente o pescoço de um
lado para o outro. John estava entregue. O animal deu seu ganido de triunfo e curvou-se veloz
em direção à presa acuada.
Cristo Deus! Ele ia matar John!
— Nãooo! — berrei descontrolada e desatei a correr.
— Ninaaa! — Richard esbravejou às minhas costas.
Utilizando todas as minhas forças, tomei máximo impulso e, jogando-me no ar, finquei o
punhal na cauda da besta. Um som semelhante a um chocalho metálico cresceu nos meus
ouvidos. O chão tremeu e eu não estava mais nele. Ao girar de maneira abrupta, a pesada
cauda me lançou violentamente para longe. Sangue escorria por minha testa e bochechas e
minha visão embaçou. Eu queria berrar, queria me levantar, mas nenhum músculo respondeu
aos meus comandos. Minha cabeça zonza latejava e minha pele ardia. Senti meus dedos
vazios. Droga! Perdi o punhal! Em fração de segundos o monstro já estava guinchando sobre
meu corpo alquebrado, imobilizando-me com suas garras afiadas, seus dentes rangendo de
forma compulsiva a poucos centímetros do meu pescoço, a saliva nojenta caindo sobre minha
face, afogando-me.
— Merrrrrrda!
O epíteto transtornado de Richard confirmava que minha situação era péssima.
Parecia um filme de terror com requintes mórbidos. Enquanto eu caía em uma queda
infinita, a película da realidade se desmanchava ao meu redor e começava a definir um cenário
de pavor, conflito e destruição. A luz se fora e meu corpo mergulhava com velocidade dentro
de um mar de névoa quente e escura.
Malazar gargalhou alto mais uma vez.
Foquei minha visão e, acima de mim, a simpática casinha de tijolos brancos e marrons se
desintegrava em labaredas de fogo e se transformava nos imensos cristais das Dunas de
Vento. Antes disso, no entanto, ela rodopiou em torno do próprio eixo e as duas portas
espelhadas trocaram de posição com perfeição.
A inimaginável descoberta me fez sufocar com o próprio ar.
Como não fui capaz de perceber a maldita farsa?
Agora estava tudo tão óbvio! As peças se encaixavam: a tonteira momentânea que senti
quando entrei na pequena casa; a mesa branca bem no meio do ambiente e o vaso
centralizado sobre ela que serviriam como um proposital ponto de referência; a atmosfera
branca e ofuscante e as portas espelhadas de frente uma para a outra.
Tudo fazia parte de um jogo!
De fato, um truque simples, de mestre! Em uma fração de segundo, Malazar havia feito o
chão da casa girar cento e oitenta graus em torno do próprio eixo quando coloquei os pés
dentro dela, mas mantivera seu centro imóvel, de forma que o vaso e a flor não se mexeriam
e, consequentemente, não despertariam as minhas suspeitas. Eu pensaria, como de fato
aconteceu, que tinha sofrido uma simples tontura. Só que, a partir daquele momento, todas as
posições tinham sido alteradas!
Malazar havia trocado as portas espelhadas de lugar e, sem que eu percebesse, ele
havia colocado a vertente de saída de Chawmin atrás de mim e a porta pela qual eu havia
entrado à minha frente!
Durante todo o seu teatro, ele ardilosamente apontava e pedia para que eu abrisse a
porta errada! Aquela era a vertente de entrada de Chawmin e não a de saída, como me fez
acreditar. Astuto, ele já havia me estudado. Sempre soube que eu não a abriria por vontade
própria. Toda a conversa tinha sido pura encenação. A verdadeira porta de saída estava atrás
de mim o tempo todo e não à minha frente. Além disso, minhas suspeitas acabavam de se
confirmar: sua catacumba nunca pertenceu ao Vértice! Ela estava dentro da terceira dimensão,
em uma pequena área dentro das Dunas de Vento!
Contra a minha vontade, eu havia feito exatamente o que o diabo planejara: eu tinha
aberto Chawmin, liberado Malazar, e acabava de decretar o extermínio da segunda e da
terceira dimensões!
Refutei a palavra “amaldiçoada” para longe da minha mente e não permiti meu espírito
ser assolado pelo sentimento de culpa. Caindo ainda mais rápido, forcei meu raciocínio ao
extremo, buscando com todas as minhas forças encontrar uma solução, uma saída
minimamente razoável para todo aquele horror.
Malazar se lançava no ar, vitorioso, seguido de perto por um exército de espectros
agonizantes.
Céus! Aqueles eram os Umbris?!
As almas atormentadas tinham a aparência cadavérica e uivavam ainda mais alto do que
as raivosas rajadas de vento. O demônio, apesar da pele vermelha e órbitas completamente
negras, ainda mantinha seu disfarce humano e, com um sorriso triunfal, acelerou seu voo em
minha direção.
— Argh! — Por sorte, meu corpo se chocou contra um amontoado de terra na base da
montanha e rolou com velocidade a parte final da descida, esfolando rosto, mãos, braços e
pernas. Quando o mundo parou de girar, respirei aliviada ao perceber que não havia quebrado
nenhum osso.
Mas agora era a minha razão que rodopiava.
O vento violento das dunas cessou e, de repente, escutei bramidos de cólera, berros de
dor, relinchar de cavalos e tilintar de espadas. A noite era escura. O lúgubre ambiente era
iluminado apenas pelas tochas e a claridade dos espectros. Novo baque: a grande névoa ao
redor da arena havia desaparecido e, em seu lugar, presenciei uma sangrenta batalha entre os
zirquinianos dos quatro clãs e suas sombras.
Ah, não! O caos já havia começado! Zyrk estava em guerra!
A multidão de pessoas maltrapilhas avançava sobre os exércitos dos clãs, que, apesar
de superiores em armas e preparo, eram em número bem menor e iam tendo baixas
expressivas. A força dos magos era colocada à prova e, a julgar pelo que acontecia bem
diante dos meus olhos, sua magia não suportaria aquele ataque por muito tempo. Os soldados
de branco do Grande Conselho recuavam. As sombras miseráveis, os filhos desprezados de
Zyrk, estavam ganhando a guerra, assim como Guimlel previra.
Novo estrondo altíssimo, e a terra tremeu com violência. A multidão de zirquinianos
congelou em choque, deixando punhais, espadas e outras armas paralisarem no ar. Só agora
eles foram capazes de enxergar a chegada de Malazar e de seus Umbris.
— Protejam a híbrida!— Era a voz de Sertolin dando comando enérgico aos magos que
se encontravam dentro da arena.
Em meio ao caos, muitos zirquinianos não conseguiram abandonar o lugar e fugir, sendo
cercados pelos Umbris. Os espectros demoníacos avançaram sobre as pobres vítimas e,
brigando entre si pelos pedaços das suas almas, arrancavam pele, membros e olhos,
drenando o elixir da vida enquanto torturavam seus corpos. Eles não tentaram atacar os cinco
condenados, provavelmente por se tratarem das oferendas de seu líder.
— Não estamos conseguindo! — berrou Braham nervoso à medida que ele e seu
grupamento de magos eram subitamente repelidos da arena. — Há uma energia poderosa nos
afastando da catacumba!
— Raça repugnante! — bramia Malazar. — Vou aniquilá-la assim que sair daqui!
— Isso não vai acontecer, maldito! — rebateu o pequenino Sertolin. —Não conseguirá
ultrapassar a barreira mágica!
— Será mesmo? — Malazar desdenhou em tom desafiador.
— Seus poderes são limitados aí dentro! — Apesar de manter a postura irredutível,
Sertolin não conseguiu camuflar o semblante de preocupação.
— Ah! Esse detalhe... — O demônio parecia se divertir com a situação.
— Nina, você tem que sobreviver. Tente retornar ao portal. Nele há também uma
passagem para a segunda dimensão que é bloqueada para os zirquinianos — Uma voz
telepática sussurrou em meus ouvidos, pegando-me de surpresa. Tinha a entonação diferente,
mas eu sabia a quem ela pertencia: Shakur!
— Eu não vou fugir dessa vez — pensei determinada.
— Não entende, Nina? Só você pode desequilibrar esse duelo de forças místicas. Tudo
faz parte de um jogo diabólico. Não existem oferendas. Você é a grande oferenda! A lenda
diz que Malazar precisa sair desta catacumba antes no nascer do sol, caso contrário será
novamente encarcerado no Vértice. Mas, para conseguir isso, ele terá que se despir de seus
disfarces, assumindo sua verdadeira identidade, e se apossar da sua poderosa energia. Ele
precisará te matar — alertava-me Shakur em pensamento.
— Quem disse isso? — bradou Malazar com espanto.
Droga! Ele havia escutado também!
— É um novo truque, Guimlel? — O demônio checava o lugar com a fisionomia perigosa.
— Gostou? — A voz em forma de tornado de Guimlel assumia o ato em alto e bom som.
— Muito. Aproxime-se, Guimlel.
— Não.
— Está se escondendo de mim, mago? — atiçou Satanás. — Não consigo enxergá-lo em
meio a essa multidão de mendigos.
— Mas eu o vejo perfeitamente. Aliás, enxergo mais do que isso. Agora tenho certeza de
que seus poderes aí dentro são irrisórios — a voz atrevida de Guimlel o enfrentava.
— Você quer jogar? — Malazar trovejou num misto de cólera e desafio e caminhou
lentamente até parar em frente à linha branca cintilante delimitada no chão da catacumba, mas
não ousou ultrapassá-la. — Ótimo! Porque é o que faço de melhor!
De costas para mim, o demônio soltou um ruído gutural, curvou o corpo para a frente e,
subitamente, jogou os braços para cima, esticando-os ao máximo.
— Cada um de vocês pagará pelos meus milhares de anos de exílio! Assistirão a uma
pequena amostra do que acontecerá com todos dessa dimensão maldita!
Então a mágica do horror aconteceu: a boca de Malazar abriu, assumindo proporções
assustadoras, e, no instante seguinte, os Umbris eram sugados, um a um, para dentro dela.
Os braços e pernas de Malazar se alongaram, a pele vermelho vivo escureceu e ganhou
escamas brilhantes e afiadas. Meu punhal dourado caiu aos seus pés quando o terno branco
deu lugar a um corpo monstruoso. Num piscar de olhos, escutei os uivos altíssimos do vento,
que ganharam um tom demoníaco quando suas rajadas ficaram abafadas, ininterruptas e com
forte odor pútrido. Os berros de pânico que apunhalavam meus ouvidos subitamente
desapareceram, como se tivessem sido propositalmente desligados. Quando a ventania
cessou, todas as tochas estavam apagadas e, dentro do oceano de escuridão e silêncio
absoluto, uma bruma fantasmagórica espalhava-se sorrateiramente.
Contraí as mãos e, quando dei por mim, esmagava o caco remanescente do vaso entre
os dedos. As feridas queimaram em minha pele e acordaram minha coragem e raciocínio.
Eu ia libertá-los!
O chão tornou a vibrar e arrepiei por inteira quando uma lufada de um vento quente e
mofado percorreu meu corpo. Tentei me afastar, dando passos lentos e meticulosos em
sentido contrário, mas minhas pernas paralisaram e meu cérebro entrou em estado de choque
ao escutar um uivo ensurdecedor seguido de um gemido abafado de pânico.
A bruma se dissipou em alguns pontos, eu me virei e entendi. Saindo lentamente por
detrás da melroada névoa, um titânico monstro de mais de cinco metros de altura guinchava
alto, jogando a cabeça de um lado para o outro sem parar. Seu surgimento aos poucos era
digno dos mais rebuscados filmes de terror. Com o corpo musculoso, andar cadenciado de um
felino e o dorso coberto por grossas escamas, sua cauda assemelhava-se à de um escorpião
e sua cabeça imensa parecia a de um abutre deformado, como se tivesse sido queimado vivo.
O mais assustador ainda estava por ser evidenciado. Ao dar seu ganido de advertência, o
animal abriu seu bico gigantesco e revelou o improvável: ele tinha enormes e afiados dentes,
completamente desalinhados, num emaranhado complexo como em uma descomunal
armadilha. Na verdade eles eram perfeitos para o seu intento: dilacerar e matar. Mordi os
lábios e meu estômago embrulhou ao identificar o corpo que vinha agarrado em suas garras
afiadas: era de Tom!
Não permitiria que a morte de Tom fosse em vão. Estava determinada a reparar de
alguma forma o mal que a minha existência havia causado àquela dimensão e a todos que me
estimaram. Eu não tinha culpa de que em minhas veias corresse o sangue daquela besta.
Nelas também havia o sangue do amor puro e desmedido de minha mãe. E, dentro do meu
peito, era meu coração quem bombeava esse sangue e definiria qual parte prevaleceria. O
mesmo coração que pulsava em gratidão pelas pessoas que, naquele momento, estavam
dando suas vidas para me salvar. O maior de todos os atos de amor.
Novo ganido me fez identificar pela pior maneira de onde vinha o cheiro de ferro que havia
sentido anteriormente: escorria sangue e uma grossa saliva por entre os caninos da fera. Ela
parou de uivar e se aproximou de onde eu estava com passadas lentas e hesitantes. A
estranha atitude me fez perceber um detalhe fundamental: suas córneas eram esbranquiçadas,
quase translúcidas. O animal era cego! Vibrei por um mísero momento, recordando-me em
seguida de que, quando a natureza nos priva de um sentido, ela aguça os demais. Nesse caso,
o olfato e a audição da besta deviam ser extremamente apurados. E, de fato, eram. Uma
pedrinha estalou sob as minhas sandálias e instantaneamente o monstro girou a cabeça na
minha direção. Fiquei imóvel, aflita com a espera interminável, até escutar um soluço abafado
às minhas costas.
Samantha?
No instante seguinte o chão tremeu com força e a fera passou como um raio por mim,
como se eu não estivesse ali, ganindo e avançando com o bico aberto em direção à pilastra
onde a loura estava amarrada. Ela ia matá-la!
Se era a mim que Malazar precisava matar, por que foi em direção à Samantha? Teria
sido pura sorte ou o animal não foi capaz de me sentir?
— Não! — berrei alto, chamando a atenção do monstro para mim e interrompendo seu
ataque. Samantha me encarava com os olhos arregalados quando desatei a correr em direção
contrária. A fera enfurecida girava a cabeça de um lado para o outro e, arrastando a garra no
chão, levantou uma nuvem claustrofóbica de poeira ao redor. Um plano bem arquitetado: o
monstro encontrara um jeito de dificultar a fuga de sua vítima. No caso, eu. Meus olhos ardiam
e, tateando o ar, corri o mais rápido que pude em sentido contrário.
— Você consegue me ouvir, não consegue? — indaguei acelerada por meio do
pensamento a Shakur.
— Sim, Pequenina — respondeu ele em minha mente.
— Caso eu consiga sobreviver, o que acontecerá com Zyrk depois que eu retornar à
segunda dimensão? — Não daria nomes, pois sabia que Malazar estaria nos escutando.
— Não sei. Esse é o grande mistério, Nina.
— Mas...
— Mas você terá ao menos poupado a segunda dimensão e derrotado Malazar,
encarcerando-o novamente no Vértice — Shakur me interrompia acelerado.
— Eu vou sobreviver e vou voltar para a segunda dimensão, mas só farei isso depois
de libertá-los. Então é bom você me dizer onde está.
— Eu já imaginava essa resposta — escutei seu murmurar telepático e sorri
intimamente. Havia mais orgulho em seu tom de voz do que reprovação. — Concentre-se no
som da minha respiração. Caminhe em silêncio pela penumbra e não pela poeira. A besta
está ficando nervosa. Além de cega, ela também não consegue captar a sua essência dentro
da catacumba. — E, após um segundo de hesitação, acrescentou: — Não tenho mais como
ajudar. Minhas forças acabaram, Pequenina.
— Eu sei, pai.
— Pai?! — estupefata, a voz grave de Malazar retumbava pela Catacumba e
bombardeava meus tímpanos. — Eu ouvi errado ou você disse mesmo essa palavra, Nina?
Aproveitei o momento em que o chão tremia com as gargalhadas furiosas do demônio
para correr em direção a Shakur. Muito abatido, ele abriu um sorriso tenso quando me viu.
Compreendi, emocionada, que ele havia me concedido um último presente: utilizara o que
restou de suas forças vitais para que eu e Rick pudéssemos ficar juntos. Abracei-o com
vontade e, sem fazer barulho, desatei a cortar as cordas com a minha arma improvisada.
— Por que tenho a impressão de que não é a mim que você chama de pai, filha? — A
besta continuava a bramir e senti que o tremor ficava ainda mais forte.
Ela se aproximava.
As malditas cordas não cediam! Utilizei todas as minhas forças e nada. Aquele pedaço
de cerâmica não era a ferramenta apropriada e o tempo não seria suficiente. Droga! Eu não ia
conseguir.
Então, como mágica, algo brilhou na escuridão: meu punhal! Ele estava a uma mínima
distância da cauda da besta, que se remexia em um perigoso movimento de vai e vem. Shakur
compreendeu minha intenção e, nervoso, começou a balançar a cabeça em negativa quando
coloquei o pedaço da cerâmica em suas mãos ainda amarradas.
— Nem pense nisso, Nina! — berrou em minha mente. — Não!
— Eu preciso, pai! Desculpe.
Antes que ele dissesse mais uma palavra, beijei-lhe o rosto com carinho e já estava
correndo em máxima velocidade. Jogando meu corpo pelo chão arenoso, deslizei em direção à
adaga e senti o aço frio do punhal preencher o espaço entre os meus dedos. Equilibrando-me
de qualquer maneira, coloquei-me de pé e continuei minha corrida em direção a Richard.
Desde que mergulhara naquela catacumba dos horrores, era a primeira vez que colocava os
olhos em meu amado e uma sensação ruim, uma mistura corrosiva de ácido e gelo,
estremeceu dentro de mim. Richard tinha o olhar distante, em uma tênue divisa entre o apático
e o sombrio. Rapidamente arranquei sua mordaça e desatei a cortar as cordas. Elas eram
muitas, mas a lâmina do punhal era afiada.
— Depois de tudo que passamos... Por quê? Por que você foi atrás dele, Nina? —
sussurrou com a voz grave e acusatória.
— Sinto muito, mas eu precisava de respostas, entender quem eu sou e compreender
meu destino, Rick — respondi acelerada.
Richard contraiu a testa e fechou os olhos, taciturno.
— E conseguiu?
— Sim, eu...
— Arrr! — Um berro abafado de dor me congelou.
John!
— Estou ficando cansado dessa brincadeira, Nina — bradou a voz satânica de Malazar.
— E agora? Você vai cooperar?
— Arrrr!
Todos meus músculos contraíram com os gemidos de dor excruciante. A poeira
assentara e a névoa se dissipava, permitindo visualizar a cena com perfeição. Amarrado às
cordas, o sangue se esvaía de uma ferida aberta no abdome de John. Nervoso, o monstro lhe
desferia bicadas, ferindo-o sem piedade no tórax e empurrando seu corpo de um lado para o
outro, como um boneco de pano. Irritado, o bicho balançava nervosamente o pescoço de um
lado para o outro. John estava entregue. O animal deu seu ganido de triunfo e curvou-se veloz
em direção à presa acuada.
Cristo Deus! Ele ia matar John!
— Nãooo! — berrei descontrolada e desatei a correr.
— Ninaaa! — Richard esbravejou às minhas costas.
Utilizando todas as minhas forças, tomei máximo impulso e, jogando-me no ar, finquei o
punhal na cauda da besta. Um som semelhante a um chocalho metálico cresceu nos meus
ouvidos. O chão tremeu e eu não estava mais nele. Ao girar de maneira abrupta, a pesada
cauda me lançou violentamente para longe. Sangue escorria por minha testa e bochechas e
minha visão embaçou. Eu queria berrar, queria me levantar, mas nenhum músculo respondeu
aos meus comandos. Minha cabeça zonza latejava e minha pele ardia. Senti meus dedos
vazios. Droga! Perdi o punhal! Em fração de segundos o monstro já estava guinchando sobre
meu corpo alquebrado, imobilizando-me com suas garras afiadas, seus dentes rangendo de
forma compulsiva a poucos centímetros do meu pescoço, a saliva nojenta caindo sobre minha
face, afogando-me.
— Merrrrrrda!
O epíteto transtornado de Richard confirmava que minha situação era péssima.
Oração do dia 30- Palavras para concretizar o paraíso aqui e agora.
Oração do dia 30
Palavras para concretizar o paraíso aqui e agora.
A meditação Shinsokan para se unir ao ser absoluto consiste tão-somente em mentalizar, com a mente serena: “Deus está dentro de mim, e o paraíso existe aqui e agora”.
Palavras para concretizar o paraíso aqui e agora.
A meditação Shinsokan para se unir ao ser absoluto consiste tão-somente em mentalizar, com a mente serena: “Deus está dentro de mim, e o paraíso existe aqui e agora”.
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