sábado, 15 de setembro de 2018

3 - PEQUENA HISTÓRIA DO DISCÍPULO

3 - PEQUENA HISTÓRIA DO DISCÍPULO
Quando o Mestre visitou o aprendiz pela primeira vez, encontrou-o mergulhado na leitura
das informações divinas.
Viu-o absorto na procura de sabedoria e falou :
– Abençoado seja o filho do conhecimento superior!
E passou à frente, entregando-o ao cuidado de seus prepostos.
Voltando, mais tarde, a revê-la, surpreendeu-o inflamado de entusiasmo pelo
maravilhoso. Sentia-se dominado pelas claridades da revelação, propondo-se estendê-la
por todos os recantos da Terra. Queria ganhar o mundo para o Senhor Supremo.
Multiplicava promessas de sacrifício pessoal e interpretava teòricamente a salvação por
absoluto serviço da esperança contemplativa.
O Companheiro Eterno afagou-lhe a fronte sonhadora e disse:
– Louvado seja o apóstolo do ideal!
E seguiu adiante, confiando-o a dedicados mensageiros.
Regressou, em outra ocasião, a observá-lo e registRou-lhe nova mudança. Guiava-se o
aprendiz pelos propósitos combativos. Através do conhecimento e do ideal que adquirira,
presumia-se na posse da realidade universal e movia guerra, sem sangue a todos os
semelhantes que lhe não pisassem o degrau evolutivo. Gravava dísticos incendiários, a
fim de purificar os círculos da crença religiosa. Acusava, julgava e punia sem
comiseração. Alimentava a estranha volúpia de enfileirar adversários novos. Pretendia
destruir e renovar tudo. Nesse mister, desconhecia o respeito ao próximo, fazia tábua
rasa das mais comezinhas regras de educação, assumindo graves responsabilidades
para o futuro.
O Compassivo, todavia, reconhecendo-lhe a sinceridade cristalina, acariciou-lhe as mãos
inquietam e enunciou:
– Amparado seja o defensor da verdade!
E dirigiu-se a outras paragens, entregando-o à proteção de missionários fiéis.
Tornando ao círculo do seguidor, em época diferente, reparou-lhe a posição diversa.
Dera-se o discípulo à sistemática pregação dos princípios edificantes que adotara,
condicionando-os aos seus pontos de vista. Escrevia páginas veementes e fazia
discursos comovedores. Projetava nos ouvintes a vibração de sua fé. Era condutor das
massas, herói do verbo primoroso, falado e escrito.
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O Instrutor Sublime abraçou-o e declarou:
– Iluminado seja a ministro de palavra celestial!
E ganhou rumos outros, colocando-o sob a inspiração de valorosos emissários.
Escoados longos anos, retornou o Magnânimo e anotou-lhe a transformação, O aprendiz
exibia feridas na alma. A conquista do mundo não era tão fácil, refletia ele com amargura.
Embora sincero, fora defrontado pela falsidade alheia. Desejoso de praticar o bem, era
incessantemente visado pelo mal. Via-se rodeado de espinhos. Suportava calúnias e
sarcasmos. Alvejado pelo ridículo entre os que mais amava, trazia o espírito avivado de
duvidas e receios perniciosos. Era incompreendido nas melhores intenções. Se dava pão,
recebia pedradas. Se acendia luz, provocava perseguições das trevas. Lia os livros
santos, à maneira do faminto que procura alimento; sustentava seus ideais com
dificuldades sem conto; ensinava o caminho superior, de coração dilacerado e pés
sangrando...
O Sábio dos Sábios enxugou o suor copioso e falou:
– Amado seja o peregrino da experiência!
E seguiu, estrada afora, confiando-o a carinhosos benfeitores.
Retornando, tempos depois, o Salvador assinalou-lhe a situação surpreendente.
Chorando para dentro, reconhecia o discípulo que muito mais difícil que a conquista do
mundo era o domínio de si mesmo. Em minutos culminastes do aprendizado, entregara-
se também a forcas inferiores, Embora de pé, sabia, de conhecimento pessoal, quão
amargo sabor impunha o lodo à boca. Cedera, bastas vezes, A,s sugestões menos digiras
que combatia. Aprendera que, se era fácil ensinar o bem aos outros, era sempre difícil e
doloroso edificá-lo na próprio íntimo. Ele que condenara a vaidade e o egoísmo, a volúpia
e o orgulho, verificava que não havia desalojado tais monstros de sua alma. Renunciava
ao com.bate com o exterior, a fim de lutar consigo muito mais. Vivia sob a pressão de
tempestade renovadora. Ciente das fraquezas e imperfeições de si mesmo, confiava,
acima de tudo, no Altíssimo, a cuja bondade infinita submetia os torturantes problemas
individuais, através da prece e da vigilância entre lágrimas.
O Divino Amigo secou-lhe o pranto e exclamou:
– Bendito seja o irmão de dor que Santifica!
E seguiu para diante, recomendando-o aos colabora,dares celestiais.
Anos decorridos, regressou o Misericordioso e admirou-lhe a situação diversa. O discípulo
renovara-se completamente. Preferia calar para que outros se fizessem ouvir. Analisava
as dificuldades alheias pelos tropeços com que fora defrontado na senda. A compreensão
em sua alma era doce e espontânea, sem qualquer tendência à superioridade que
humilha. Via irmãos em toda parte e estava disposto a auxiliá-los e socorrê-los, sem
preocupação de recompensa. Aos seus olhos, os filhos de outros lares deviam ser tão
amados quanto os filhos do teto em que nascera. Entendia os dramas dolorosos dos
vizinhos, honrava os velhos e estendia mãos protetoras às crianças e aos jovens. Lia os
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escritos sagrados, mas enxergava também a Eterna Sabedoria na abelha operosa; na
nuvem distante, no murmúrio do vento. Regozijava-se com a alegria e o bem-estar dos
amigos, tanto quanto lhes partilhava os infortúnios. Inveja e ciúme, despeito e cólera, não
lhe perturbavam o santuário interior. Não sentia necessidade de perdoar, porque amava
os semelhantes como Jesus lhe havia ensinado. Orava pelos adversários gratuitos do
caminho, convencido de que não eram maus e, sim, ignorantes e incapazes. Socorria os
ingratos, lembrando que o fruto verde não pode oferecer o sabor daquele que amadurece
a seu tempo. Chorava de júbilo, a sós, na oração de louvor, reconhecendo a extensão das
bênçãos que recebera do céu... Interpretava dores e problemas como recursos de
melhoria substancial. As lutas era,m para ele degraus de ascensão. O perversos, ao seu.
olhar, eram irmãos infelizes, necessitados de compaixão fraternal. Rua palavra jamais
condenava. Seus pés não caminhavam em vão. Seus ouvidos mantinham-se atentos ao
bem. Seus olhos enxergavam de maio alto. Suas mãos ajudavam sempre. Sintonizava
sua mente com a Esfera Superior. Seu maior desejo, agora, era conhecer o programa do
Mestre e cumpri-lo. Pregava a verdade e a ensinava a quantos procurassem ouvi-lo;
entretanto, experimentava maior prazer em ser útil. Guardava, feliz, a disposição de servir
a todos. Sabia que era imprescindível amparar o fraco para que a fragilidade não o
precipitasse no pó, e ajudar ao forte a fim de que a força mal aplicada não o envilecesse.
Conservava o conhecimento, o ideal, o entusiasmo, a combatividade em favor do bem, a
experiência benfeitora e a oração iluminativa, todavia, acima de tudo, compreendia a
necessidade de refletir a Vontade de Deus no serviço ao próximo. Suas palavras
revestiam-se de ciência celestial, a humildade não fingida era gloriosa auréola em sua
fronte, e, por onde passava, agrupavam-se em torno dele os filhos da sombra, buscando
em sua alma a luz que amam quase sempre sem entender...
O Senhor, encontrando-o em semelhante estado, estreitou-o nos braços, de coração a
coração, proclamando:
– Bem-aventurado o servo fiel que busca a Divina Vontade de Nosso Pai!
E, desde então, passou a habitar com o discípulo para sempre.

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